Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

Eurogrupo aceita as reformas do Syriza, que retrocede suas promessas eleitorais

26 Feb 2015 | Esta terça-feira a Grécia aprovou uma prorrogação de quatro meses de seu resgate financeiro. A Troika e o Eurogrupo deram “sinal verde” ao plano de reformas redigido pelo próprio governo do Syriza, que apesar de retroceder em grande parte de suas promessas eleitorais e causar fissuras em suas fileiras, é defendido por Alexis Tsipras como a “abolição da austeridade”.   |   comentários

Esta terça-feira a Grécia aprovou uma prorrogação de quatro meses de seu resgate financeiro. A Troika e o Eurogrupo deram “sinal verde” ao plano de reformas redigido pelo próprio governo do Syriza, que apesar de retroceder em grande parte de suas promessas eleitorais e causar fissuras em suas fileiras, é defendido por Alexis Tsipras como a “abolição da (...)

Tsipras põe acento na reforma fiscal e na Administração Pública, na luta contra a fraude e a evasão de impostos (principalmente na área do tabaco e dos combustíveis), sugerindo um aumento de impostos às maiores rendas. Com a margem orçamentária conquistada por Atenas (uma das únicas concessões do Eurogrupo), Tsipras dará andamento ao programa de auxílio às vítimas da crise (alimentos, eletricidade gratuita) que não “ponham em risco o equilíbrio fiscal”.

Mas estas reformas não são as “estruturais” às quais a Alemanha e o Eurogrupo se referem: as preocupações da Troika incidem sobre o programa de privatizações e a flexibilização das leis trabalhistas, incluindo-se aí as demissões no funcionalismo público.

Neste ponto, por mais que Varoufakis tratasse de redigir em linhas vagas o programa de ajuste do Syriza, cedeu por fim aos “sócios europeus” e é oficialmente co-autor da austeridade na Grécia. Das promessas de reverter a reforma trabalhista, pouco restou: o documento diz que o Syriza “buscará recolher as melhores práticas da União Europeia no mercado de trabalho”, inspirado pela reforma trabalhista espanhola do governo de direita de Mariano Rajoy (nada menos que o regime de trabalho precário part-time). Deixou de falar no aumento automático do salário mínimo a 751 euros, e sim de um “aumento escalonado”; facilitou a assinatura de contratos temporários e enfraqueceu as negociações coletivas com os sindicatos; incentivará a redução das pré-aposentadorias de pessoas entre 50 e 65 anos (uma maneira engenhosa de dizer que se aumentará a idade de aposentadoria), e não mencionou a recontratação dos 10.000 funcionários públicos demitidos no governo austeritário do PASOK-Nova Democracia (base eleitoral do Syriza, como as famosas agentes da limpeza do Ministério da Educação).

No tema das privatizações, o Syriza se comprometeu a “não dar marcha ré nas privatizações já finalizadas, ou já submetidas aos leilões”, revisando as privatizações em marcha “para melhorar as condições e maximizar o benefício do Estado a longo prazo, gerando receitas”. Ou seja, com alguns matizes, continua a política do governo grego anterior, aprovando as privatizações realizadas pelos partidos rechaçados pelas massas nas eleições, e destravando as concessões suspensas, como a do Porto do Pireu com uma forte indústria naval, muito afetada pela crise.

A este retrocesso de praticamente todo o programa eleitoral do Syriza, Alexis Tsipras chama de “um passo na direção correta, capaz de conseguir um acordo e evitar a ruptura”. O teor das declarações de Tsipras depois de conhecido o acordo pelo Eurogrupo foi o mesmo usado na última sexta-feira, para camuflar em “triunfo” o êxito dos governos europeus em impor seu “resgate” asfixiante aos gregos. O acordo “enterra as decisões do Executivo anterior [...] Não haverá novos cortes das pensões, não haverá novas demissões no setor público” [e os funcionários já demitidos?] “e não haverá aumento de impostos para os pobres e as classes médias”.

Como diz o poeta, “por mais que nos comovam lá no fundo/são palavras que não mudam uma vírgula no mundo”. Assim, Atenas se dispôs a retirar praticamente todas as linhas vermelhas que havia estabelecido para pactuar o resgate (cancelar parte da dívida, não aceitar a supervisão da Troika, não estender o resgate atual, reverter as reformas trabalhistas e manter liberdade na aplicação das medidas de resgate social) e completou o acordo com reformas que havia prometido ter abolido.

As críticas no seio do Syriza

A maneira como Tsipras e Varoufakis insistem em apresentar a derrota de sua estratégia de negociação como um “triunfo tático construtivo” irritou setores internos ao Syriza. Costas Lapavitsas, economista referente da Plataforma de Esquerda do Syriza, escreveu que “É difícil que se possa ver como os anúncios realizados no Programa de Tessalônica [programa eleitoral] se possam implementar através deste acordo”. Stathis Kouvelakis, também da Plataforma de Esquerda, assegurou que a “estratégia da direção do Syriza fracassou miseravelmente”. “O marco do memorandum se estenderá, o empréstimo do resgate e a totalidade da dívida se reconhecerão, a supervisão da Troika continuará sob outro nome [...] Um fracasso de tal alcance não pode ser uma questão de acaso, o produto de uma manobra tática mal pensada. Representa a derrota de uma linha política concreta em que se sustentou o enfoque do atual governo,” diz Kouvelakis.

