Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

MES/PSOL: o que o acordo grego diz sobre a estratégia do Syriza?

22 Feb 2015 | O acordo entre o Eurogrupo e a Grécia, embora siga indefinido quanto às concessões concretas a que o Syriza se submeteu, tem cláusulas claras: a Grécia aceita o resgate e as condições alemãs, comprometendo-se com a “finalização com êxito do atual programa”, apresentando uma lista de reformas até segunda-feira. Está claro que a atmosfera das negociações esteve impregnada de dureza por parte da Alemanha e dos países europeus, cujas ameaças e hostilidade guardavam um grande componente político: a mensagem é que não se poderão desafiar os planos de Bruxelas e de Berlim.   |   comentários

O acordo entre o Eurogrupo e a Grécia, embora siga indefinido quanto às concessões concretas a que o Syriza se submeteu, tem cláusulas claras: a Grécia aceita o resgate e as condições alemãs, comprometendo-se com a “finalização com êxito do atual programa”, apresentando uma lista de reformas até segunda-feira. Está claro que a atmosfera das negociações esteve impregnada de dureza por parte da Alemanha e dos países europeus, cujas ameaças e hostilidade (...)

Parte da esquerda, como o PSOL, que certamente se solidarizava com o povo grego, insistia que a melhor forma de satisfazer suas demandas contra a austeridade era seguir a estratégia negociadora do Syriza, que consistia desde o início em conseguir melhores condições para seguir pagando uma dívida gerada pelos capitalistas gregos e os banqueiros europeus.

Nem bem saído o acordo na sexta-feira, Thiago Aguiar, correspondente internacional do MES/PSOL e dirigente do Juntos, saiu inquieto a “explicar os fatos”. Segundo Thiago, o acordo mais se parece a um triunfo tático do Syriza, do que o êxito dos governos europeus em impor seu “resgate” asfixiante aos gregos. Não demonstrava as enormes concessões do Syriza diante da chantagem alemã, mas sim que, no clima de profunda hostilidade das negociações, o Syriza teria “ganhado tempo”, sem o qual o “virtual fim das garantias de lastro ao sistema bancário do país poderia levá-lo rapidamente à falência”.

A “efêmera conquista” do Syriza teria vindo, entretanto, a “um custo muito alto”. As reformas que redigirá o Syriza em acordo com o Eurogrupo “ameaçam o Programa da Tessalônica, enfraquecendo o governo grego”. O que de nenhuma forma absolve os pecados “sectários daqueles que, com uma visão superficial, são incapazes de compreender a complexidade da situação” e também estão “indispostos a dar a mesma luta profunda da qual participarão os povos de todo o continente.” Iluminado por sua “compreensão”, dá a entender que os que meramente “oferecemos organizar os trabalhadores”, mas lutamos para “apresentar” ao público a prova da capitulação do Syriza, comungaríamos das mesmas opiniões da “direita e dos abutres a soldo do capital financeiro, que salivam ante a possibilidade de capitulação do Syriza”.

A ambiguidade da posição do MES/PSOL sobre a questão da dívida grega

Esse desespero em transformar a prorrogação de um resgate antipopular e antioperário em uma “conquista tática fundamental” é o mesmo desespero com que se tenta converter um debate de estratégias que viemos fazendo desde o Palavra Operária num “desejo sectário de capitulação do Syriza”.

Ao contrário disso, viemos nos colocando repetidamente a serviço de uma campanha internacional de solidariedade ao povo grego, com a consigna central da anulação imediata da dívida grega, chamando a esquerda para nos unificarmos em atos de frente-única que deem início à campanha, junto a sindicatos como a CSP-Conlutas e a Intersindical. O que há de sectário num chamado como esse? A ausência de resposta por parte do PSOL é uma mostra de que não é o Syriza que tem o “desafio de formular uma estratégia sobre a questão da dívida” (já tem uma, é de negociar e aprovar ajustes para pagá-la); é o MES/PSOL que precisa por fim à ambiguidade e se posicionar claramente sobre a dívida: é a favor ou contra a anulação imediata da dívida grega?

Thiago Aguiar não responde esta questão fundamental. Mas se aproxima da forma como Tsipras e o Syriza respondem à questão da dívida, “um sóbrio e custoso ganho de tempo para preparar os novos enfrentamentos ou uma grande vitória.” É como dizer que o Syriza prepara uma poderosa armadilha ao Eurogrupo... aplicando reformas contra os gregos.

Mas, será realmente que Tsipras pensa em usar o "tempo" ganho para "preparar novos enfrentamentos"? Por sua entrevista, tudo leva a entender que Tsipras apresenta o acordo como um triunfo em si mesmo, já que com ele teria "deixado para trás a austeridade": "Na sexta-feira demos um passo decisivo, deixando para trás a austeridade, a troika e o resgate. Adiante nos aguardam muitas dificuldades. Fizemos fracassar o plano das forças conservadoras na Grécia e no estrangeiro para asfixiar nosso país e demonstramos que a Europa é um espaço para a negociação e os compromissos benéficos para as partes," disse o primeiro ministro do Syriza.

