Quinta 28 de Março de 2024

Teoria

O Dia da Mulher

20 Mar 2004   |   comentários

O que é o dia da mulher? É realmente necessário? Não é uma concessão às mulheres da classe burguesa, às feministas e sufragistas? Não é danoso para a unidade do movimento operário? Essas questões, entretanto, se ouvem na Rússia, ainda que não no exterior. A própria vida tem dado uma resposta clara e eloqüente a estas perguntas.

O dia da mulher é um elo na longa e sólida cadeia da mulher no movimento operário. O exército organizado de mulheres trabalhadoras cresce a cada dia. Há vinte anos as organizações operárias tinham apenas grupos dispersos de mulheres nas bases dos partidos operários”¦ Agora os sindicatos ingleses têm mais de 292.000 mulheres sindicalizadas; na Alemanha são aproximadamente 200.000 sindicalizadas e 150.000 no partido operário, na à ustria há 47.000 nos sindicatos e 20.000 no partido. Em todas as partes, na Itália, Hungria, Dinamarca, Suécia, Noruega e Suíça, as mulheres da classe operária estão organizando a si próprias. O exército de mulheres socialistas tem quase um milhão de membros. Uma força poderosa! Uma força com a qual os poderes do mundo devem contar quando puserem sobre a mesa o tema do custo de vida, o seguro maternidade, o trabalho infantil ou a legislação para proteger as trabalhadoras.

Houve um tempo no qual os homens trabalhadores pensavam que deveriam carregar sozinhos sobre seus ombros o peso da luta contra o capital. Pensavam que deveriam sozinhos enfrentar o «velho mundo» sem o apoio de suas companheiras. Entretanto, como as mulheres da classe trabalhadora entraram nas fileiras daqueles que vendiam seu trabalho em troca de um salário, forçadas a entrar no mercado trabalhista por necessidade, porque seu marido ou seu pai estavam desempregados, os trabalhadores começaram a dar-se conta de que deixar para trás as mulheres entre as fileiras de “não-conscientes” era prejudicar sua causa e evitar que avançasse. Que nível de consciência tem uma mulher que apenas cuida dos afazeres domésticos, que não tem direitos na sociedade, no estado ou na família? Ela não tem idéias próprias! Faz tudo segundo seu pai ou marido ordenam.

A falta de direitos e o retrocesso sofrido pelas mulheres, sua dependência e indiferença não são benéficos para a classe trabalhadora, mas de fato um dano direto para a luta operária. Porém como a mulher entrará nessa luta, como despertará?

A socialdemocracia estrangeira não encontrou a solução correta imediatamente. As organizações operárias estavam abertas para as mulheres, porém apenas umas poucas entravam. Por que? Porque a classe trabalhadora no inicio não se deu conta de que a mulher trabalhadora é o membro mais degradado, tanto legal como socialmente, da classe operária, de que ela tem sido golpeada, intimidada, acuada ao longo dos séculos, e de que para estimular sua mente e seu coração necessita uma aproximação especial, palavras que ela, como mulher, entenda. Os trabalhadores não se deram conta imediatamente de que neste mundo de falta de direitos e de exploração, a mulher está oprimida não apenas como trabalhadora, mas também como mãe, mulher. Entretanto, quando os membros do partido socialista operário entenderam isto, tornaram suas as lutas pela defesa das trabalhadoras como assalariadas, como mães, como mulheres.

Os socialistas em cada país começam a demandar uma proteção especial para o trabalho das mulheres, seguros para as mães e seus filhos, direitos políticos para as mulheres e a defesa de seus interesses.

