Quinta 18 de Abril de 2024

Cultura

Zuzu Angel

Histórias do passado, interesses do presente

15 Aug 2006   |   comentários

Stuart Angel Jones, ainda jovem, se tornou militante do MR-8, um grupo da esquerda que, saído do PCB, fazia guerrilha urbana contra a ditadura militar brasileira. Foi militando nesse grupo que Stuart foi preso e acabou morto depois de ser brutalmente torturado numa base da aeronáutica brasileira. O seu corpo, como o de centenas de presos políticos da ditadura, foi jogado ao mar para cair no esquecimento.

Em cartaz em quase todos os cinemas brasileiros, o filme ”˜Zuzu Angel”™ conta a história da estilista Zuleika Angel, mãe de Stuart, e de sua luta para evitar que seu filho e o que foi feito a ele fosse, de fato, esquecido.

É um filme que, como diz o cartaz, pretende apelar para a emoção e mostrar que o “amor de mãe foi além de todos os limites” . Mas não é só isso. No roteiro, na interpretação dos atores e na direção do filme há uma opinião clara sobre política, sobre a ditadura, o socialismo e a militância de esquerda. Talvez difícil de perceber a primeira vista, essas opinião estão presentes nos mínimos detalhes.

Num dos diálogos, antes ainda de estarem na guerrilha, Stuart e Sonia, sua namorada que também se tornou militante do MR-8, são questionados por Zuzu sobre a militância, sobre os porquês de lutarem contra a ditadura. Nas respostas, o jovem casal parece não saber do que está falando. Repetem frases batidas que acabam ridicularizando a luta socialista e a luta contra o imperialismo.

Para quem assiste ao filme desatento, pode parecer que essa falta de firmeza, essa falta de convicção é pela pouca idade das personagens. Mas porquê então a única cena em que o filme mostra as razões socialistas da luta de Stuart contra a ditadura é essa? Porquê não mostrar um Stuart mais adulto e convencido de suas idéias? Por quê justamente retratar o socialismo e as idéias de esquerda como “coisa de criança” ?

Justamente porquê um filme patrocinado por uma gigantesca empresa imperialista norte-americana (a Warner) e pela Rede Globo (que tem tantos laços com os velhos políticos da ditadura militar) não pode permitir que se fale de socialismo e de luta antiimperialista como coisa séria. Não podem correr o risco de que jovens assistam ao filme e se abram para as “perigosas” idéias comunistas. Pelo contrário, precisam mostrar que esse tipo de pensamento é para crianças inocentes que acabam mortas e torturadas por isso.

Como mostra a Zuzu Angel do filme, quando vai esbravejar com o pai de Lamarca, o homem que os militares esperavam que Stuart entregasse. Ao invés de se orgulhar do filho que resistiu à tortura e entregou sua vida para defender seus companheiros, ela prefere atacar o velho insinuando que a morte do seu filho era responsabilidade da sua militância e não dos homens da ditadura militar.

A mãe do “amor além dos limites” também é uma grande defensora da justiça burguesa. Chega a dizer para um dos militares que se Stuart fez algo de errado ele deve ser julgado por um tribunal e se for culpado, que seja condenado. Curiosamente, o único limite que parece ter o amor dessa mãe é a necessidade do filme de defender as leis dos tribunais “democráticos” . Se Stuart fosse julgado em um tribunal desse tipo e condenado por lutar contra a ditadura que assassinava e matava jovens e trabalhadores, ela estaria disposta a aceitar que seu filho fosse trancado num presídio por longos anos. Quem acredita que Zuzu realmente pensava assim, depois de tudo que lhe aconteceu? Aqui é onde está o centro de todo o filme. Utilizar a história de Zuzu Angel, que morreu assassinada lutando pelo fim da ditadura, para exaltar o regime “democrático” em que vivemos.

Como no fim do filme, depois do assassinato de Zuzu num suposto acidente de carro o militar retira da cena do crime as provas que poderiam incriminar a ditadura, mas não consegue desligar a voz de Chico Buarque que canta o fim da ditadura e traz a esperança de que amanhã vai ser outro dia. Na imagem do diretor, a derrota da ditadura é inevitável.

Ali, no fim, enquanto a democracia canta vitória, perguntamos: que vitória foi essa?

Em outros países da América Latina, os ditadores foram perseguidos e condenados pelos seus crimes depois de perderem o poder. Aqui no Brasil, os mesmos Maluf, Antonio Carlos Magalhães, Delfim Neto, Collor de Melo, políticos que dirigiam a ditadura e que eram escolhidos a dedo para as prefeituras e governos, os mesmos homens que criaram os planos de miséria para o povo e que se utilizavam da repressão das armas para aplicá-los estão livres, não perderam as riquezas extraídas do sangue dos trabalhadores, gozam de respeito e da liberdade da qual privaram o país por tantos anos. Isso, o filme não fala.

Os torturadores que mataram Stuart e os homens do serviço secreto da ditadura que perseguiam, torturavam e matavam trabalhadores e militantes de esquerda trabalham ainda hoje em serviços de segurança privada e mesmo pública. Muitas vezes com a mesma tarefa de reprimir os trabalhadores. Os burgueses que financiaram a ditadura ainda mandam no país. O desemprego, os baixos salários, a exploração continuam, o que faz inclusive muitos desavisados dizerem por aí que sentem “saudades” da época da ditadura.

O diretor do filme não mostra que os trabalhadores do fim da década de 70 e início de 80 tiveram um importante papel no fim da ditadura com suas greves e mobilizações, mas também não mostra que esse fim se deu de maneira negociada. Essa negociação impediu que o movimento dos trabalhadores avançasse e pudesse, além de derrubar a ditadura militar, caçar e punir os homens que se aproveitaram dela, expropriar as fábricas e riquezas construídas sob a defesa do exército e dos fuzis.

Trinta anos depois do assassinato de Zuzu Angel, nos deparamos com uma interminável lista de denúncias de corrupção, com um regime que não consegue exterminar suas “maçãs podres” porquê está podre a cesta inteira. Essa mesma burguesia corrupta ainda é quem controla o que se produz em cinema, teatro e música. Por um lado com a censura prévia do patrocínio para impedir que qualquer arte questionadora do seu sistema chegue às massas. Por outro, financiando filmes como esse que, para defender os donos do país, utilizam as figuras que um dia morreram lutando contra esses mesmos donos, que agora se vestem de democráticos, mas que naqueles tempos eram os torturadores e assassinos de Zuzu, Stuart e tantos outros que se ergueram contra a opressão.

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