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Jirau e os conflitos do PAC

29 Apr 2011   |   comentários

Jirau e os conflitos do PAC

No último mês, o Brasil-potência, tão belo e justo como tentam nos vender, teve sua imagem um pouco modificada. Mãos calejadas resolveram deixar claro o que são suas vidas e a realidade desse país.

Após a imagem do fogo dos ônibus, escritórios e dos alojamentos em Jirau, aparecia entre a fumaça as verdadeiras causa do incêndio: trabalhadores com jornadas das 7 as 22 horas, ficando até 5 meses sem ver a família; malária, dengue, mortes eram coisas normais em um ambiente sem assistência médica, cuja única opção era a compra de remédios superfaturados em comércios da própria empresa; alojamentos insalubres; refeitórios em céu aberto que alagavam e que os trabalhadores perdiam mais tempo na fila do que comendo; falta de pagamento; polícia e capangas, com ex-militares coordenando a vigilância; espancamentos; a terceirização da terceirização através de “gatas” [1] . Não se trata de uma descrição sobre a abertura da ferrovia Madeira-Mamoré a 100 anos atrás. Isso é Rondônia em pleno 2011 no Brasil de Dilma, mas é também um retrato da vida real de centenas de milhares de trecheiros [2] espalhados em canteiros pelos quatros cantos desse país.

Os lucros exorbitantes de PAC e o desenvolvimento capitalista

Hidrelétricas, termoelétricas, refinarias, portos e o Minha Casa Minha Vida, junto com a estrutura de uma Copa e uma Olimpíada, tem deixado com sorrisos largos as grandes construtoras do país. É que empresas como Camargo e Correa, Odebrechet, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, LLX(Eike Batista), OAS lucraram como nunca nos últimos anos com a superexploração do trabalho e com os bilionários financiamentos do BNDES. Só em 2010 foram 1,247 bilhões de reais, além de todos os favorecimentos, doações de terrenos e troca de interesses. Não a toa, foram as principais financiadoras da campanha de Dilma, assim como de todos os seus aliados estaduais e municipais.

Longe de trazer melhoras nas condições de vida da população brasileira, o que temos visto são desalojamentos, desocupações e ameaças para milhares de famílias pobres que ocupam áreas aonde serão construídas as obras , , assim como ribeirinhos, agricultores e indígenas nas construções na região amazônica. Enquanto a população da região serrana do RJ continua vivendo em abrigos provisórios, bilhões são dados aos grandes monopólios pelo governo federal. Nas obras, das “empresas mais modernas da América Latina”, permanece o atraso de condições degradantes de trabalho que nos remontam ao século passado. Na mesma medida, se mantém a destruição e devastação de regiões fundamentais para a biodiversidade do planeta [3] .

Um batalhão que se levanta

Estima-se que até a Copa serão cerca de 1 milhão de operários envolvidos na construção civil no Brasil . Esses novos batalhões da classe operária, são peões de diversas origens, ex-assentados, pobres urbanos, ex-cortadores de cana, em sua maioria da região norte e nordeste. Obrigados a ficarem meses sem visitar suas famílias, muitas vezes são contratados por intermediárias das empresas terceirizadas. Sem estabilidade, com péssimas condições de trabalho e altos índices de morte(foram mais de 40 mortes relatadas desde 2008 nas obras do PAC, o dobro da média do país) [4] , submetidos a exaustão com jornadas que ultrapassam as 44 horas semanais são a clara expressão de que a criação dos empregos que o petismo tanto se orgulha, é marcada por instabilidade e super-exploração. O governo e os patrões não respeitam nem suas próprias leis, infringindo uma série de direitos trabalhistas. O crescimento “chinês” da construção civil é baseado em condições de trabalho nas grandes obras que nos lembram o “milagre econômico” dos tempos da ditadura.

