Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

Frente à resistência curda em Kobane: uma polêmica com a LIT-PSTU

26 Nov 2014   |   comentários

Os enfrentamentos com os destacamentos das reacionárias organizações do Estado Islâmico e do Levante (ou Daesh em árabe) na região de Kobane, localizada na fronteira turco-síria, têm recolocado uma série de debates para os revolucionários.

Os enfrentamentos com os destacamentos das reacionárias organizações do Estado Islâmico e do Levante (ou Daesh em árabe) na região de Kobane, localizada na fronteira turco-síria, têm recolocado uma série de debates para os revolucionários. A ofensiva do Estado Islâmico e do Daesh, somados a uma gama de grupos reacionários sunitas sírios e iraquianos marginalizados pela política norte-americana no Iraque de favorecer os xiitas, foi a alegação utilizada por Obama, apoiado pelas petromonarquias regionais e a Turquia de Erdogan, para os bombardeios imperialistas sobre o Iraque e a Síria. Aberrações como o Daesh se formaram como resultado da política imperialista de favorecer os xiitas, e lançaram-se em enfrentamentos contra as não menos reacionárias milícias xiitas armadas por Bagdá. Essas organizações se dirigiram para a fronteira turco-síria,com o objetivo de controlar regiões estratégicas para a circulação de armas e insumos, abrindo um novo conflito no interior da guerra civil síria. O Daesh avançou sobre os territórios controlados pelo Partido da União Democrática Curdo (PYD). Isso agregou ainda mais complexidade ao cenário da guerra civil síria, no interior da qual diversas forças burguesas se opõem ao poder de Damasco.

A resistência de Kobane em meio à inflexão da primavera árabe

É nesse contexto que se dá a heroica resistência das Unidades de Proteção Popular (YPG), ligado ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão(PKK) turco, à ofensiva do Estado Islâmico e do Daesh, no Curdistão sírio autônomo, que agrega a região de Kobane. Um avanço da resistência da YPG ao Estado Islâmico poderia restabelecer um aspecto progressista, emmeio à guerra civil síria. Entretanto, isso não é isento de contradições.O contexto regional da guerra civil síria está marcado pelo retrocesso do que se denominou como “primavera árabe”. Isso se combina aos recentes bombardeios imperialistas sobre a Síria e o Iraque. Com a intervenção do imperialismo e seus aliados regionais, e a ausência da classe trabalhadora, os levantes da “primavera árabe” entraram em refluxo. O financiamento do imperialismo às direções burguesas como o Exército Sírio Livre, bem como de seus aliados como a Arábia Saudita, Qatar e Turquia, que levou alguns analistas a afirmarem que na Síria ocorreria uma “guerra por procuração” das potências regionais aliadas aos Estados Unidos, contribuíram imensamente para o retrocesso da intervenção genuinamente popular.

No Egitoapós a queda da Irmandade Muçulmana o governo passa para as mãos do exército, e agora seu comandante, Fatah al-Sissi foi eleito presidente do país. Desde então a censura e perseguição política aumentaram, com diversos enfrentamentos, prisão e morte de opositores ao governo. Economicamente não apenas não houve melhoras, como agora o governo egípcio busca diálogo com o FMI. Na Líbia, passados três anos desde a derrubada do regime, o país encontra-se à beira de uma guerra civil, com a ameaça de divisão produto dos enfrentamentos incessantes dos distintos clãs tribais, e forças jihadistas como o Magreb Islâmico. Há cerca de 290 mil refugiados ao redor de Tripoli e Benghazi, enquanto a pobreza e a miséria não param de aumentar. Na Síria uma guerra civil labiríntica se desenvolve desde que houve o refluxo das manifestações populares em 2011, e a oposição a Assad se organizou sobadireção de setores pró-imperialistas, como é o próprio Exército de Libertação Sírio. (ELS). Essa dinâmica criou as bases para a ofensiva do Estado Islâmico, e a os ataques imperialistas que bombardeiam a Síria e o Iraque. Agora, a junção da guerra civil síria com a questão nacional curda, abre alguma possibilidade de que haja uma dinâmica mais progressista na luta contra o Estado Islâmico. Entretanto, a resistência curda enfrenta diversas contradições para hegemonizar o conjunto do processo. Portanto, os revolucionários devem partir de uma análise dessas condições.

