Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

O Iraque no centro da política mundial

11 Oct 2003 | A situação no Iraque segue sendo altamente instável. Aos ataques de tipo guerrilheiro contra as tropas de ocupação norte-americanas e britânicas, se somou o início de atentados massivos, como as numerosas sabotagens a oleodutos e aquedutos, que aumentam os gastos do imperialismo com infra-estrutura e também a revolta da população local contra a ocupação; o ataque à sede da ONU (incessantemente noticiado no Brasil por ocasião da morte do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo) e depois o ataque à mesquita de Najaf, no qual morreu o religioso xiita e líder do Conselho Supremo da Revolução Islâmica. Baqir al Hakim era um dos pilares em que se sustentava a política dos Estados Unidos de avançar no estabelecimento de um governo local que contasse com alguma legitimidade. Agora a situação é ainda mais incerta e o mais provável é que os Estados Unidos tentem convencer os outros países imperialistas a ter uma maior participação no conflito pós-guerra.   |   comentários

A segunda parte da guerra

Resolver o problema da ocupação do Iraque se faz imprescindível e urgente para o governo Bush. A guerra contra o Iraque foi uma ação aventureira e unilateral do imperialismo norte-americano, com um objetivo que vai muito além dos poços de petróleo deste país. O Iraque deveria ser uma plataforma a partir da qual os Estados Unidos conseguissem estabelecer, a seu favor, uma nova ordem de domínio em toda a região, para tentar assim reverter a decadência histórica de sua hegemonia, expressa claramente na ameaça de recessão que ronda o território ianque. Mas a rápida e impressionante vitória das tropas da coalizão sobre o exército iraquiano ainda não se transformou num êxito político que permitisse avançar nesse objetivo e não se apresentam alternativas simples para fazê-lo.

A insatisfação da população norte-americana com os mais de 70 militares norte-americanos mortos no pós-guerra e os altos gastos com a ocupação neste momento de crise económica, potencializada pelo desmascaramento dos ”˜”™motivos” da guerra, não possibilita à administração de Bush dispender a força militar necessária para massacrar a resistência e estabelecer a ”˜”™pax” americana na região. Essa saída, que necessariamente implicaria um considerável derramamento de sangue também aumentaria antinorte-americanismo na região e o repúdio da opinião pública internacional, podendo levar a um levantamento das massas árabes contra as tropas de ocupaçao, combinado com um ressurgir do movimento anti-guerra. Retroceder da ocupação não é uma opção, já que isso significaria uma derrota estratégica sem precedentes na história dos Estados Unidos, acelerando ao invés de reverter a decadência da hegemonia norte-americana.

A resistência iraquiana

A cada novo atentado ou ação guerrilheira se demonstram as enormes contradições em que os Estados Unidos estão inseridos no Iraque. Um exemplo disso é o fato do governo Bush não ter conseguido usar a seu favor o atentado contra a sede da ONU (organização supostamente multilateral e pacifista), no sentido de reforçar o seu discurso anti-terrorista e dar mais respaldo à ocupação. O que ocorreu foi justamente o oposto. Os mais diversos meios da imprensa internacional e inclusive a própria ONU condenaram a incapacidade das tropas de ocupação de garantir um mínimo de segurança para o trabalho das organizações ”˜”™humanitárias” e culparam o Estados Unidos pelo ocorrido.

Mais recentemente, o atentado à mesquita em Najaf, no qual morreu o clérigo xiita Baqir al Hakim não serviu para colocar os xiitas contra a resistência, pelo contrário, o que se viu nas mobilizações depois da morte do líder religioso foi um profundo ódio da comunidade xiita com relação à ocupação. Esse fato trouxe ainda mais um revés para os planos norte-americanos, já que al Hakim era um dos pilares sobre os quais os Estados Unidos sustentavam seu plano de estabelecer no Iraque um governo minimamente legítimo com elementos moderados de distintas etnias, mas principalmente xiitas, servil a seus interesses imperialistas.

O governo Bush sustenta até hoje que a resistência se resume a bolsões isolados de membros do partido Baath, ligados ao regime de Saddam e a terroristas estrangeiros. O fato de o assassinato dos filhos de Hussein, Uday e Qusay não ter tido grande efeito sobre a resistência, além da existência de cidades inteiras como Falluja ou Najaf que se opõem efetivamente às forças de ocupação, dos choques recentes na cidade sulista de Basra e da sabotagem do importante oleoduto no norte curdo são provas de que o processo de resistência é bem mais amplo do que os Estados Unidos querem fazer parecer.