Quanto mais claramente o partido operário percebia esta dicotomia mulher-trabalhadora, mais ansiosamente as mulheres se uniam ao partido, mais apreciavam o papel do partido como seu verdadeiro defensor e mais decididamente sentiam que a classe trabalhadora também lutava por suas necessidades. As mulheres trabalhadoras, organizadas e conscientes, têm feito muito para elucidar este objetivo. Agora o peso do trabalho para atrair as trabalhadoras para o movimento socialista reside nas próprias trabalhadoras. Os partidos em cada país têm seus comitês de mulheres, com seus secretariados e birós para a mulher. Estes comitês de mulheres, todavia trabalham na grande população de mulheres não conscientes, elevando a consciência das trabalhadoras ao seu redor. Também estudam as demandas e questões que afetam mais diretamente a mulher: proteção e cuidado para as mães grávidas ou com filhos, legislação do trabalho feminino, campanha contra a prostituição e o trabalho infantil, a demanda de direitos políticos para as mulheres, a campanha contra a elevação do custo de vida.

Assim, como membros do partido, as mulheres trabalhadoras lutam pela causa comum da classe, enquanto ao mesmo tempo delineiam e colocam em pauta as necessidades e demandas que as afetam mais diretamente como mulheres, donas de casa e mães. O partido apóia essas demandas e luta por elas”¦ Estas necessidades das mulheres trabalhadoras são parte da causa dos trabalhadores como classe.

No dia da mulher as mulheres organizadas se manifestam contra sua falta de direitos. Porém alguns dizem: por que esta separação das lutas das mulheres? Por que há um dia da Mulher, panfletos especiais para as trabalhadoras, conferencias e atos? Não é, no final, uma concessão às feministas e sufragistas burguesas? Apenas aqueles que não compreendam a diferença radical entre o movimento de mulheres socialistas e as sufragistas burguesas podem pensar dessa maneira.

Qual é o objetivo das feministas burguesas? Conseguir as próprias vantagens, o próprio poder, os mesmos direitos na sociedade capitalista que seus maridos, pais e irmãos possuem agora. Qual é o objetivo das operárias socialistas? Abolir todo tipo de privilégios que derivem do nascimento ou da riqueza. Para a mulher operária é indiferente se seu patrão é homem ou mulher.

As feministas burguesas reivindicam a igualdade de direitos sempre e em qualquer lugar. As mulheres trabalhadoras respondem: reivindicamos direitos para todos os cidadãos, homens e mulheres, porém nós não somos apenas mulheres e trabalhadoras, também somos mães. E como mães, como mulheres que teremos filhos no futuro reivindicamos um cuidado especial do governo, proteção especial do estado e da sociedade.

As feministas burguesas estão lutando para conseguir direitos políticos; também aqui nossos caminhos se separam: para as mulheres burguesas, os direitos políticos são simplesmente um meio para conseguir seus objetivos mais comodamente e mais seguramente neste mundo baseado na exploração dos trabalhadores. Para as mulheres operárias, os direitos políticos são um passo no caminho tortuoso e difícil que leva ao desejado reino do trabalho.

Os caminhos seguidos pelas mulheres trabalhadoras e as sufragistas burguesas vêem se separando há tempo. Ha uma grande diferença entre seus objetivos. Ha também uma grande contradição entre os interesses de uma mulher operária e as senhoras proprietárias, entre a empregada e sua patroa”¦ Assim, pois, os trabalhadores não deveriam temer que exista um dia previsto e determinado como o Dia da Mulher, nem que existam conferencias especiais e panfletos ou jornal especial para as mulheres.

Cada distinção especial para as mulheres no trabalho de uma organização operária é uma forma de elevar a consciência das trabalhadoras e aproxima-las das filas daqueles que estão lutando por um futuro melhor. O Dia da Mulher e o lento e meticuloso trabalho desenvolvido para elevar a autoconsciência da mulher trabalhadora estão servindo à causa, não da divisão, mas da união da classe trabalhadora.

Deixemos que um sentimento alegre de servir a causa comum da classe trabalhadora e de lutar simultaneamente pela emancipação feminina inspire as trabalhadoras para unirem-se na celebração do Dia da Mulher.

Texto de Alexandra Kollontai, escrito em 1913

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