Sexta 29 de Março de 2024

Nacional

A PROPÓSITO DO DEBATE ELEITORAL NA ESQUERDA DO RIO DE JANEIRO

Muito cálculo de votos, de composição, alianças e até programa, mas longe da luta de classes

28 Oct 2011   |   comentários

Faltando quase um ano para acontecerem, as eleições municipais do Rio de Janeiro já começam a movimentar diversos articulistas dos principais jornais, artistas, intelectuais, a esquerda anti-governista e muitos ativistas independentes. Esta agitação bastante precipitada é fruto da singular combinação entre, por um lado, uma coalizão de governo extremamente forte, liderada pelo PMDB de Paes, com o apoio do PT, do PCdoB e quase uma dezena de outros partidos; e, por outro, a fortaleza eleitoral de Marcelo Freixo (PSOL), que afirma-se como principal opositor em meio à aguda fraqueza da oposição burguesa do DEM, PSDB, Garotinho, entre outros. Esta eleição configura-se como a principal eleição para a esquerda no país, que a partir daí organizará em grande medida as demais negociações em âmbito nacional. Esse é o pano de fundo de toda importância que as correntes do PSOL e o PSTU dão para a mesma.

Esse cenário regional poderia proporcionar a utilização desse espaço eleitoral para fortalecer as dezenas de lutas dos trabalhadores que vem ocorrendo como dos correios, dos bancos, dos professores, do Maracanã, setores populares em luta contra as remoções e estudantes universitários em defesa da educação. Esse espaço eleitoral poderia estar sendo utilizado para dar voz às centenas de mortos e atingidos pelas repetitivas tragédias no transporte, urbanismo, saúde, assim como à indignação contra a repressão da polícia e do Exército nos morros e nas UPPs. Tal orientação permitiria organizar uma campanha militante que não só atraísse votos mas que significasse passos concretos na organização dos trabalhadores contra a cidade que estão querendo construir no Rio de Janeiro mas também como preparação dos trabalhadores a todos ataques que serão implementados fruto da crise capitalista

Entretanto, o que Marcelo Freixo e o PSOL optam por fazer é afiançarem-se como alternativa viável em “diálogo com as forças democráticas da sociedade civil” (Resolução do III Congresso PSOL/RJ). Sua opção é aumentar seus votos e chances eleitorais aliando-se ao PV de Gabeira (que foi em todos os últimos anos o porta-voz de Serra no Rio)[1]. Esse movimento por parte do PSOL e de Freixo em direção à burguesia carioca é a contra-cara de seu distanciamento em relação à luta de classes. O passo carioca de aliar-se a um partido burguês é acompanhado por passos iguais em outras capitais, como em São Paulo, onde Plínio de Arruda Sampaio propõe fazer uma aliança com Erundina do PSB, partido que abrigou até recentemente ninguém menos que Skaf, o presidente da FIESP.

“Segurança pública”: como a esquerda ganhou espaço perdendo qualquer delimitação com este Estado assassino de negros e pobres

De uma polícia odiada à polícia saudada pela população, passaram pouquíssimos anos. Isso apesar das intermináveis denúncias que comprovam a ligação do alto escalão da polícia com as milícias, deputados marcados para morrer como o próprio Freixo, ativistas de direitos humanos silenciados ou ameaçados. Não se retoma o repúdio à polícia mesmo com as diversas favelas com UPPs ou ocupadas pelo Exército, nas quais a população exprime sua contestação (como nas mobilizações recentes no Alemão), com a perda de direitos civis elementares como de organização e expressão. Ninguém mais fala “fora a polícia do morro”.

O que ganhou força foram as vozes de reforma e humanização do existente. O principal porta-voz desta política é Marcelo Freixo. Daí decorre sua política de alianças com setores burgueses. Ele quer mostrar como seu programa é viável.

Freixo busca dialogar com este espaço de massas de “ordem, porém mais humana”, não através de recorrer às velhas posições da esquerda e centro-esquerda carioca, partindo da retirada das tropas dos morros, mas através de mil e uma ambigüidades sobre as UPPs, para defender um programa que é de humanizar a polícia, e junto com isso o Estado burguês e o próprio capitalismo.

Sem querer perder sua base militante que sofre dia-a-dia nas favelas a repressão policial, Freixo não diz nem que é contra as UPPs, nem que é a favor das mesmas. Ele fica ambiguamente dialogando com esta visão de “ordem mais direitos”, que expressa o sentimento predominante na população trabalhadora.

Em artigo de 30/11/10 quando o exército avançava sobre o Alemão dizia no Estado de São Paulo: “É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer”.[2]

Ou seja, que faltam coisas, mas não necessariamente isso implica ser contra as UPPs. Um mês depois, em pronunciamento na ALERJ, dizia que as UPPs formavam um projeto de cidade e não de segurança pública, que não se faz UPPs em áreas com milícia, dialogando com os críticos a este projeto. No entanto, assim que começaram os protestos no Alemão e em diversas favelas o deputado afirmava que “Paz não se faz só com a polícia. A paz não se faz só com Exército. A paz é a construção de uma cultura de direitos”.[3]

O que a polícia faz não é paz. É repressão diária, esculacho, perda de direitos elementares. O que a polícia faz é deixar corpos negros caídos no chão como corre a música do BOPE. É o que vemos nos “autos-de-resistência” (a forma eufêmica como registram assassinatos cometidos por policiais enquanto fardados), sem contar, claro, os assassinatos quando estão no segundo emprego – junto com uma parcela expressiva de bombeiros – como milicianos.