Isto é uma justificativa do porquê não preparar nenhum combate. Como explicou Yanis Varoufakis, Ministro das Finanças do Syriza, para alcançar este pacto de ajustes o Syriza não apagou apenas “uma milha” de suas próprias linhas vermelhas, mas “10 milhas”, em alusão às concessões que cederam, inclusive em desmentir a paralisação das privatizações em curso, como o do Porto do Pireu. Nada disso vai “na contramão da austeridade do período anterior”.

Quem aproveita o “tempo conquistado” pelo Syriza?

Desde 2012, quando o Syriza ficou às portas do governo, até agora, que efetivamente é governo, Tsipras diluiu seu programa, tratando de apresentar-se como confiável para a burguesia grega e europeia. Em poucos dias passou da defesa de um cancelamento importante da dívida a um plano mais “realista” de renegociação de prazos e formas de pagamento. O acordo com o Eurogrupo sujeita as medidas fundamentais do programa eleitoral do Syriza à aprovação prévia dos credores, reconhecendo o BCE, o FMI e a Comissão Europeia (a Troika) como “supervisores” da aplicação das reformas.

Desta forma, o “tempo conquistado” pelo Syriza nada tem a ver com o impulso da organização das massas trabalhadoras e de juventude que se colocaram às dezenas de milhares nas ruas em defesa do governo e contra a austeridade. Este “acordo temporário” não prepara melhores condições de luta nem organiza politicamente o peso social dos trabalhadores de maneira independente, mas enfraquece e confunde as aspirações de luta. Quem utiliza o “tempo” conquistado nas negociações é a Troika, que submeterá a Grécia a mais quatro meses de “resgate”: demissões, privatizações, cortes orçamentários.

O resultado desta negociação testemunha a descrença estratégica do Syriza em apoiar-se no giro à esquerda das massas, que se mobilizam ativamente contra a espoliação de uma dívida gerada pelos capitalistas gregos e os banqueiros europeus. Isto significaria se comprometer com uma força social explosiva responsável por 32 greves gerais em 5 anos, sobre a qual o Syriza não tem controle.

A ruptura à esquerda das massas gregas com a socialdemocracia é um sintoma importante da situação, embora tenha se dado sob uma forma “cidadã”, cujo único poder de mudança se reduziria ao voto. O Syriza não está a serviço de desenvolver este sentimento valioso no caminho da independência de classes.

Mais que nunca, por uma campanha pela anulação da dívida grega

Da mesma forma como o MES/PSOL justificou a aliança com os Gregos Independentes por “falta de alternativas” (o novo presidente conservador da Grécia apontado por Tsipras foi também produto desta ausência de opções?), justifica a estratégia negociadora e o atual acordo como se não fosse uma opção política e não houvesse uma alternativa, como se a relação de forças não pudesse ser alterada por uma decisão de mobilização das massas em todo o mundo em favor da anulação da divida grega, e essa alternativa fosse levar a um fortalecimento da direita.

A relação de causa-efeito estabelecida por Thiago Aguiar, de que “se o Syriza não aceitasse as condições impostas, seria o fim do sistema bancário grego”, não é tampouco automática, e repousa também no domínio da estratégia. Se isso fosse verdade, a campanha pela anulação da dívida grega seria um “desejo sectário” de devastar a economia nacional e o poder de compra dos gregos.

A mobilização pela anulação completa da dívida externa e contra qualquer espécie de austeridade deve vincular-se a outras medidas anticapitalistas como a nacionalização de todos os bancos sob controle dos trabalhadores e a expropriação das grandes empresas que enriquecem com os ajustes. O “resgate” pactuado pelo Syriza é que continua “quebrando” o sistema bancário grego e sangrando seus recursos públicos. Com essa política, aliada à solidariedade internacional dos povos, de que “quebra” falaríamos então?

É preciso ser muito ingênuo para acreditar realmente que a linha conciliadora do Syriza é o melhor combate contra a direita na Grécia. A única forma de combater a direita verdadeiramente é através da auto-organização das massas trabalhadoras, inclusive preparando sua autodefesa. Ou seja, o caminho da mobilização independente para impor, pela força da luta de classes, a anulação da dívida grega é também o único caminho consequente para preparar as massas para os combates decisivos contra a extrema direita na Grécia, a qual seguramente também vai aproveitar esse "ganho de tempo" para se preparar.

Varoufakis disse que “Hoje começamos a ser os coautores das reformas na Grécia”. Esta é uma grande lição de que a estratégia reformista do Syriza de confiar na burguesia para superar a crise não pode dar saída aos problemas mais sentidos da população. Estamos por uma saída operária e socialista à crise. Entretanto, mesmo mantendo as divergências estratégicas, achamos necessário reafirmar o chamado a uma grande campanha em frente-única da esquerda pela anulação da dívida, e manifestamos este chamado também ao MES.

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