Quinta 18 de Abril de 2024

Nacional

DIANTE DA ESCALADA INFLACIONÁRIA DE ALIMENTOS

Luta de classes, anticapitalista e anti-imperialista

24 Apr 2008   |   comentários

No Brasil, diante da inflação, o presidente Lula, com a ajuda de órgãos de imprensa como a Folha de S. Paulo, tem feito malabarismos para esconder a gravidade da situação. Nos primeiros dias de abril, na Holanda, chegou a dizer que esta seria uma “inflação boa” porque o aumento dos preços dos "alimentos é decorrente do fato de que as pessoas estão comendo mais" e bastaria produzir mais alimentos. Contudo, a inflação dos alimentos, que atinge em cheio os salários dos trabalhadores, principalmente os que recebem até dois salários mínimos (R$ 830,00), já passa de 11%.

A popularidade de Lula (principalmente nos setores mais pobres e entre operários de rendas menores) e a estabilidade política se assentam no crescimento económico (bem superior à era FHC), na baixa inflação, aumento do consumo, entrada de setores empobrecidos como consumidores de produtos básicos (motorizado pelos benefícios assistenciais, criação de empregos formais etc.). É justamente essa base de sustentação que ameaça ruir na medida que se aceleram as pressões inflacionárias.

O que “os de cima” temem é que as revoltas que ocorrem em vários países se transformem em aberta luta de classes, luta nacional dos trabalhadores e do povo pobre contra a classe dominante. Afinal, foi a ausência de luta de classes ’ quando muito houve resistência, luta sindical isolada ’ a principal via para implementação dos planos neoliberais em toda a década passada.

A inflação não se deve à falta de alimentos

Apesar do aumento no consumo e da demanda no plano interno e externo, a produção de grãos no Brasil é cada vez maior. Não é a falta de alimentos o que incrementa os preços atuais e gera inflação. A safra de grãos do Brasil há anos supera recordes em volume e produtividade. Em 1987/1988 a safra foi de 66,31 milhões de toneladas, com produtividade de 1.549 kg por hectare (ha). A previsão para a safra de 2007/2008 é de aproximadamente 140,77 milhões de toneladas, um aumento de 112%. E isso com apenas 9% na expansão da área plantada, o que explica o salto de 94% nos índices de produtividade (3.014 kg/ha).

Essa produção recorde está destinada à exportação, para aproveitar os preços elevados pela demanda mundial, o que encarece os preços internos dos alimentos, ao mesmo tempo em que cumpre o objetivo de garantir superávits comerciais ’ saldo positivo entre exportação e importação ’ para o Tesouro nacional fechar suas contas, isto é, manter reservas em dólares que vão diretamente para as mãos dos capitalistas, via juros das dívidas interna e externa e demais pagamentos.

Para a produção de biocombustíveis, diversos produtos agrícolas (milho, trigo etc.) passaram a ser utilizados. [1] No Brasil, o governo e a imprensa tentam demonstrar que o biocombustível nacional nada tem a ver com o aumento dos preços dos alimentos, por utilizar a cana-de-açúcar e não as commodities. Isso é falso, já que a destinação da cana como fonte de energia eleva os preços do açúcar. Além do mais, o óleo de soja está sendo utilizado em 80% da produção de biodiesel, encarecendo esse produto básico de consumo popular.

A tendência é de elevação dos preços: “Os preços dos alimentos vão continuar este ano tão altos ou até um pouco mais altos que no ano passado. Alguns desses produtos são commodities, ou seja, têm cotação e negociação internacionais, mas mesmo no caso do arroz, em que só 7% do consumo mundial são comercializados, houve um salto no preço nas últimas semanas. Quem exporta, como o Vietnã, está simplesmente proibindo a exportação do produto.” [2]

Causas estruturais do capitalismo “globalizado” estão por trás da crise inflacionária

A dependência externa e a submissão aos monopólios nacionais e imperialistas se tornaram elementos estruturais da economia nacional. Se por um lado o país foi capaz de sustentar a relativa estabilidade económica e o crescimento dos últimos três anos nos altos preços das commodities exportadas que se somaram à expansão do crédito e dos investimentos internacionais que reativaram o mercado interno em 2007, ganhando com a “inserção internacional” e os fatores positivos do crescimento mundial, de outro lado houve um alto custo: os laços de dependência externa se aprofundaram a tal ponto que os preços internos não se definem pela quantidade de produção nem pelo aumento da produtividade nem pela demanda. As decisões de política agrícola e económica estão nas mãos dos grandes monopólios que controlam o mercado mundial. O governo é cada vez mais um “comitê executivo” dos capitalistas.