Este é um diálogo absolutamente oportunista com os trabalhadores e a população. Sua ambigüidade é funcional a uma política que sem combate vai dia-a-dia ganhando espaço para a polícia e para o Estado repressor. Este oportunismo não é só do Freixo. É também do conjunto da esquerda, começando por seu partido, que não emite uma crítica a estas posições (mesmo das alas mais críticas dentro do PSOL), mas incluindo também os setores que se encontram fora dele, como o PSTU.

Ansiosa por vereadores, a esquerda “extra-parlamentar” não faz sequer uma crítica a Freixo

Ultimamente, vem circulando uma “carta” assinada por dezenas de intelectuais e militantes ligados a correntes da esquerda do PSOL e também por intelectuais ligados ao PSTU. Nessa carta, propagandeada pelo próprio PSTU[4], afirma-se a necessidade de uma Frente de Esquerda que una os setores em luta e agregue diversos movimentos sociais, sindicais e estudantis da esquerda. A carta faz corretas denúncias dos Governos Dilma, Cabral e Paes, assim como se opõe claramente a qualquer aliança com o PV. Mas tudo isso tornam-se “palavras ao vento” na medida em que dita carta não menciona qualquer problema da orientação do PSOL e sua principal figura, em especial no que diz respeito à discussão “mais quente” do Rio de Janeiro e do próprio Freixo: polícia. Esta carta sequer menciona Freixo. Para os signatários, já estaria dado quem seria o candidato a prefeito. Querem influir em aspectos do programa, fechar o caminho ao PV, mas não questionam Freixo. Não questionar Freixo e seu programa “viável” é sacrificar qualquer perspectiva de independência de classe a serviço de utilizar um espaço para eleger vereadores enquanto o que primará é uma política de conciliação com os interesses da burguesia.

O caráter desta carta da esquerda do PSOL reproduz parte da própria política levada adiante pelo PSTU em seu chamado à unidade dos partidos de esquerda sem Gabeira e o PV[5]. Essa carta do PSTU diz claramente que é preciso “ter uma posição firme contra a política de (in) segurança e as UPPs do governo Cabral”. Mas são novamente “palavras ao vento”. Como seria possível, isto se esta não é mais a política de Freixo, e portanto do PSOL? Sem questionar Freixo, pode-se colocar diversos grevistas como candidatos e mesmo assim estas candidaturas de “lutadores” estar longe das necessidades da luta de classes hoje.

Qualquer discussão eleitoral hoje deve estar subordinada às necessidades da luta de classes

Todo o debate adiantado das eleições de outubro de 2012 está passando por fora do que fazer hoje enquanto Dilma está por privatizar os Correios e o Galeão; quando recorrentemente trabalhadores da construção civil saem em luta; quando governos petistas ou tucanos cortam pontos de grevistas como nos Correios e de professores em diversos estados; quando há denúncias contra as UPPs; ou mesmo do que fazer para defender a vida de Freixo e diversos ativistas dos direitos humanos. Isso apesar de que tanto o PSOL como o PSTU têm responsabilidade de direção em importantes sindicatos e oposições sindicais, muitos deles com múltiplos laços com esses problemas reais e concretos da luta de classes.

É preciso utilizar os espaços eleitorais enquanto os trabalhadores ainda confiarem que será através de seu voto que poderão ser alcançadas suas reivindicações. No entanto, é necessário fazê-lo denunciando em primeiro lugar como esse regime e suas eleições são anti-democráticos e anti-operários colocando todas as forças na organização da luta fora do parlamento, fortalecendo a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças. Um exemplo disso podemos encontrar nos nossos vizinhos argentinos, onde nossa organização irmã, o PTS, junto ao PO e à Izquierda Socialista, constituíram a Frente de Izquierda de los Trabalhadores (FIT),que centra sua na campanha na luta contra o regime e na luta de classes, já tendo conseguido eleger dois deputados. A FIT na Argentina ergueu em alto e bom som a defesa do sindicalismo de base e da esquerda denunciando a burocracia sindical mafiosa e assassina assim como suas ligações com o governo que persegue e até mata os lutadores. Eles veem fazendo uma campanha de clara oposição a militarização dos subúrbios de Buenos Aires, e diversas outras questões democráticas que afligem a população trabalhadora e pobre. O exemplo serve para nosso país!

[1] http://www.psolzonasul.org

[2] http://www.socialismo.org.br/portal/seguranca-pessoal-e-direitos-humanos/179-artigo/1808-nao-havera-vencedores

[3] http://www.marcelofreixo.com.br/site/noticias_do.php?codigo=402

[4] http://pstu.org.br/nacional_materia.asp?id=13499&ida=0

[5] http://www.pstu.org.br/partido_materia.asp?id=13456&ida=0

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