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Governo escondeu a crise da água por motivos eleitorais

11 Nov 2014   |   comentários

Toda a crise do sistema Cantareira secando e o subsequente desabastecimento, tem a ver com desgoverno, com sucateamento e privatizações de empresas públicas e com escolhas e decisões estratégicas equivocadas por parte do governo. No entanto, desde o início da crise aberta, desde que ela tem estado mais presente no noticiário, o governo tem se empenhado em (...)

Toda a crise do sistema Cantareira secando e o subsequente desabastecimento, tem a ver com desgoverno, com sucateamento e privatizações de empresas públicas e com escolhas e decisões estratégicas equivocadas por parte do governo. No entanto, desde o início da crise aberta, desde que ela tem estado mais presente no noticiário, o governo tem se empenhado em desconversar.

Desculpas e evasivas.

Desconversam alegando que não há racionamento, que a crise é fruto da grande estiagem histórica, que o governo – e portanto a Sabesp – fizeram o melhor que puderam, que o problema foi o aumento desenfreado do consumo e o desperdício das famílias, e na campanha eleitoral Alckmin ainda tentou difundir a meia-verdade de que o problema é federal.

Em resumo, para esses “gestores”, essa crise é um problema da natureza, e não do seu governo; é como se crise e gestor público nunca se encontrassem; sempre que podem as autoridades também falam que a crise é passageira e que não é séria ou grave. Passemos a examinar um a um cada elemento deste texto oficial que não passa, na verdade, de uma imensa cortina de fumaça.

Encobrindo a crise

Em primeiro lugar, tentam todo o tempo negar ou encobrir o racionamento. Claro que estamos diante de um fiasco e uma vergonha política. No entanto, a primeira medida do governo diante dessa crise foi negá-la. Outro dia vazou um áudio de uma reunião da Sabesp, ocorrida no início da crise, onde de um lado um dos burocratas, sem saber que estava sendo gravado, dizia que o abastecimento marchava para o colapso, enquanto o outro lamentava as “ordens de cima” para esconder a crise de abastecimento. Nenhum deles denunciou publicamente a crise; são cargos de confiança do governador.

O nome deste procedimento de despistamento criminoso também pode ser estelionato eleitoral: em campanha de reeleição, tudo que o governo Alckmin precisava era: “escondam a crise que preciso ganhar a eleição”. E desconversaram o ano inteiro.

Escondendo a denúncia da ONU

De fato, a crise só foi aceita depois do primeiro turno, assim que Alckmin ganhou. Essa política de negar a crise chegou ao ponto de que o governo bateu de frente com uma alta funcionária vinculada à ONU quando ela divulgou um relatório denunciando a irresponsabilidade do governo diante da crise que já se desenvolvia a céu aberto.

Alckmin chegou a enviar uma carta agressiva para a ONU, em outubro, desacatando aquela especialista em águas, que veio no estado, estudou longamente o problema e, no relatório, publicamente divulgado em agosto, acusou abertamente o governo de São Paulo pelos problemas de abastecimento. Ou seja, ele não vacilou em adotar prontamente a política de “matar o carteiro” que trouxe a má notícia.

Ao mesmo tempo em que proclamou que a ONU “não pode se manifestar em momentos eleitorais”. Claro que não, afinal, a especialista, Catarina de Albuquerque (portuguesa), declarou à Folha de SP que o governo do Estado violou o direito humano à água ao priorizar os lucros da Sabesp em detrimento dos investimentos necessários para garantir o abastecimento de água para consumo atual e futuro da população. Ela foi ao centro da questão. Mas esta não era a questão para o governador.

Alckmin não perdoou a crítica da especialista à primazia da lógica de mercado por parte de uma empresa formalmente pública; e nem sua colocação de que o Estado tem que garantir o direito à água para todos. Ele gostou menos ainda da denúncia de desabastecimento em pleno período eleitoral. Chocava com o texto oficial.

A crise no interior de São Paulo já dura meses

Nas periferias de Campinas, de São Paulo, o povo pobre vive há tempos em regime de racionamento. Mais de 60 municípios de São Paulo enfrentam falta de água. Nos bairros pobres de Campinas, famílias ficam horas na fila de uma bica na cidade vizinha de Itupeva apanhando água não indicada para o consumo.

Em setembro, em torno de 20 municípios amargavam o rodízio de água, com interrupções que duravam de 4 h a 48 horas seguidas. Um em cada 20 habitantes do estado de São Paulo, segundo Carta Maior, já estavam submetidos a racionamento no mês de agosto, isto é, 2,1 milhões de pessoas. Todas com corte diário de água. A hidrovia Tietê-Paraná está parada há mais de cinco meses.

A cidade de Itu, próxima a São Paulo, já vai para mais de nove meses numa crise onde, como disse um morador, “Itu não dorme mais”, as famílias têm que sair à noite, depois que chegam do trabalho, em busca de água, longe de casa, com garrafões na mão, para conseguirem ter um pouco d´água em casa. Na periferia pobre de São Paulo há “apagões” nas torneiras, há dias sem água, o racionamento já é uma dura realidade. Empresas de caminhões-pipa lucram horrores, poços artesianos vivem um boom de perfuração.

Mas essa realidade jamais foi assumida seriamente pelo governo. E, de fato, a casta política não vive essa realidade e tampouco a elite que manda na mídia mais influente; não lhes falta água e nem dinheiro; por isso também, esse sofrimento popular não merece grandes manchetes.

A oito meses de crise, o governador declarava que “está tudo sob controle”. Em outubro, o secretário estadual de recursos hídricos, M. Arce declarou que as reclamações por falta d´água são um tipo de “exibicionismo” da população. Alegou que “as pessoas gostam de um microfone” para reclamar da falta de água (notícia do RBA, 9/10/14). E minimizou a crise. Todos eles minimizaram.

Arrogância e cinismo dos governantes e altos funcionários

A negativa do governador em reconhecer a crise foi alvo de inquérito por parte de Procurador da Justiça, acusando o “chefe do poder executivo estadual de ter-se negado a reconhecer a grave crise de abastecimento de água”.

Por sua vez, o cinismo da Sabesp não teve limites na tentativa de negar que a crise estava chegando e se aprofundando: em maio deste ano, na Câmara Municipal, o diretor metropolitano da Sabesp, que está no cargo há mais de dez anos, P. Massato, querendo mostrar que não havia perigo de crise hídrica em São Paulo, teve o acinte de declarar que se a situação das águas piorasse ele mesmo ia distribuir água com uma canequinha (Estadão 25/10/14). Ou seja, não se preocupem, não vem crise por aí.

Por coincidência, é o mesmo diretor que foi flagrado em um áudio de reunião da Sabesp prevendo que “não vai ter água nem para o banho e que quem puder que compre água mineral, e quem não puder que vá tomar banho lá na casa da mãe em Santos ou Ubatuba” (Estadão de 25/10/14). São esses os “gestores públicos” da água de São Paulo. Além de arrogantes, são personagens de duas caras.

No mesmo áudio, a presidenta da Sabesp reclama que, em janeiro, as ordens de cima eram de que “não se podia usar a palavra “seca”, que não se podia falar em racionamento, que Alckmin apenas aceitava a ideia (eleitoreira) do bônus para quem economizasse água. Mas, na época, obedeceu ao chefe.

Ou seja, a crise não existia. Só passou a existir depois das eleições. Essa foi a história das águas em São Paulo em 2014.

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