Por exemplo, a concentração monopólica na produção de fertilizantes tem elevado os custos de produção, definidos pelo “mercado externo” . A concentração monopólica atinge toda a cadeia produtiva. “Hoje um pequeno grupo, em torno de 20 oligopólios, domina a agroindustrialização e a comercialização dos alimentos no mundo, através da produção e distribuição das sementes e dos insumos, de grandes cadeias de supermercados, que hoje concentram 75% da venda de alimentos nos centros urbanos.” [3]

Outra grande mazela é a concentração de terras, que tem aumentado nos últimos anos em toda a América Latina. Até mesmo o representante da FAO (Organização da ONU para Agricultura e Alimentação), José Graziano da Silva, afirma que “há evidência suficiente para mostrar que na última década houve um processo, sim, de redução da agricultura familiar, sobretudo aqueles produtores medianos, e um aumento dos grandes produtores. Isso se deve muito ao aumento da escala de produção. Com a mecanização, é possível você trabalhar uma área muito maior". E, mais grave, as terras estão passando para as mãos de estrangeiros, tal qual o mercado de fertilizantes e outros. "Em vários países da região nós temos detectado esse fenómeno que vem sendo chamado de ’estrangeirização da terra’", explica Graziano. "É difícil resumir em poucas palavras o impacto da concentração fundiária, mas, em uma região como a América Latina, que é marcada por profundas desigualdades, tudo que é concentração joga a favor de uma piora da distribuição da renda.” [4] Essa concentração de terras levará a mais expulsão dos lavradores das terras que cultivam e aumento do desemprego.

Um exemplo escandaloso: o grupo CR Almeida reivindica a posse do maior latifúndio do mundo ’ 4,5 milhões de hectares em Terra do Meio (Pará). Uma área maior que o estado do Rio de Janeiro, que tem 4,3 milhões de hectares.Enquanto isso, quase 5 milhões de famílias não têm terra para trabalhar nem emprego. [5]

Essas condições estruturais tendem a acelerar a crise da agricultura e do conjunto da economia nacional. Sem cortar o mal pela raiz, enfrentando o problema em sua totalidade, isto é, preparando uma luta anticapitalista e antiimperialista contra o monopólio privado das grandes extensões de terras, as grandes indústrias e agroindústrias, os monopólios exportadores, nacionais e estrangeiros, qualquer solução será paliativa, empurrando a catástrofe social para adiante, porém acumulando mais contradições.

Mais de 90% da produção de sementes de milho concentra-se nas “quatro grandes” transnacionais *

Dupont/Pioneer (EUA) 33%

Monsanto (EUA) 30%

Dow Agrosciences (EUA) 18%

Syngenta (Suíça) 10%

* Números aproximados, visto que essas empresas estão envolvidas em aquisições de outras, o que pode alterar os dados em breve.

Uma única empresa controla a produção de fertilizantes

Os maiores consumidores de fertilizantes são justamente as principais lavouras ’ soja (33%); milho (17%); cana-de-açúcar (15%); café (8%); e algodão herbáceo (5%) ’, respondendo por 78% do consumo nacional. Até 1992 a Petrobrás controlava o mercado de fertilizantes através da Fosfertil. Com a privatização desta empresa, a produção ficou concentrada no oligopólio Bunge-Fosfertil, que comprou as empresas de médio e grande porte existentes, tendo como sócios a Yara (13,76%) e a Mosaic (23,98%). Hoje a Bunge controla 98% da produção de ácido fosfórico, 94% do superfosfato triplo, 88% da demanda de cloreto de potássio, 87,2% da demanda de sulfato de amónia, 76% da produção de rocha fosfáltica, e 69% da produção de ácido sulfúrico. Em outras palavras, detém o controle absoluto do mercado de fertilizantes do país, o que lhe permite definir preços e obter lucros exorbitantes às custas da elevação dos preços dos insumos essenciais para a produção agrícola. [6]