Onde leva o abandono da teoria da revolução permanente

Trotsky na Revolução Espanhola discutia contra a posição menchevique que “segundo as concepções dos socialistas e dos stalinistas, vale dizer, os mencheviques da primeira e segunda debandada, a revolução espanhola não devia resolver mais que as tarefas democráticas; eis porque era necessário constituir um bloco com a burguesia ’democrática’. (....) O ponto de vista do bolchevismo, expresso, hoje, somente pela jovem seção da IV Internacional, procede da teoria da Revolução Permanente, a saber, que mesmo as tarefas puramente democráticas, tais como a liquidação da propriedade fundiária feudal, não podem ser solucionadas sem a conquista do poder pelo proletariado, isto, por sua vez, coloca na ordem-do-dia a revolução socialista"

Na contramão disso, a LIT-PSTU inspirada sua teoria da revolução democrática, segundo a qual haveria um momento em que a tarefa seria derrubar as ditaduras e regimes de turno não importando que sua direção seja burguesa e que não haja classe trabalhadora, falhou em todos os processos da primavera árabe. Substituiu uma posição de independência da classe trabalhadora, em prol de apoiar acriticamente os “rebeldes” e “opositores” às ditaduras. Desconsidera que há “rebeldes” provenientes de grupos reacionários, religiosos de diversos tipos, e ainda os pró-imperialistas, que em nada podem responder aos levantes do povo contra seus ditadores. Como por exemplo, na Líbia. Não é demais perguntar novamente à LIT-PSTU qual seu balanço sobre a Líbia? Quem são hoje os rebeldes que a LIT apoia, os burgueses do governo de Tripoli ou os igualmente burgueses de Tobruk? Com seu maniqueísmo antidialético de “quem não apoia os rebeldes, está com Assad” agora a LIT-PSTU, por fora de qualquer critério de classe, a LIT-PSTU está no polo oposto ao de Trotsky.

Como produto dessa ruptura com a teoria da revolução permanente, a LIT-PSTU que tanto comemorou revoluções democráticas por todos os lados, não pode explicar como agora no Egito, por exemplo, tamanha “vitória” das massas terminou levando justamente ao poder Abdel Fatah al Sissi e o exército. Muito diferente de um trinfo da revolução democrática defendida pela LIT-PSTU, o que temos aí é um regime opressor aliado aos Estados Unidos, que avança contra todos os setores opositores, e mantém o bloqueio à Faixa de Gaza. Seria cômico se não fosse trágico como de paladinos da revolução democrática a LIT-PSTU chegou ao absurdo de aconselhar o Exército sobre como deveria reprimir a Irmandade Muçulmana. Dessa forma, essa corrente demonstra sua maestria em equivocar-se – e pior, em insistir nos seus erros. Não contentes com isso, também foram os defensores de que na Líbia a queda de Kadafi sob a ação da OTAN haveria sido uma “tremenda vitória das massas”. Portanto, a verborragia ufanista da LIT-PSTU sobre a guerra civil síria nada mais é que uma tentativa desesperada de esconder que erraram frente a todos os processos recentes do mundo árabe.

O complexo cenário sírio e a cegueira estratégica da LIT-PSTU

A duríssima resistência dos curdos ao Estado Islâmico é progressista, e é evidente que deve ser apoiada, bem como a causa nacional curda.Em diversos artigos expressamos nossa posição de que os revolucionários devem estar na mesma trincheira militar dos curdos em Kobane. Mas isso não significa calar-se sobre a política do imperialismo de apoiar-se nesses setores para garantir seus próprios interesses, ou sobre as dificuldades que existem para que a resistência curda hegemonize a guerra civil síria de conjunto.

