Quinta 28 de Março de 2024

Ditadura Militar

ENTREVISTA

Gilson Dantas depõe na Comissão da Verdade da UnB

09 Oct 2014   |   comentários

Entrevistamos a seguir Gilson Dantas, médico e doutor em sociologia que militou contra a ditadura e é militante da Liga Estratégia Revolucionária, sobre o depoimento que dará na Comissão da Verdade da Universidade nacional de Brasília no dia 10 de outubro de 2014.

Site Palavra operária: O que é a Comissão da Verdade da UnB?

Gilson Dantas: É uma Comissão que foi criada pela reitoria da universidade supostamente para resgatar a memória de como foi a repressão da ditadura militar na UnB. Digo supostamente porque ela é subordinada à Comissão Nacional da Verdade criada pelo governo Dilma. Ou seja, faz parte do pacto que o governo do PT fez com os militares, que impede que qualquer verdade que venha à tona nessa investigação sirva para punir os responsáveis pelos assassinatos e torturas. Um pacto sinistro, “pacto da impunidade”, que preserva o poder que esses responsáveis dispõem até hoje, não apenas no aparato militar do país, aparato que reprimiu as manifestações de junho de 2013 e reprime os trabalhadores em cada greve, mas também nos órgãos de polícia especialmente destinados a exercer a repressão contra pobres e negros nas favelas, provocando um genocídio sistemático da juventude nas periferias; na verdade é o mesmo aparato que está operando contra negros pobres nas favelas do Haiti, em deplorável cumplicidade com os interesses norte-americanos.

Palavra Operária: Por que te chamaram para depor nessa Comissão?

Gilson: Quando a UnB foi invadida pelo exército em 1968 eu estava lá e fui um dos presos junto a centenas de estudantes. E principalmente em 1970, quando lideramos uma greve estudantil na UnB, eu era vice-presidente do centro acadêmico de medicina, vinculado à FEUB, federação dos estudantes, que tinha sido posta na ilegalidade pelos militares. Naquele momento, fui preso e torturado junto com outros colegas.

Palavra Operária: Conte um pouco como foi a prisão e a tortura.

Gilson: Fomos presos sem mandato judicial. Ou seja, sequestrados. Logo surgiu um forte movimento democrático pela nossa libertação. Foram 37 dias de prisão. Eu fui torturado com socos, “telefone” e jatos de mangueira d’água. Mas colegas meus sofreram torturas muito piores. Me lembro de ver uma companheira sendo arrastada desacordada e perdendo sangue por dois policiais.

Palavra Operária: Como você foi convidado?

Gilson: Na verdade eu não fui convidado. Eu tive que ir lá bater na porta deles e dizer que eu queria depor.

Palavra Operária: Por que não te convidaram?

Gilson: Presumo que tem a ver com o fato de que eu denuncio esse pacto que o PT junto com os demais partidos da ordem fizeram para preservar os responsáveis pela ditadura. Denuncio esse pacto que legitima a lei da Anistia no Brasil, que já em 1979 garantiu essa impunidade ao colocar como pré-condição para a anistia aos que resistiram à ditadura, que os militares também fossem anistiados por seus crimes. É uma lei reacionária que precisa ser derrubada. Não me convidaram espontaneamente certamente porque não querem dar visibilidade para esta posição política, que desmascara a farsa que é essa Comissão da Verdade, paliativa e com ares de teatro. O governo faz algumas pequenas concessões para calar as vítimas da ditadura. Mas eu e muitos outros não aceitamos essa farsa. A política do governo petista é tão vergonhosa que os próprios organismos de direitos humanos internacionais a denunciam. A consequência dessa política é que um personagem sinistro como Jair Bolsonaro chega a ser o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro nessas eleições. Este e vários outros absurdos são responsabilidade da política de conciliação com os militares promovida pelo PT no governo.

Palavra Operária: Qual sua expectativa com o depoimento?

Gilson: Eu espero poder contar uma história um pouco distinta da que hoje é considerada como verdade. A história que nos contam é de que o golpe de 1964 foi um golpe contra os supostos avanços nacionalistas e democráticos do governo João Goulart, e que 1968 foi apenas uma revolta estudantil e um movimento de libertação cultural. Essa é uma versão politicamente interessada. Espero poder contar que o verdadeiro motivo do golpe militar foi o poderoso ascenso de lutas do movimento camponês e do movimento operário que corroeu profundamente as bases das forças armadas, ameaçando dar passagem a um processo revolucionário que João Goulart tentava mas não conseguia controlar. E que o endurecimento da ditadura a partir de 1968 veio em resposta aos resquícios daquele processo quando estes voltaram a ameaçar a ordem com as grandes greves de Osasco e Contagem e as tendências à aliança entre estudantes e operários que se desenvolviam com uma força muito grande, inspirados pelo Maio francês. Essa, que é a verdadeira história, não é contada porque exigiria uma sincera autocrítica de todos que participaram da resistência emprestando apoio e confiança cega às direções nacionalistas burguesas e também porque é um duro golpe à estratégia de conciliação de classes que marca a história do PT.

ASSISTA INTERVENÇÃO DE GILSON DANTAS EM ATO PELA PUNIÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELA DITADURA REALIZADO NA APEOESP EM 2011, AOS 47 ANOS DO GOLPE MILITAR.

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