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TEORIA E PARTIDO

Lênin e o jornal como “organizador coletivo”

25 Apr 2008   |   comentários

Em 1899, Lênin se coloca a batalha para unificar os vários círculos social-democratas locais que no período precedente se desenvolveram com uma enorme força por toda a Rússia. Eram círculos que surgiram em base ao trabalho com boletins e panfletos e que desenvolveram seus próprios jornais locais. A batalha que Lênin travava tinha como eixo político lutar por um partido nacionalmente centralizado como condição indispensável para a construção de uma organização que tinha como objetivo a tomada do poder pelo proletariado, para o qual o jornal como órgão central tinha um papel insubstituível. Esta batalha se dava no marco de uma luta implacável contra as tendências sindicalistas e reformistas que se expressavam em vários círculos social-democratas (os setores chamados “economicistas” e os “marxistas legais” ), que expressavam as idéias de Bernstein em território russo, e que constituíam enormes pressões para que o proletariado restringisse sua atividade à combinação entre sindicalismo economicista e seguidismo político à burguesia liberal.

Lênin colocava que o jornal era indispensável para combater as pressões sindicalistas que surgiam da atividade dos círculos locais e para combater o que chamava de “métodos artesanais” , incompatíveis com uma verdadeira estratégia de tomada do poder. Para Lênin, depende da conquista de um jornal que centralize a atividade partidária e seja um organizador coletivo, o avanço na disciplina e na profissionalização necessárias para uma ação verdadeiramente revolucionária, ou seja, uma prática que realmente prepare a luta pelo poder.

Em suas palavras, no segundo semestre de 1899: “Pensamos que a tarefa mais urgente na atualidade consiste em empreender a solução destes problemas e que para isso devemos assinalar como objetivo imediato à organização de um órgão do partido que apareça regularmente e esteja vinculado estreitamente a todos os grupos locais. Cremos que toda a atividade dos social-democratas deve estar orientada, no futuro imediato, a conseguir este objetivo. Sem este órgão de imprensa, o trabalho local seguirá sendo um trabalho “artesanal” estreito. A formação do partido ’ se não se organiza um jornal determinado, que represente acertadamente a este partido ’ se reduzirá em grau considerável a simples palavras. A luta económica, se não está unida por um órgão de imprensa central, não pode converter-se em luta de classe de todo o proletariado russo. É impossível sustentar a luta política sem que o partido inteiro expresse sua opinião acerca de todas as questões políticas e dirija as diversas manifestações da luta. A organização das forças revolucionárias, sua disciplina e o desenvolvimento da técnica revolucionária são impossíveis sem discutir coletivamente determinadas formas e normas de direção do trabalho e sem conectar ’ através do órgão central ’ a responsabilidade de cada membro do partido frente a todo o partido. (...) Assinalar a necessidade de conectar todas as forças do partido ’ todos os escritores, todos os dotes organizativos, todos os recursos materiais etc. ’ para fundar e organizar devidamente o órgão de imprensa de todo o partido, não pensamos no mais mínimo em relegar a um segundo plano os demais aspectos da atividade, como por exemplo à agitação local, as manifestações, o boicote, a luta contra os espiões e contra alguns representantes da burguesia e do governo, as greves demonstrativas etc. Pelo contrário, estamos convencidos de que todos estes aspectos da atividade constituem a base do trabalho do partido. Mas todas essas formas da luta revolucionária, se não se unificam em um órgão de todo o partido, perdem nove décimas partes de sua importância, não contribuem para criar a experiência comum do partido, a criar suas tradições e sua continuidade. O órgão de imprensa do partido, longe de competir com essa atividade, exercerá, pelo contrário, uma influência imensa sobre sua difusão, afiançamento e transformação em sistema.” [1] [todos os grifos são de Lênin]

Estas batalhas de Lênin em 1899 deram origem ao jornal Iskra (“A Faísca” ou “A Centelha” , 1900-1903), prévio ao surgimento da fração bolchevique. [2] Este jornal surge como proposta dos jovens dirigentes Lênin (que neste então tinha 30 anos), Martov (quem será depois o dirigente da fração menchevique) e Potresov, ao grupo dos fundadores do marxismo russo: Emancipação do Trabalho (Plejanov, Vera Zazulich e Axelrod). O objetivo central era fundar um jornal para toda a Rússia, que se editasse no estrangeiro (se editou em Munich) e se distribuísse na Rússia [3]. Neste então, os socialistas de conjunto eram minoritários na classe operária russa (recordemos que na Alemanha e vários países do Leste e Centro da Europa os Partidos Socialistas da Segunda Internacional tinham peso de massas, sendo direção da classe operária). Além disso, dentre os socialistas, as tendências revolucionárias estavam dispersas, sem publicação própria, sendo minoritárias.