É contra essa humilhante situação, que os trabalhadores terceirizados e temporários, metade de nossa classe trabalhadora, começam a se levantar. Nas obras do PAC, as terceirizadas da USP, os operários da construção civil em Fortaleza, são setores que começam a se movimentar contra as péssimas condições. Assim como em movimentações em anos anteriores, como a dos operários da Revap(São José dos Campos) como nas obras do PAN, faz falta uma organização operária nacional disposta a levar até o final essas lutas, partindo das demandas imediatas para construir um movimento nacional pela efetivação de todos terceirizados.

E os sindicatos?

Tem sido clara a relação frouxa e distante dos sindicatos com os operários dessas obras pela espontaneidade dos conflitos. Longe de querer realmente se enfrentarem contra as péssimas condições de trabalho, o que os sindicatos buscam é o término rápido das obras e estabilidade. As condições de trabalho insuportáveis que se acumulam não puderam ser contidas pela burocracia e por Dilma. Talvez estejamos diante da primeira situação em que o “Brasil sem Lula”, comece a se expressar, em que Dilma mostra não ter a mesma habilidade política e capacidade de contenção que seu antecessor.

É que os sindicatos, controlados e dominados pela burocracia governista, Força Sindical e CUT(CTB, Nova Central, entre outras), estão ao lado dos patrões e do governo, afinal as construtoras são aliadas fundamentais de Dilma. Nadando em rios de dinheiro, as condições de vida desses burocratas passa longe da vida dos operários. São braços fundamentais do governo para implementar as obras das grandes construtoras no ritmo e custo previsto, que somente pode se dar com suor e sangue operário, contendo qualquer organização incipiente dos trabalhadores. Para isso, governos e empresas injetam milhões de reais nessas centrais pelegas. Apesar da suposta convivência pacifica entre elas, o interesse na contribuição sindical e confederativa de uma categoria que cresce exponencialmente, leva a enfrentamentos e conflitos entre as duas principais centrais governistas para ver quem tomará conta dessa fortuna.

Longe de lutar contra a terceirização e pela efetivação de todos os temporários, única forma de se garantir trabalho digno e estável ao conjunto dos trabalhadores brasileiros, a proposta da CUT é de regulamentar a terceirização, contratando os operários para uma obra pública, realizada por uma empresa privada, através do SINE(Sistema Nacional de Empregos). Essa absurda proposta naturaliza a privatização de obras públicas e a terceirização, levada adiante pelas grandes construtoras que lucram bilhões com o dinheiro público. É lastimável que o PSTU, que dirige o Sindicato da Construção de Belém(PA) e Fortaleza(CE), que poderia ser uma referência a vanguarda operária que começa a se forjar nesse conflito, em meio ao inicio da importante greve dos operários da construção de Fortaleza, se adapte e defenda a mesma proposta [5]. Além de sua também vergonhosa participação na comissão tripartite, já discutida no editorial, que serve para “lavar a cara” do governo, os companheiros que são direção majoritária da CSP-CONLUTAS forjam sua intervenção a reboque da CUT, adaptando-se a uma consciência política que naturaliza a exploração imposta pelo neoliberalismo. Ao não defenderem em seu programa a incorporação dos terceirizados, bandeira fundamental para unir todas as fileiras da classe, o PSTU acaba se adaptando cada dia mais a miséria do possível, agora naturalizando a terceirização e defendendo a contratação de novas empresas para gerenciar as obras [6]. Deixam para os dias de festa e para as propagandas presidenciais bandeiras fundamentais para a conscientização dos trabalhadores nesse momento, como a estatização dos monopólios e planos de obras públicas geridos pelos trabalhadores.

É preciso acabar com a terceirização e com a burocracia em cada canteiro do país

Nos canteiros do PAC por todo o país, a peãozada mostrou a força que possui. Com métodos radicalizados, greves, piquetes e ação direta, levantaram a cabeça para começar a lutar. Algumas conquistas foram arrancadas em alguns canteiros, como em SUAPE, e a burocracia, o governo e os patrões se movimentam rapidamente para que esse processo não se aprofunde. É fundamental por de pé uma campanha nacional contra a milhares de demissões em Jirau que Dilma, o sindicato e Camargo Correa preparam.