Com o aumento da demanda de fertilizantes no mundo, principalmente na China, essa empresa abastece o mercado exportando o fertilizante produzido aqui, com baixo custo (força de trabalho, insumos etc.), o que obriga o Brasil a recorrer à importação ’ das unidades do mesmo grupo no exterior ’ de 74% dos fertilizantes que usa. [7]

O que são commodities

Plural de commodity, palavra inglesa que significa mercadoria. No mercado financeiro é utilizada para indicar um tipo de produto, geralmente agrícola ou mineral, de grande importância económica internacional porque é amplamente negociado entre importadores e exportadores. Alguns exemplos de commodities: café, algodão, soja, milho, cobre, petróleo, etc. No Brasil as commodities são negociadas na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros).

Nesses negócios a mercadoria não necessariamente precisa existir fisicamente ’ ter sido produzida ’, pois os contratos se referem à entrega futura de mercadorias. Quem recorre a esses mercados normalmente tem como objetivo proteger-se de flutuações nos preços dos produtos ou mercadorias. As commodities são uma forma de investimento, na qual cerca de 90% dos negócios têm finalidade especulativa [8].

Grandes indústrias também recorrem às transações com commodities para proteger-se das oscilações de preços e garantir os custos de produção. Por exemplo, uma empresa como a Nestlé tem o Cacau como matéria-prima básica para a produção de chocolates. Antes, comprava diretamente dos produtores. Agora, vai ao mercado de futuros ’ commodities ’ comprando contratos a um preço acertado previamente para utilizar “no futuro” . Isso lhe permite planejar a produção e prever os lucros futuros, já que um dos principais custos fixos ’ a matéria prima ’ está garantida e a preços definidos. Se por alguma oscilação internacional o Cacau tiver seus preços elevados a Nestlé estará protegida porque o contrato será pago pelo preço definido anteriormente. Mas a empresa, para se aproveitar da elevação dos preços internacionais do Cacau, mesmo sem ter seus custos aumentados (não houve “inflação de custos” ) correrá a aumentar os preços do chocolate para o consumidor, auferindo um lucro ainda maior do que o previsto, às custas de inflacionar a economia e obrigar os assalariados e o povo pobre a pagar mais caro para consumir.

[1A produção de biocombustíveis, ainda que seja uma fonte de energia menos poluente, agravará a inflação de preços pela utilização de grãos. Atualmente, o biodiesel representa 57% do total dos combustíveis utilizados em transporte no Brasil. De acordo com a Lei nº 11.097/2005, a partir de 1º de janeiro deste ano tornou-se obrigatório adicionar 2% de biodiesel ao óleo diesel comercializado em todo o território nacional. Para isso a produção será de cerca de 1 bilhão de litros de biodiesel. Porém, a capacidade produtiva instalada permite 2,9 bilhões de litros. Essa defasagem entre demanda e oferta tem reduzido os preços do biodiesel, levando os empresários do setor a exigirem a alteração da lei para impor o uso obrigatório de 3% no diesel, ampliando artificialmente a demanda do produto para fazer frente à queda da taxa de lucro, e em 2013 se prevê 5%. Além disso, a expansão de novas fronteira agrícolas para a produção de biodiesel diminuirá a área plantada de alimentos priorizando o cultivo de oleaginosas como mamona, gerando desemprego no campo, como afirma o ecologista e economista Luiz Prado, que foi secretário do Meio Ambiente do Espírito Santo e presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro: “Será mais uma cadeia produtiva a gerar concentração de renda, propriedade e êxodo rural” [http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=791].

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