Terça 23 de Abril de 2024

Teoria

Golpe de vista histórico sobre a frente única

29 Apr 2007 | Reproduzimos abaixo trecho do livro Revolução e contra-revolução na Alemanha (p 182 a 185 da edição brasileira), no qual Trotsky polemiza com o Partido Comunista Alemão e com a Internacional Comunista dirigida por Stalin, por estes se negarem a aplicar a tática de frente única na luta contra o ascenso de Hitler. Para isso, retoma textualmente na primeira parte do texto, as discussões e resoluções dos III e IV Congressos da Internacional Comunista.   |   comentários

Consideramos que esta discussão é de grande valia na atual conjuntura, em que os grandes ataques do governo e da burguesia obrigam a classe operária brasileira a se unificar numa luta de resistência e em que esta se enfrenta com os obstaculos impostos pela burocracia governista da CUT. Se as direções da Conlutas e da Intersindical fossem capazes de retomar estas importantes lições e aproveitar as meias medidas de luta da CUT (como as ações dos dias 10 e 23 de abril) para impulsionar uma real unificação da classe operária contra os ataques, a vanguarda do movimento operário estaria melhor armada para ajudar o conunto da classe a avançar na sua experiência com sua direção histórica.

“ ”˜Mas é de todo evidente que a luta de classe do proletariado não cessa neste período de preparação da Revolução.

Os conflitos entre a classe operária e os patrões, a burguesia ou o Estado, surgem e se desenvolvem, sem cessar, pela iniciativa de uma ou de outra das partes.

Nestes conflitos, na medida em que abarcam os interesses vitais de toda a classe operária ou da sua maioria ou ainda de uma parte qualquer de sua classe, as massas operárias sentem a necessidade da unidade de ação, da unidade da defensiva contra o adversário. O partido que contraria mecanicamente estas aspirações da classe operária à unidade de ação está irrevogavelmente condenado pela consciência operária.

O problema da frente única surgiu da necessidade de assegurar à classe operária a possibilidade de uma frente única na luta contra o capital, apesar da divisão inevitável, na época presente, das organizações políticas que têm o apoio da classe operária. Para os que não compreendem, o partido não é mais do que uma associação de propaganda e não uma organização de ação de massa.

Se o Partido Comunista não tivesse realizado ruptura radical e decisiva com o social-democratas, não se teria tornado jamais o Partido da Revolução Proletária. Se o Partido Comunista não procurasse descobrir as vias de organização capazes de tornar possíveis, em cada momento dado, ações comuns, do conjunto, entre as massas operárias comunistas e não comunistas (inclusive social-democratas), provaria, por isto mesmo, a sua incapacidade em conquistar a maioria da classe operária para ações de massa.

Não basta que os comunistas sejam separados dos reformistas e ligados pela disciplina da organização, é necessário que a organização aprenda a dirigir todas as ações coletivas do proletariado, em todas as circunstâncias de sua luta vital. Tal é a segunda letra do alfabeto comunista.

A unidade da frente se estende unicamente às massas operárias ou compreende também os chefes oportunistas? Esta pergunta não é mais do que o fruto de um mal entendido. Se tivéssemos podido unir as massas operárias em torno da nossa bandeira ou sob as nossas palavras de ordem correntes, desprezando as organizações reformistas, partidos ou sindicatos, isso seria certamente a melhor das coisas. Mas, então, a questão da frente única não se apresentaria nem mesmo na sua forma atual.

Estamos, ao contrário, interessados, fora de toda e qualquer consideração, em fazer sair os reformistas de seus abrigos e em situá-los, ao nosso lado, na frente das massas em luta. Com uma boa tática, isto só pode ser favorável a nós. O comunista que o duvidar ou que tiver medo disto, se assemelha a um nadador que tivesse aprovado as teses sobre o melhor modo de nadar, mas que não se arriscasse a se lançar n”™água.

Entrando em acordo com outras organizações, nós nos sujeitamos sem dúvida a uma certa disciplina de ação. Mas esta disciplina não pode ter um caráter absoluto. Se os reformistas sabotam a luta e se contrapõem às disposições das massas, nós nos reservamos o direito de sustentar a ação até o fim, sem os nossos semi-aliados temporários, a título de organização independente.

Ver nesta política uma aproximação com os reformistas, é adotar o ponto de vista do jornalista que acredita afastar-se do reformista quando o critica, sem sair da sua sala de redação e que tem medo de o enfrentar diante das massas operárias, medo de dar a estas a possibilidade de comparar o comunista e o reformista nas condições iguais da ação das massas. De fato, sob o temor, que se pretende seja revolucionário, da “aproximação” , se dissimula, no fundo, uma passividade política que tende a conservar um estado de coisas no qual os comunistas, como os reformistas, têm, a sua imprensa, e no qual isto basta para dar, a uns e a outros, a ilusão de uma luta política séria.