Buscando instrumentalizar uma possível vitória das milícias YPG que resistem em Kobane contra o Estado Islâmico, e impedir que o Estado Islâmico siga avançando sobre as regiões petrolíferas do Iraque, os Estados Unidos e a Turquia mudaram de política. Após semanas de inação, o imperialismo norte-americano bombardeou as posições do Estado Islâmico em Kobane, e passou a fornecer armamentos à milícia YPG. Esse apoio do imperialismo nada tem a ver com uma preocupação com os curdos de Kobane, ou com a população síria, mas à percepção de que não bastam bombardeios para impor limites ao avanço do Estado Islâmico que ameaça também os interesses do imperialismo no Iraque. Por isso, Obama pactuou com Erdogan, presidente da Turquia, uma mudança de orientação e a que agisse contra o Estado Islâmico no norte da Síria.Também foi intermediado um acordo para o envio de ajuda do Exército Sírio Livre, organização que é reconhecidamente aliada do imperialismo dentre a oposição síria.

Frente a isso, a LIT-PSTU afirmou que “Nesse sentido a unidade político-militarentre os combatentes curdos e os rebeldes sírios árabes não só é progressista como, em nossa opinião uma condição para a vitória, tanto no terreno da luta para derrubar a ditadura de Al Assad como para avançar rumo a um Estado independente de toda a nação curda." É impressionante até onde chega a deriva estratégica da LIT-PSTU. Festejam a unidade não só militar, mas política das milícias da YPG com uma direção burguesa e pró-imperialista como é o Exército Sírio Livre, cuja unidade definem como “transcendental”. Com isso comemoram que os curdos estejam à mercê da política de setores pró-imperialistas, que só podem levar a luta de Kobane a um beco sem saída. Essa lógica campista, por fora de qualquer critério de classe,leva a LIT-PSTU a se diluir politicamente em meio às direções burguesas existentes. Nada mais distinto do legado de Trotsky para quem, “a estratégia de guerra civil deve combinar as regras da arte militar com as tarefas da revolução social”.

No polo oposto disso a LIT-PSTU demonstra que não superou sua lógica de ganhar “a guerra primeiro, e depois as reformas". No seu afã de caracterizar a guerra civil síria como progressista, negando-se a avaliar suas contradições, dentre as quais reside o caráter das direções existentes, recai novamente no objetivismo que leva essa corrente a fracassos, tanto teóricos quanto na luta de classes. Assim, afirmam que “O marxismo sempre ensinou que nunca se pode confundir, como faz a FT, o caráter objetivo dos processos com sua direção. Da mesma forma em que seria criminoso confundir a justeza de uma greve operária com sua direção burocrática,não é lícito confundir a justa causa o povo sírio com suas direções traidoras.”

Apesar de declarar que consideram o papel das direções, não tiram nenhuma conclusão de sua afirmação formal de que “a ausência da classe trabalhadora é a principal limitação”. Ignora que se a demanda pela derrubada de Assad e derrota do Estado Islâmico tem caráter progressista, por outro lado foram instrumentalizadas por setores burgueses sírios, pelo imperialismo, e pelas potências regionais aliadas. Assim a política da LIT-PSTU não é mais concreta, como pretendem. Se é sabido que uma demanda ou processo pode ser progressista mesmo sob uma direção burguesa, é verdade também que os resultados de tais processos da luta de classes são produto do caráter de classe e da estratégia de tais direções. Cabe, portanto, aos revolucionários elaborar uma política que permita à classe trabalhadora e aos setores populares em luta, superar tais direções burguesas, e não adaptar-se a elas, como faz a LIT-PSTU, para quem isso pouco importa, já que os processos árabes seriam objetivamente revolucionários.

