Sábado 20 de Abril de 2024

Nacional

JUDICIÁRIO BRASILEIRO DE MÃOS DADAS COM A DITADURA

Lutemos efetivamente pelo direito à memória e à verdade!

08 Jun 2010   |   comentários

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, no último dia 28 de Abril, a argüição de descumprimento de preceito fundamental, proposta pelo Conselho Federal da OAB, que visava questionar a interpretação de que a lei n° 6.683/79 (a Lei da Anistia) também protege os militares e agentes do Estado que torturaram durante a ditadura brasileira. Na contramão das decisões internacionais e de outros Estados, que priorizaram o combate à tortura e o direito à memória e a verdade, a suprema corte brasileira, evidenciando seu conteúdo reacionário, julgou improcedente o referido pedido da OAB e manteve o entendimento de que a Lei da Anistia também garante proteção aos militares que assassinaram e torturaram durante o regime se exceção em nosso país.

O regime militar brasileiro foi responsável pelo assassinato de 400 ativistas, entre estudantes, trabalhadores e artistas. Além de outros milhares de desaparecidos e torturados nos quartéis e delegacias por todo o território nacional. Esses números ainda podem aumentar já que há inúmeros arquivos secretos que poderiam comprovar outros crimes, mas que seguem protegidos pelas forças armadas com a anuência do governo federal, do legislativo e do judiciário. Tal regime de exceção precisa ser compreendido num contexto de ofensiva por parte do empresariado nacional e do capital estrangeiro que se utilizaram das ditaduras militares sanguinárias para barrar o crescente avanço das lutas operárias e populares. Como bem aponta o Juiz do tribunal de Justiça do RJ, João Batista Damasceno:
“Violada a ordem constitucional e democrática em 1964, logo ascendeu ao poder a Linha Dura. Torturas, assassinatos, estupros e desaparecimentos de opositores não foram fatos isolados. Tratava-se de política de Estado e de terrorismo de Estado, com amplo apoio em setores empresariais que lucraram com o fechamento do regime.”[1]

Durante os “anos de chumbo”, entre auges e refluxos, a classe trabalhadora brasileira, junto a importantes setores estudantis, de artistas e segmentos populares travou importantes batalhas contra o regime militar sustentado pela burguesia nacional e apoiado pelos EUA. As mobilizações estudantis, a luta armada contra o regime e as fortes greves de 1968 (em Osasco e Contagem) num primeiro momento e depois as massivas lutas operárias dos metalúrgicos no ABC paulista colocaram em cheque o regime totalitário e ainda indicavam a possibilidade de que a classe operária construísse sob suas ruínas uma verdadeira república fundada na democracia dos conselhos operários. No entanto, a burguesia e os militares souberam se utilizar dos setores reformistas e burocráticos que atuavam dentro da classe trabalhadora (setores que mais tarde viriam a formar a direção do PT e da CUT) e conseguiram avançar num pacto com essa burocracia sindical que permitia redemocratizar o país através de uma débil democracia formal que pudesse conservar os privilégios e riquezas dessa classe dominante. Um Estado Democrático de Direito fictício, com poderes públicos corruptos, um sistema político falido e antidemocrático, um sistema judiciário e um aparato repressivo complacente com os crimes dos ricos e sempre eficiente em criminalizar a pobreza.

A Lei da Anistia deve ser compreendida nesse contexto, pois significava exatamente a manifestação jurídica desse pacto. Ela representa o acordo entre a elite brasileira, os militares e as direções burocráticas e reformistas, que sob as costas do povo brasileiro, fecharam um acordo onde honrados militantes de esquerda, que entregaram sua vida na luta contra a ditadura, são tratados do mesmo modo que militares assassinos e torturadores.

