Sexta 19 de Abril de 2024

Internacional

Iraque: uma trégua que não tira os EUA do atoleiro

10 Sep 2004   |   comentários

Durante o mês de agosto a situação no Iraque trouxe à tona as enormes contradições da ocupação do imperialismo norte-americano, e sua debilidade em pacificar a região. O exército Mehdi, composto majoritariamente por xiitas fiéis ao clérigo Moqtada Al Sadr foram protagonistas de alguns dos mais duros combates contra a ocupação. Durante três semanas o exército Mehdi transformou a cidade de Najaf no palco de uma rebelião armada, que levou o governo fantoche do imperialismo e sem nenhuma legitimidade de Iyad Allawi a um impasse que difícil de ser resolvido. Centenas de pessoas foram mortas, dentre combatentes do exército Mehdi, civis e soldados das tropas de ocupação, enquanto as tropas da coalizão tentavam desarticular o exército Mehdi, que se abrigou na mesquita de Iman Ali, a mais sagrada do Iraque para os xiitas. Tratou-se indubitavelmente do primeiro grande teste para o governo de Allawi, instituído pelo imperialismo norte-americano, e o maior desafio para a própria ocupação desde o levantamento de abril deste ano, em que pela primeira vez convergiram xiitas e sunitas.

Esse levantamento da resistência iraquiana teve como motor o sentimento de repúdio presente em setores cada vez mais amplos dos xiitas em relação à ocupação imperialista dos EUA e seus aliados, e a falta de legitimidade do governo iraquiano instaurado em 28 de junho. A crise que se instaurou em Najaf, e se expandiu para outras cidades do sul do Iraque como Basra, mostrou suas enormes proporções na medida em que durante as três semanas de conflito, frente a cada ultimato dado por Allawi e as tropas da coalização liderada pelos EUA, um setor significativo do exército Mehdi respondia estar disposto a morrer lutando e a permanecer na mesquita de Iman Ali.

O próprio presidente dos EUA, George W. Bush foi obrigado durante as semanas em que o conflito se desenvolveu, a mudar taticamente o seu discurso. Se anteriormente Bush e os falcões de Washington diziam que a resistência se resumia a apoiadores do partido Baath de Saddam Hussein, com os enfrentamentos em Najaf foi obrigado a admitir "erros" do exército de ocupação e de seus planos no Iraque. Em meio ao conflito no Iraque, Bush afirmou que "havia avaliado mal as condições do pós-guerra", e chegou a afirmar que tinha "dúvidas com relação à capacidade dos EUA em vencer a guerra contra o terror" . Em entrevista publicada pela revista americana "Times" poucos dias antes da Convenção do Partido Republicano que oficializou a sua candidatura para as eleições presidenciais dos EUA, Bush afirmou que "a vitória rápida das forças americanas sobre o exército de Saddam Hussein foi um êxito catastrófico que deixou as forças da coalizão desamparadas diante das revoltas que aconteceram em seguida".

No entanto, este levantamento que poderia ter abalado seriamente os planos imperialistas das aves de rapina de Washington e seus aliados, foi desviado graças ao acordo firmado entre Moqtada Al Sadr e o clérigo muçulmano Ali Al Sistani.

O pacto firmado por Moqtada Al Sadr dá uma vantagem tática às tropas de ocupação, mas não resolve as contradições de fundo

Diferentemente dos conflitos ocorridos em abril deste ano em que xiitas e sunitas estiveram unificados, os enfrentamentos de agosto tiveram como eixo as forças xiitas leais a Moqtada Al Sadr, clérigo xiita menor que já havia se tornado referência para setores das massas xiitas iraquianas que se colocavam contra a ocupação desde o levante anterior, graças ao seu discurso mais aberto contra as tropas da coalizão.

No entanto, Al Sadr mostrou quais são os seus reais interesses. Ao pactuar a saída da mesquita Iman Ali com Ali Al Sistani, clérigo máximo na escala hierárquica xiita iraquiana e colaborador do imperialismo que voltou ao Iraque para cumprir um papel de “mediador” do conflito, bem como se comprometer a participar pacificamente no "processo político" do Iraque, provou que não tem intenção alguma de fazer com que a resistência xiita tenha uma transformação de qualidade, e assuma características de uma guerra de libertação nacional. Pelo contrário, o que deseja Al Sadr é justamente cumprir um papel político mais destacado no regime de domínio que os braços da política dos EUA no Iraque buscam forjar, fortalecendo os setores mais moderados dos xiitas. Baseados em sua grande presença numérica entre a população iraquiana, estas lideranças xiitas acreditam que vão conseguir se alçar ao poder político e definir os rumos do Iraque a partir das eleições, previstas para janeiro de 2005. Isso traz contradições para o próprio Al Sadr, pois ao pactuar com os ocupantes, e frente às enormes dificuldades em responder por esta via às demandas dos xiitas, pode acabar sofrendo desgastes que debilitem seu papel de líder deste setor, a exemplo da negativa de um número considerável dos xiitas integrantes do exército Mehdi em cumprir a sua orientação de depor as armas.

