Sexta 19 de Abril de 2024

Debates

IGREJA, UNIVERSIDADE E MULHERES

Na luta contra o obscurantismo

09 Apr 2009 | "A Igreja espera da PUC-SP que ela seja uma presença cristã no mundo universitário, que toda a comunidade seja alimentada de uma inspiração cristã genuína, a partir de uma reflexão do conhecimento humano, à luz da fé católica." Carta de Dom Odilo Scherer à Reitora Maura Véras (25/08/2008)   |   comentários

Estamos no ano de 2009, há alguns séculos do movimento filosófico chamado Iluminismo, mas é cada vez mais necessário retomar suas bandeiras de luta "pelas luzes" e contra o obscurantismo da Igreja. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo tem como principal tutora (quem manda) a Fundação São Paulo (que é a representante da Santa Sé, ou seja, do Vaticano, aqui no Brasil), e tem como Grão Chanceler Dom Odilo Scherer, que nos diz que o conhecimento deve estar à luz da fé católica. Mal podemos começar a falar sobre a questão da Igreja na Universidade, sem mencionar a arbitrariedade que esta coloca sobre os estudantes, com a matéria obrigatória chamada "Introdução ao Pensamento Teológico", matéria que faz parte do currículo de todos os cursos da PUC-SP. Afinal, não são poucos os professores desta casa que se lembram do Index da Igreja ditando os currículos oficiais há poucas décadas...

Nas últimas edições do PUCViva se abriu um debate sobre a legalização do aborto, onde um professor de Direito se posicionou contra as declarações da Igreja em relação ao caso da menina de Pernambuco, estuprada por seu padrasto, grávida de gêmeos fruto desse estupro, e por fim encaminhada a um aborto, já que se enquadrava nos dois casos permitidos por lei (estupro e risco de vida para a mãe). Mesmo assim, o obscurantismo da Igreja permitiu que o Arcebispo de Olinda declarasse que nesse caso o "aborto era pior que o estupro". O Vaticano manteve uma posição dúbia, mas um dos Arcebispos próximos ao Papa foi obrigado a ficar contra a posição do Arcebispo de Olinda por conta da opinião pública, escandalizada por até onde pode chegar a crueldade da mentalidade medieval desta instituição, muito embora isso não tenha impedido o Papa de semanas depois em visita à à frica condenar publicamente o uso de preservativos. Justo na à frica onde a AIDS tem consequências fatais para a população, o que mostra o caráter obscurantista desta instituição, para os quais correr risco de morrer é melhor do que se prevenir e garantir uma vida sexual saudável.

Por fim, em Pernambuco foram excomungados os médicos responsáveis pelo aborto e a mãe da menina. O único que não foi excomungado foi o estuprador. Bom, talvez isso tenha a ver com o fato de que a Igreja nunca demonstrou condenar esse tipo de prática, já que apenas no Brasil, em 2008, foram denunciados 1700 sacerdotes (mais de 10% da Igreja católica brasileira) por abusos de crianças e adolescentes. A impunidade é tanta que nenhum padre pedófilo foi excomungado. Além do fato de que a Igreja tomou proporções escandalosas em seu reacionarismo em relação às mulheres, naturalizando uma violência que marcará para sempre o corpo e a mente desta menina de Pernambuco, é essa a mesma Igreja que diz defender a vida. Mas se defendem a vida, porque se opõe, então, à educação sexual e à utilização de métodos anticonceptivos que não somente evitam uma gravidez não desejada assim como também impedem a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis? É evidente que não se trata de defesa da vida, mas sim da defesa de uma ideologia cristã que está a serviço da manutenção desta sociedade de classes, como bem disse o Papa Pio XII em 1958 "A multiplicidade de classes sociais se corresponde plenamente com os desígnios do Criador".

Muitos dentro desta universidade permanecem em defesa da ordem cristã, como o professor Antonio Marchionni, insultadíssimo com as "ofensas" do professor de Direito que defendia a menina de Pernambuco, tentando inclusive fazer parecer que eram ofensas a todos os católicos, nos quais estão incluídos trabalhadores e trabalhadoras, homens e mulheres pobres, dos quais muitos não compartilham com a opressão perpetuada pela instituição da Igreja católica apesar de sua fé; ou como o professor Francisco Borba Ribeiro Neto sem nenhuma vergonha de ficar do lado do Arcebispo de Olinda, e por conseguinte, dos estupradores; e por fim como Dom Odilo Scherer, principal interventor da Igreja na PUC-SP e que na última semana deu a graça de sua presença num ato contra o direito ao aborto, se colocando como cúmplice da morte da milhares de mulheres ensanguentadas e mutiladas na clandestinidade do aborto.

Nos últimos anos a presença maior da Fundação São Paulo e da Igreja na universidade, como parte da resposta para a crise da PUC-SP, aprofundou o elitismo da mesma e essa "reação ideológica", tornando ainda mais necessária uma transformação radical de nossa estrutura universitária. É preciso que todos estudantes, professores e funcionários, inclusive aqueles que possuem alguma fé religiosa, se coloquem na luta contra o obscurantismo da Igreja dentro de nossa universidade, para que o conhecimento seja laico e que não retrocedamos a centenas de anos da História. Basta de intervenção da Igreja em nossos corpos! Basta de intervenção da Igreja na universidade!

Texto publicado na edição 694 do Jornal PUCViva. Diana Assunção é estudante de História da PUC-SP, militante da LER-QI
e integrante do grupo de mulheres Pão e Rosas. Impulsiona a Campanha Latino Americana: Basta de mulheres mortas por abortos clandestinos! Pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito.

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