No livro “Que Fazer?” (escrito em 1902), o “jornal político para toda a Rússia” é o instrumento central para formar os militantes social-democratas como “tribunos do povo” (ou seja, não só como dirigentes sindicais, senão também como dirigentes operários socialistas que tomem todas as expressões de opressão e exploração do conjunto do povo para mostrar a necessidade da luta política revolucionária) e desenvolver “revolucionários profissionais” (que nesse momento concreto significavam militantes profissionalizados ’ cujo pagamento era muito irregular, mas era indispensável para se poder evadir das prisões sistemáticas e massivas da polícia ’ que pudessem viajar de cidade em cidade, organizando a fração “iskrista” [4]). Este trabalho permite aos iskristas ter a maioria no II Congresso do Partido Operário Social-democrata Russo (meados de 1903). Mas é neste Congresso que se romperá a equipe de redação original do Iskra, surgindo a fração bolchevique (que significa majoritária) e menchevique (minoritária).

Em momentos distintos, de acordo com as distintas condições objetivas e os distintos estágios de construção do partido, Lênin também organizou jornais que cumpriam um papel diferente ao Iskra, ainda que sempre cumpriam o papel de organizador coletivo e centralizador da atividade do partido. Em situações de ascenso revolucionário, foram publicados diários operários legais para influenciar e organizar a amplos setores de massas da classe operária.

Na Revolução de 1905, em fins deste ano, Lênin organizou, junto com Gorki e o poeta Minsky, o diário Novaya Zhizn (Nova Vida), chegando a editar 80 mil exemplares; enquanto Trotsky e Parvus editaram nesse mesmo ano o diário Nachalo (O Início), com tiragem muito maior (chega a 500 mil exemplares em dezembro, momento culminante da revolução).

No auge revolucionário de 1911-1914, os bolcheviques levam adiante a empresa grandiosa de editar o diário Pravda (A Verdade), editado de abril-maio de 1912 até o começo de Primeira Guerra Mundial (agosto de 1914), com tiragem entre 23 e 42 mil diários [5]. Através do Pravda se publicam milhares de informes escritos por operários desde as fábricas [6], coloca-se a linha política e os debates ideológicos (freqüentemente escritos pelo próprio Lênin) e se organiza uma amplíssima rede de correspondentes, de grupos de trabalhadores que organizam coletas para manter o jornal [7] junto com milhares de assinantes [8]. A magnitude desta empresa estava relacionada com o grande desenvolvimento do bolchevismo durante a Revolução de 1905 e os dois anos seguintes de impetuoso desenvolvimento das correntes socialistas no movimento operário russo, dentro das quais a fração de Lênin era a mais forte e dinâmica. Logo após anos de dura reação (1907-1910), o ascenso revolucionário que se inicia em 1911 transformou os bolcheviques em direção do movimento operário.

O começo da Primeira Guerra Mundial, que voltou a impor condições de ilegalidade [9] e transformou a composição da classe operária (ao irem muitos operários ao front de guerra, junto com milhões de camponeses, e integrarem-se novos setores sem experiência nas fábricas), fez com que, no ascenso da Revolução de Fevereiro de 1917, os mencheviques e socialistas revolucionários fossem majoritários nos soviets. Mas os bolcheviques contavam com a direção e os quadros educados nas experiências prévias, e a influência ganha nos setores mais avançados da classe operária, que lhes permitirão transformar-se no partido dirigente da Revolução de Outubro. Para isso, os distintos tipos de jornais que haviam impulsionado cumpriram um papel chave, não só para expressar as batalhas políticas e ideológicas, senão como organizadores partidários.

[1Lênin, “Nossa tarefa imediata” , escrito no segundo semestre de 1899, publicado pela “Recompilação Leninista III” , em 1925, T. 4, págs. 187-192. Extraído de “Lenin - acerca de la prensa” , Editorial Progreso, 1980.

[2Os dados a seguir estão extraídos de “Bolchevismo, o caminho da revolução” , de Alan Woods, e “História do Partido Bolchevique” de G. Zinoviev.

[3Se enviavam cópias clandestinamente, da quais muitas eram seqüestradas pela polícia (Krupskai, a companheira de Lênin, que cumpria um grande papel na organização das correspondências e envios do jornal, calculou que chegava ao destino 1/10 do que se imprimia) e também se reimprimia em imprensas clandestinas em Moscou, Odessa e Bakú.

[4Segundo Zinoviev, chegaram a existir entre 100 e 150 destes militantes.

[5Em 1914 chega a editar 40.000 diários enquanto o dos mencheviques edita 16.000.

[6Segundo A Woods, no primeiro ano recebem 5.000 cartas com informes, e, segundo P. Broué, publicam uma média de 41 denúncias operárias por número.

[7Em 1912 havia 620 grupos; em 1913, 2181.

[8Em 1913 havia 5.500 subscritores; em abril de 1914, 8.858; e em junho deste ano, 11.534, distribuídos em 944 zonas.

[9Pravda voltará a aparecer em fevereiro de 1917, enquanto Trotsky publicará no começo da guerra o diário Nashe Slovo (Nossa Palavra) em Paris junto a Monatte e Rosmer, que será logo proibido.

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