Ainda assim, a resistência tal com ela é hoje não oporia nenhum grande desafio às tropas da ocupação não fossem as já citadas contradições que impedem os Estados Unidos de imporem a sua superioridade militar. Porém, em perspectiva, se não se chega à uma solução para o conflito, a resistência pode crescer, avançando para um cenário que alguns descrevem como uma combinação de uma luta guerrilheira feroz com uma ”˜”™intifada” civil.

Pedindo ajuda

É desse cenário, acima descrito, que decorre a urgência por parte da administração Bush em resolver o problema. A possibilidade na qual se aposta hoje é, através de um reerguimento artificial da moribunda ONU, tentar acordar o envio ao Iraque de tropas estrangeiras que se somem às americanas e britânicas. O problema consiste em que países como França e Alemanha, que se posi-cionaram contra a guerra justamente porque ela ia de encontro aos seus interesses imperialistas não parecem estar dispostos a enviar suas tropas para salvar os norte-americanos sem pedir nada em troca.

Assim, uma repartição dos ónus da guerra teria que vir acompanhada por uma repartição também dos bónus, ou seja a autoridade sobre o Iraque passaria para as mãos da ONU, o que na prática quer dizer para as mãos dos países que a integram. O governo Bush começa a admitir a possibilidade de ceder cotas de poder à ONU e de instaurar um governo “iraquiano” dentro de alguns meses. Essa saída é um claro retrocesso, pois os objetivos dos Estados Unidos na guerra incluiam como elemento central alcançar uma correlação de forças mais favorável com o imperialismo europeu.

Outra saída que foi abertamente cogitada seria tentar algum acordo com o regime teocrático iraniano e, por essa via, conseguir o apoio da maioria xiita moderada que este influencia dentro do Iraque. Mas, a complexidade de tentar um acordo com o Irã com o qual não manteve relações formais por mais de duas décadas e a desvantagem de negociar com o “eixo do mal” , poderia abrir um leque maior de contradições das já colocadas.

Um novo Vietnã?

O fato de que os Estados Unidos ainda não tenha conseguido consolidar seu triunfo militar no Iraque abre um leque de possíveis desenvolvimentos da situação no Oriente Médio. A comparação com a guerra do Vietnã já é um lugar comum para alertar sobre a dimensão dos problemas que pode enfrentar o governo de Bush para concluir seu empreendimento imperialista. Alguns elementos parecem dar base a esta analogia, como o massivo movimento internacional contra a guerra, cujo epicentro esteve nos países centrais, a emergência da resistência no Iraque contra a ocupação, a baixa moral das tropas norte-americanas, a queda do apoio da população à medida que aumenta lentamente o número de soldados mortos, e na forma como as incertezas do pós-guerra estão influindo na política interna dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Mas apesar destes elementos de crise que dão base à analogia histórica, a situação não é igual à do Vietnã. A ocupação leva somente alguns meses e, ainda que esteja atravessando um momento de incertezas sobre que rumo seguir, Estados Unidos não está em uma posição de não poder encontrar uma saída que lhe deixe como única opção uma retirada humilhante como ocorreu depois de dez anos de guerra no Vietnã.

Mas uma derrota no Iraque hoje, frente à crise enfrentada hoje pelo imperialismo norte-americano, traria conseqüências ainda mais devastadoras do que as decorrentes da derrota no Vietnã, odendo acelerar enormemente a decadência em curso da hege-monia dos Estados Unidos.

Até o momento, o profundo sentimento anti-imperialista não se traduziu em ações de massas independentes para deter a guerra primeiro e logo para expulsar as tropas da coalizão, porém este sentimento encontra sua expressão política nas organizações islâmicas e no ressurgir do terrorismo como emergente elementar do ódio frente à humilhação e ao submetimento.

Enquanto revolucionários, apostamos em que a dinâmica da situação e as lições das experiências passadas, dêem lugar no próximo período ao surgimento de um movimento de massas independente, capaz de aproveitar as contradições que estão emergindo, para abrir caminho à verdadeira libertação do Oriente Médio, que ponha fim à exploração das elites locais e de seus aliados imperialistas.

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