“O seguidismo da esquerda às direções reformistas sindicais, intelectuais e até aos setores “democráticos” da burguesia, tornou-a prisioneira da transição. Uma prova lamentável desta adaptação viu-se na sua palavra de ordem, na época, de “Anistia geral e irrestrita” nos marcos do regime, o que facilitou a política burguesa de salvar suas forças armadas, resultando em que até hoje se mantêm fechados os arquivos da ditadura e nenhum dos militares e torturadores foi castigado”[2]

Se em países como Argentina e Chile o movimento de massas conseguiu levar parte dos torturadores aos bancos dos réus, no Brasil os militares e agentes estatais que torturaram seguem impunes e inclusive gozando de cargos públicos. No Ceará, por exemplo, segundo investigação da jornalista Lúcia Rodrigues, o ex-delegado da Polícia Federal, José Armando da Costa, é atualmente o corregedor dos Órgãos de Segurança Pública do Estado. Ele é acusado de torturar presos políticos durante os anos de chumbo. Entre as atribuições do cargo que exerce atualmente está, por exemplo, a responsabilidade pela fiscalização dos casos de tortura praticados pelos policiais cearenses. A jornalista também relata o caso do capitão Ubirajara, como era conhecido nos porões do regime, que comandou o temido DOI COD em São Paulo, e que em 2003 o governador tucano Geraldo Alckmin o nomeou para a chefia do Departamento de Inteligência da Polícia Civil paulista. Os exemplos não param por aí. Há ainda os casos de políticos biônicos da ditadura que seguem em cargos públicos, como os senadores Sarney (PMDB) e Romeu Tuma, sendo que o primeiro é hoje um dos principais aliados do governo Lula.

O governo petista, tal como as gestões tucanas anteriores, segue sendo complacente com a impunidade dos torturadores. Ainda que mantenha uma pasta (a secretaria especial de direitos humanos) que defenda em teoria a punição dos militares torturadores, Lula e o PT continuam com seu ministro da defesa, Nelson Jobim, a fazer declarações públicas de que é preciso “esquecer” o que aconteceu na ditadura. Além disso, nem mesmo o tímido plano nacional de direitos humanos formulado por alas petistas (que não possuía nenhum efeito normativo) foi tolerado pelo governo, que fez coro com os setores mais reacionários do país para que fosse retirado não só a questão da punição dos torturadores, mas também outros direitos democráticos elementares como a descriminalização do aborto, o casamento e adoção por homossexuais e o combate a criminalização dos movimentos sociais etc. Tal qual na década de 70, quando ainda era sindicalista, Lula e os dirigentes petistas seguem, ainda que algumas vezes sob uma retórica popular, atacando os direitos fundamentais da classe trabalhadora e do povo brasileiro.

Para nós a punição dos militares e agentes estatais que mataram e torturaram durante a ditadura não se trata de simples ato de “revanchismo”. Além do fundamental direito à memória e à verdade às famílias dos mortos e desaparecidos políticos, se trata também de trazer à tona o significado da ditadura militar, mostrando que os seus orquestradores e cúmplices econômicos seguem hoje impunes e lucrando, evidenciar que são os mesmos militares torturadores (Policia e forças armadas) que hoje comandam as operações militares nos morros e periferias do país para assassinar a juventude pobre e negra ou que cometem inúmeras chacinas contra os sem terras. Ou seja, a luta pela abertura de todos os arquivos secretos da ditadura e da punição dos torturadores e seus cúmplices empresariais é um passo fundamental para avançar na superação dessa democracia dos ricos que temos hoje.

As organizações políticas, sindicais e sociais comprometidas com a classe trabalhadora, as agrupações de direitos humanos independentes do governo e por que não dizer os estudantes de direito têm uma responsabilidade muito grande na luta contra a impunidade desses crimes. Porém, nessa esteira é preciso que tenhamos uma estratégia de luta à altura dos desafios. A recente decisão do STF, que como dissemos vai à contramão até mesmo de órgãos internacionais questionáveis como a OEA, já mostrou que a luta por pressão no poder judiciário para que este revise a interpretação da Lei de anistia é um caminho sem perspectivas de sucesso. Por isso é fundamental que comecemos imediatamente campanhas nas universidades, escolas, sindicatos, movimentos sociais e locais de trabalho que questione a própria Lei de Anistia, que representa o pacto com os torturadores, defendendo sua revogação e a criação de comissões independentes para investigar os crimes da ditadura, garantindo a punição dos torturadores, bem como medidas que punam, no âmbito penal e econômico, os empresários que apoiavam os militares genocidas. Esse programa só logrará sucesso se essa luta se tornar massiva e tomar as ruas. Com todo certeza os estudantes estão chamados a contribuir nessa tarefa.

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