Soma-se a isso o fato de que reina entre os xiitas a descrença de que o governo interino e os norte-americanos possam conduzir a uma eleição que expresse a vontade política da população iraquiana. Nesse sentido, se o governo interino realizar algum tipo de manobra, abre-se espaço para que o exército Mehdi, que não está desarmado a despeito da solicitação de Al Sadr para que o fizesse, torne a se levantar em uma ação de proporções ainda maiores. Da mesma maneira, a própria aceitação de Al Sadr em participar do processo eleitoral, e a possibilidade de uma vitória dos xiitas traria novas contradições já que Washington teme que isso pudesse se reverter em pressão para que as tropas da coalizão abandonassem o país.

O trégua pactuada para amenizar conflito entre os xiitas insurgentes que ocupavam a mesquita de Iman Ali e as forças de ocupação trouxe como conseqüência uma vantagem tática relativa para o governo interino e o imperialismo. Essa vantagem tática se reverteu em uma maior ofensiva militar por parte das tropas de ocupação, que realizaram um ataque aéreo à cidade de Fallujah, cidade que é o bastião da resistência sunita. Por outro lado, Bush durante a Convenção do Partido Republicano reforçou o discurso de “guerra ao terror” , e voltou a reivindicar a atuação do exército norte-americano no Iraque, retrocedendo das declarações mais moderadas dadas dias antes.

Porém, o sentimento de repúdio com relação à ocupação cresce a cada dia. Em pesquisa realizada pelo instituto americano “The Brookings Institution” , divulgada em agosto deste ano, cerca de 81% dos iraquianos entrevistados, entre sunitas e xiitas, declararam que as forças de ocupação devem deixar o país imediatamente, e que os levantes de Najaf tornaram o Iraque mais unificado. Na mesma pesquisa, 77% dos iraquianos revelaram também que uma de suas principais aspirações com relação ao governo interino é a de que este “expulse as tropas da coalizão, e garanta que aqueles não tenham qualquer participação na tomada de decisões no país” . Tendo em vista que estas atribuições são impossíveis de serem cumpridas pelo governo fantoche de Allawi, resta saber como os iraquianos responderão caso a situação se mantenha avançando para a continuidade dos conflitos e mortes entre as tropas da coalizão e a população iraquiana.

As respostas por parte das massas iraquianas já começam a serem dadas. O que vemos até o fechamento desta edição é que as ações protagonizadas pela resistência longe de terem se amenizado começam a se expressar novamente, desta vez tendo as cidades que compõem o triângulo sunita como palco. Em Fallujah os combates prosseguem, bem como nas cidades de Samarra, localizada ao norte de Bagdá, da qual o exército norte-americano foi obrigado a se retirar, e Sadr City, um dos bairros mais pobres de Bagdá. Essa prova de que a resistência iraquiana continua viva, fez com que o "Pentágono pela primeira vez comece a aventar a possibilidade de não conseguir recuperar estas áreas até o final deste ano". Isso mostra a situação enormemente contraditória para o imperialismo que, apesar dos acordos firmados com as lideranças religiosas, faz com que os "EUA já vislumbrem também a possibilidade de adiar as eleições iraquianas."

Essa fragilidade do acordo em Najaf é resumida seguinte afirmação, dada por um iraquiano ao jornal americano Washington Post do dia 29 de agosto: “Parece que a trégua só perdura em Najaf, pois todas as demais cidades estão em chamas” . No mesmo sentido vai a declaração de um dos porta-vozes de Al Sadr, mostrando a disposição de setores da população, apesar da política de seu líder: “É essencial que a luta continue, até que os americanos sejam expulsos” . Todos estes elementos apontam que os EUA e o governo provisório necessitariam de muito mais que o apoio de algumas lideranças vendidas para conter o estado de ânimo crescentemente aguerrido das massas iraquianas.

Porém para dar uma saída ao impasse no Iraque se mostra como uma necessidade imperiosa que os trabalhadores iraquianos, sobretudo os ligados à produção de petróleo do país, entrem em cena determinando os ritmos da resistência a partir se seus métodos de luta. Essa é a única maneira de fazer com que a resistência não fique à mercê das lideranças religiosas burguesas, tanto sunitas quanto xiitas, que se utilizam do sentimento de repúdio contra a ocupação para "negociar" com o imperialismo.

É necessário impulsionar uma ampla campanha pela retirada das tropas imperialistas do Iraque

Entendemos que uma derrota militar dos EUA no Iraque debilitaria enormemente o papel que estes cumprem mundialmente como a principal potência imperialista, que há décadas vem saqueando os povos de todo o mundo. Que uma derrota como esta colocaria em xeque as ofensivas dos países imperialistas desferem sobre os povos, ao mostrar que quando as massas se colocam em movimento pela sua auto-determinação mesmo o mais bem terinado dos exércitos que atua a mando das burguesias não é capaz de frear a sua ação. Que as massas iraquianas já têm mostrado com a sua heróica resistência, que derrotar o exército imperialista não é somente possível, mas antes de tudo uma necessidade.

Por isso devemos impulsionar uma ampla campanha em apoio à resistência iraquiana, exigindo o fim da ocupação imperialista no Iraque. É necessário que em cada local de trabalho,e em cada universidade e escola secundarista forjemos um movimento que discuta e se posicione pelo fim da ocupação imperialista no Iraque, pela derrota militar das tropas de ocupação, e defenda a mais ampla solidariedade com a resistência iraquiana.

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