Terça 23 de Abril de 2024

Questão negra

“Não consigo respirar”: o emblemático grito de Eric Garner

07 Dec 2014   |   comentários

"Não consigo respirar" foi a frase dita por Eric Garner antes de perder a vida estrangulado por vários policiais nos EUA.

É doído, dá desespero, perturba, ouvir a voz apertada de Eric Garner, um negro norteamericano com vários policiais em cima, recebendo uma gravata de um deles, e brandindo várias vezes “não consigo respirar”, pouco antes de perder a vida. A atrocidade policial foi filmada por um transeunte e encontra-se na rede (aqui).

A frase de Garner parece que fica rondando nosso “espírito” uma e outra vez: “não consigo respirar”. Num mundo onde perdemos o ar por tantos motivos, por tantas frustrações, decepções, pelo desanimo de um trabalho explorador, pela opressão e violência ideológica dos dominantes, nós também ficamos um pouco sem conseguir respirar ao ver o vídeo de Eric Garner.

A falência histórica desse sistema, que não pode resolver nenhuma das questões estruturais que nos tiram o ar e o encantamento, essa falência é tão estrutural que faz a qualquer um passar da melancolia ao ódio ao ver o julgamento do caso: com um vídeo explicitando o assassinato atroz de Garner, a justiça decidiu não indiciar ao policial responsável pela morte.

Ou seja, a morte de um rapaz negro nos EUA passou do limite da banalização. Num sistema que utiliza os homens e mulheres negros como a mais barata das mercadorias, para desgastar e explorar o último suor nas fábricas e postos precários, descartar a vida de outro negro parece ser apenas uma consequência natural para manter esse mesmo sistema de dominação racista.

Ser incrédulo a esse sistema não basta e não bastou nos EUA. Foi com revigorante entusiasmo que vimos que milhares de norteamericanos mostraram que não iam aceitar calados mais essa atrocidade: milhares se manifestaram em Nova York, Los Angeles, Chicago, Boston, Minneapolis, Atlanta, Oakland, recentemente, com intensas mobilizações na Califórnia, que a imprensa internacional já se adiantava em dizer que foram violentas (para deslegitimá-las). Se mantém vivíssimo o grito de Ferguson, desde a morte de Michael Brown por outro policial.

Nas manifestações, os ativistas fazem, além de passeatas, demonstrações deitando em avenidas principais encenando a morte de Eric e os outros mortos, entoando o grito de “não consigo respirar”. As manifestações se alastraram e demonstraram o nível de racismo que encontramos ainda no coração do capitalismo internacional.

Um dos fundadores da perspectiva emancipadora do socialismo dizia que a história tinha suas ironias. A questão negra emerge nos EUA a partir de distintas mortes e violências dos policiais, mas é irônico que o canto de guerra agora seja “eu não consigo respirar”. É emblemático porque o racismo oprime de distintas formas, na violência física policial, na discriminação na escola, no emprego, na exploração maior no trabalho. Mas também nos intimo cotidiano, que é expresso nas frases que dizia Garner antes de ser agarrado, que estava cansado de todos os dias aquela mesma perseguição.

Sim, estamos cansados de racismo, violência, opressão. Para sorte dos corações que batem por outra sociedade e perspectiva de vida, dessa vez o cansado não virou resignação, mas uma onda significativa de mobilizações contra a violência e a morte dos negros nos EUA.

A falta de ar de hoje é só um combustível para a gana furiosa de acabar com o racismo e as opressões.

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