Panayotis Lazafanis, ministro do Syriza, disse que "Não podemos permitir que se castigue a vontade popular e o programa eleitoral; a troika e os resgates são parte do passado e não há que reconstruí-los."

Por sua vez, o histórico militante comunista, Manolis Glezos, que enfrentou a ocupação nazista e aos 18 anos removeu a bandeira da suástica da Acrópole, foi mais duro ao dizer “renomear a Troika como ‘instituições’, o memorandum como ‘acordo’, os credores como ‘sócios’, não muda a situação anterior [...] todos os membros e simpatizantes devem decidir em reuniões extraordinárias em todos os níveis da organização se aceitam a decisão do Executivo”. Glezos se desculpou “ante os votantes do Syriza por haver participado nesta ilusão”.

O fracasso da estratégia negociadora do Syriza e a necessidade de adotar o caminho das mobilizações

Como discutimos em várias oportunidades, o Syriza desde o início brandiu ilusões na possibilidade de um acordo “que beneficiasse a todos”, ao capital financeiro e aos trabalhadores e o povo pobre da Grécia, preferindo apostar a que com concessões ganharia a boa vontade da Troika, antes que à mobilização sistemática dos trabalhadores e do povo grego e da Europa. Desta forma, o Syriza fez sua importante contribuição para desalentar a mobilização de massas.

Com um programa de tímidas reformas baseado na negociação de melhores termos para seguir pagando a dívida fraudulenta (que escravizou o povo grego desde 2010 e destruiu 25% de forças produtivas) e na manutenção da Grécia dentro das instituições imperialistas da União Europeia, o Syriza não se aproveitou da mobilização de massas nas ruas gregas para alterar a relação de forças em favor de um programa que desconhecesse a dívida e atacasse os direitos de propriedade dos capitalistas, com medidas como a imediata nacionalização de todos os bancos sob controle dos trabalhadores e a expropriação das grandes empresas que lucram com a crise (sequer decidiu-se a reverter as privatizações já realizadas).

Desconhecendo o protesto de dezenas de milhares nas ruas contra a austeridade, Tsipras apresentou uma austeridade “de sua autoria”, e mais, fazendo parecer “um passo no caminho correto”. Não se trata de um “tempo conquistado” pelo Syriza, mas de sua co-gestão nos ajustes do governo PASOK-Nova Demoracia, pois não prepara melhores condições de luta nem organiza politicamente o peso social dos trabalhadores de maneira independente, mas desmoraliza e confunde as aspirações de luta das massas.

Correntes como o MES/PSOL, com o qual debatemos problematizando seu apoio à estratégia de negociação do Syriza com uma postura à direita da própria ala esquerda do Syriza, tiveram de matizar sua posição depois do anúncio de Tsipras e criticar tardiamente o acordo (inclusive dialogando com nossas posições transicionais), embora não se posicione sobre a questão da dívida e mantenha seu apoio político ao governo grego.

Apesar do apoio popular que mantém o governo (mais de 80%, antes do acordo desta terça-feira), o Syriza perde boa parte da imagem “radical antiausteridade”, subordinando até mesmo as mínimas reformas sociais que prometera à autorização da Troika e aos limites orçamentários impostos. Não sabemos ainda qual o custo político que pagará Tsipras pelo desmentido eleitoral, que no seio do governo, pode desequilibrar politicamente a coalizão governamental aos olhos das massas. A estratégia de conciliação, portanto, além de ter dado caminho livre à espoliação da União Europeia, pode fortalecer a extrema-direita grega por ter um discurso que aparece como “mais radical” que o do governo.

Se do que se trata é impedir a “derrota total”, como escreve Kouvelakis, cumpre reconhecer que a política de conciliação de classes com a burguesia grega e com as instituições do euro inviabiliza por fim à austeridade. Por isso, sua resignação crítica com o acordo não constitui uma política independente dos ajustes: “O fracasso atinge a todos por igual. A ala esquerda não soube impor seu ponto de vista. E agora não resta outra coisa ao governo senão gerir o resgate”.

Ao contrário do governo do Syriza que se prepara para aplicar os ajustes, o caminho da mobilização independente para impor, pela força da luta de classes, a anulação da dívida grega é também o único caminho conseqüente para preparar as massas para os combates decisivos contra a extrema direita na Grécia.

Sem prestar nenhum apoio político ao governo do Syriza, o povo grego necessita mais que nunca a solidariedade internacional (que não poderá receber do Podemos, que recentemente se negou a cancelar a dívida grega com o Estado espanhol, de 26 bilhões de euros, pois “há que se recuperar esse dinheiro”). Baseando-se na exigência da anulação imediata da dívida, é preciso que os sindicatos europeus e da América Latina, junto à esquerda, rompa sua cumplicidade com os governos e chamem mobilizações ativas em solidariedade ao povo grego.

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