Sem considerar minimamente esses elementos a LIT-PSTU cita Trotsky, quando por ocasião da revolução espanhola esse dizia que os revolucionários “devem ser os melhores soldados contra Franco”. Deveriam retomar a continuidade dessa frase citada, quando Trotsky completa que “Participamos na luta contra Franco como os melhores soldados e, ao mesmo tempo, no interesse da vitória sobre o fascismo, agitamos a revolução social e preparamos a derrubada do governo derrotista de Negrín. Somente uma atitude semelhante pode nos aproximar das massas.”

Portanto, essa orientação de Trotsky está totalmente de acordo com a teoria da revolução permanente, segundo a qual a luta contra as ditaduras de turno e pelas demandas democráticas estruturais nos países semicoloniais deve ter como sujeito a classe trabalhadora.

A LIT-PSTU abdica da luta antiimperialista

Se a LIT-PSTU, como já discutimos em inúmeros artigos, afundou estrategicamente frente aos processos árabes, justamente pela sua ruptura com a teoria da revolução permanente, agora retrocede em mais um aspecto fundamental para qualquer revolucionário: o combate à política do imperialismo. No referido artigo não apenas se exime de sequer citar as movimentações dos Estados Unidos e seus aliados, como ainda transformam esse vício em virtude, buscando sair na ofensiva contra as posições da FT ao afirmarem que “Afinal de contas, para a FT, o imperialismo que foi derrotado no Iraque e no Afeganistão não estaria tão mal na hora de intervir militarmente, pois já haveria encontrado uma série de ‘tropas terrestres’ (‘mercenários terroristas’, ‘manifestantes profissionais’, diria o castro-chavismo) dispostas a auxiliá-lo: primeiro os rebeldes líbios, depois os sírios, agora os curdos iraquianos. Que alguém avise a Obama!”.

Primeiramente, temos elaborado uma série de posições em relação à decadência hegemônica norte-americana, e as contradições de sua estratégia para o Oriente Médio. Esse processo indica justamente que os Estados Unidos, para administrar as contradições que colocam limites para ocupações diretas, obriga a que combinem intervenções militares como as atuais contra a Síria e o Iraque hoje, e anteriormente na Líbia via OTAN, com a busca por utilizar os aliados regionais. Situam-se aí inclusive os movimentos da oposição aos regimes ditatoriais de turno. Ignorar isso é simplesmente fechar os olhos para o modus operandi do imperialismo ao longo das últimas décadas. Assim foi quando no passado apoiaram os talibãs contra a extinta URSS. E também em meio à guerra de 1991, quando os Estados Unidos impulsionam a formação de um governo curdo autônomo no Iraque, sob a direção de Massoud Barzani, cujo clã segue hoje sendo integrada pela burguesia curda iraquiana que detém imensas reservas petrolíferas. Ou quando agora o imperialismo apoiou o Exército Sírio Livre contra Assad. E mais abertamente ainda, na intervenção que promoveram na Líbia, e que a LIT-PSTU insiste em continuar caracterizando como “vitória estrondosa das massas”. Ao negarem-se a ver como atua o imperialismo na região, negam-se a combatê-lo.

Por uma política revolucionária para Kobane e a questão curda

A luta de libertação nacional curda, em meio à guerra civil síria, deve ser apoiada pelos revolucionários. Portanto, estamos em defesa de Kobane e Rojava. Denunciamos o imperialismo, que busca instrumentalizar as forças curdas que hoje se enfrentam com o Estado Islâmico, bem como sua intervenção no Iraque e na Síria. Reivindicamos também a abertura da fronteira turco-síria para o YPG e todos os refugiados, bem como a retirada do PKK da ilegalidade, e liberdade imediata para todos os presos curdos na Turquia. Entretanto, a luta pela autodeterminação do povo curdo só pode ser resolvido pelos trabalhadores e pelo povo. Nesse sentido, é importante a unidade entre os trabalhadores e o povo curdo da Síria, Turquia e Iraque, que avancem para combater suas direções conciliadoras, instaurando greves gerais insurrecionais, e que se levante uma política eficaz para no decurso dessa luta combater também toda e qualquer atuação do imperialismo.

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