Na luta contra a frente única, vemos uma tendência passiva e indecisa da intransigência verbal mascarada. Salta aos olhos, desde o primeiro instante, o paradoxo seguinte: os elementos direitistas do Partido, com as suas tendências centristas e pacifistas... são os adversários mais irreconciliáveis da frente única, cobrindo-se com a bandeira da intransigência revolucionária. E, ao contrário, os elementos que, nos momentos mais difíceis, continuaram inteiramente no terreno da III Internacional, são os partidários da tática da frente única. Na realidade, sob a máscara da intransigência pseudo-revolucionária, agem agora os partidários da tática da espera passiva”™. [Trotsky, 5 anos de Internacional Comunista]

[...]

Assim há dez anos, a Internacional Comunista explicava o fundo da frente única no sentido de que o Partido Comunista mostra às massas e às suas organizções a sua vontade real de entrar na luta, com elas, ao menos para os objetivos mais modestos, desde que esses objetivos se achem no caminho do desenvolvimento histórico do proletariado: o Partido Comunista conta, nesta luta, com o estado real da classe operária em cada momento dado; dirige-se não apenas às massas, mas também às organizações cuja direção é reconhecida pelas massas; confronta, aos olhos das massas, as organizações reformistas com as tarefas reais da luta de classes. Revelando efetivamente que não é o sectarismo do Partido Comunista, mas a sabotagem consciente da social-democracia que solapa o trabalho comum, a política da frente única acelera o desenvolvimento revolucionário da classe. É evidente que essas idéias não podem envelhecer em nenhum caso.

Como explicar então a renúncia da Internacional Comunista à política da frente única? Pelos insucessos e fracassos dessa política no passado. Se estes insucessos, cujas razões residem não nas políticas, mas nos homens políticos, tivessem sido descobertos, analisados, estudados em tempo, o Partido Comunista Alemão estaria admiravelmente bem armado, estratégica e taticamente, para a situação atual. Mas a burocracia stalinista agiu como o macaco míope da fábula: depois de ter posto os óculos na cauda e de tê-los lambido sem resultado, concluiu que eles nada valiam, e quebrou-os. Digam o que quiserem: mas a culpa não era dos óculos.

Os erros na política da frente única foram de duas espécies. Na maior parte dos casos aconteceu que os órgãos dirigentes do Partido Comunista se dirigiram aos reformistas com propostas de lutarem, em comum, por palavras de ordem radicais, que não decorriam da situação e não correspondiam à consciência das massas. As propostas tinham um caráter de tiros de pólvora seca. As massas continuaram impassíveis, os chefes reformistas explicaram as propostas dos comunistas como uma intriga tendo por objetivo a destruição da social-democracia. Tratava-se de uma aplicação puramente formal, decorativa, da política de frente única, quando, por sua própria natureza, ela só pode ser fecunda na base da apreciação realista da situação e do estado de espírito das massas. Por um uso frequente e mau, a arma das “cartas abertas” ficou cega, e foi preciso abandoná-la.

A outra espécie de deformação da política de frente única teve um caráter muito mais fatal. A política da frente única tornou-se, para a direção stalinista, uma caçada aos aliados, conquistados à custa da independência do Partido Comunista. Tendo o apoio de Moscou e julgando-se todo-poderosos, os burocratas da Internacional Comunista pensaram seriamente que podiam comandar as classes, indicar-lhes os itinerários, retardar os movimentos agrários e grevistas na China, comprar a união com Chang-Kai-Chek pelo preço da renúncia à política independente do Partido Comunista, reeducar a burocracia das Trade-Unions, o apoio principal do imperialismo britânico, por ocasião de um banquete em Londres ou numa estação de águas do Cáucaso, transformar burgueses croatas do tipo de Raditch em comunistas etc. As intenções eram, bem entendido, as melhores: acelerar o desenvolvimento, fazendo, no lugar das massas, o que estas ainda não tinham compreendido. Não é inútil lembrar que, numa série de países, particularmente na à ustria, os funcionários da Internacional Comunista tentaram, no período decorrido, criar de modo artificial, por cima, uma social-democracia de ”˜esquerda”™ que servisse de ponte para o comunismo. Desta mascarada também só saíram fracassos. Os resultados destas experiências e destas aventuras foram, invariavelmente, catastróficos. O movimento revolucionário mundial foi, por uma série de anos, jogado para trás.”

TROTSKY, Revolução e Contra-revolução na Alemanha, páginas 182 a 185 da edição brasileira

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