É preciso acabar com a terceirização em cada canteiro desse país. Não podemos mais aceitar que empresas como Camargo e Correa, cúmplice da ditadura, envolvida em grandes esquemas de corrupção eleitoral, mantenedora de trabalho escravo, siga explorando e matando os trabalhadores, acabando com o nosso país. O BNDES já transferiu bilhões para essa empresa e para tantos monopólios, e continuam relegando os trabalhadores a condições semi-escravas, não se pode mais aceitar isso. Para avançar, é necessário que os trabalhadores avancem em suas comissões por local de trabalho para se enfrentar com a burocracia, nada se pode esperar do governo Dilma e das direções atuais dos sindicatos, que são grandes parceiros das empreiteiras. Somente organizados de maneira independente poderá se levar adiante uma grande campanha pelo fim da terceirização em cada canteiro do país e pela estatização sob controle dos trabalhadores dos monopólios da construção civil, saída fundamental para acabar com essa situação.


Camargo Correa e Andrade Gutierrez: ontem com os generais, hoje com Dilma

Camargo e Correa e Andrade Gutierrez foram grupos que financiaram o golpe e sustentaram a ditadura militar brasileira junto a grupos como Ultragás, Rede Globo, Pão de Açucar. Cúmplices e mandantes dos assassinatos e torturas da ditadura, hoje são os grandes aliados de Dilma. Doaram 13 milhões para sua campanha e receberam 490 milhões do governo federal em 2010. Essas empresas não podem seguir superexplorando os trabalhadores: estatização sob controle dos trabalhadores dos monopólios da construção. Punição aos empresários envolvidos com os crimes da ditadura militar!

[1“Gatas” são as empresas contratadas pelas grandes construtoras que ganham as licitações das obras para aliciar e contratar os operários da construção. Sem vínculo empregatício direto e legal com as construtoras e com o governo federal, isso permite que explorem e retirem ainda mais direitos desses trabalhadores. É a terceirização da terceirização.

[2Nome dado aos operários da construção civil que sobrevivem viajando e trabalhando de obra em obra por todo o país.

[3As usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio são verdadeiros crimes ambientais, já que destruirão o rio Madeira e toda a biodiversidade que se constitui a partir de sua existência atual. Estudos comprovam que a atualização e manutenção de nossa rede de transmissão de energia, seria o suficiente para garantir as metas previstas, já que cerca de 30% são perdidos em fiações antigas. Para além de todo o necessário debate sobre a irracionalidade do consumo capitalista, essas obras não se sustentam nem dentro de sua própria lógica de produtividade e consumo. Belo Monte, hidrelétrica que será construída no curso do Xingu, ficará durante boa parte do ano(entre 6 e 8 meses) com a maioria das turbinas ociosas, já que o rio amazônico tem uma variação de vazão bem grande, quase não produzindo energia durante esse período. Um verdadeiro elefante branco que trará um impacto ambiental incalculável. Impacto esse que a bancada do PT e do PCdoB, junto com a direita histórica desse país, preferem chamar de desenvolvimento. Belo Monte é um remake modificado de Kararaô, projeto anterior apresentado durante a década de 70 barrada pelos Kaiapó e ambientalistas em 89.

[5Propostas da CSP Conlutas apresentadas na reunião com Dilma. Contratação dos empregados: a- Toda contração dos empregados, nas obras de construção civil e pesada, onde houver investimento financeiro por parte do Estado, BNDES, CEF, FAT, FGTS, BB e qualquer instituição financeira estatal (Federal, Estadual ou Municipal), serão efetivadas via SINE e de maneira direta pela empresa contratante da concessão não sendo permitida subcontratação ou terceirização desses empregados. Disponível em http://cspconlutas.org.br.(...)

[6b- Neste caso serão garantidos os empregos de todos os trabalhadores lotados naquela obra, sua imediata absorção pela nova empresa executora ou diretamente pela esfera estatal responsável pela execução da mesma.

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