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TEORIA

Estudo preliminar sobre os pobres urbanos

09 Apr 2010 | Clique AQUI para ler estudo na íntegra em PDF.   |   comentários

  • ESTUDO PRELIMINAR SOBRE OS POBRES URBANOS



“Entre as vastas extensões de terras e as maravilhas da tecnologia, que além da terra conquistou os céus para o homem, a burguesia conseguiu converter nosso planeta em uma suja prisão” [1]

Apresentação

A pobreza urbana tem sido uma condição estrutural do capitalismo e não um produto original do neoliberalismo do final do século. Entretanto, a acumulação de riqueza de um lado e a miséria do lado da classe que produz seu produto na forma de capital, nos dizeres de Marx, se foi exacerbando. O pós-guerra e o pacto reformista criaram a idéia de que a classe operária poderia, sob o capitalismo, mudar a sua condição de escravo assalariado. O fim do neoliberalismo e a crise capitalista em curso colocam em primeiro plano a verdadeira situação das classes trabalhadoras e do povo pobre sob o capitalismo. Os breves apontamentos sobre a pobreza urbana, e em particular brasileira, são fundamentos para construir hipóteses em relação ao papel que dos pobres urbanos na crise capitalista atual.

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Como breve introdução, indicaremos as características e o significado do vasto processo de urbanização ocorrido mundialmente e no Brasil, durante as últimas décadas, como um fenômeno de classe moderno, que explica as transformações sociais e culturais da vida nas grandes cidades, de fins do século XX e início do século XXI [2].
Consideraremos também, o desenvolvimento da desigualdade social [3] demonstrada no crescimento exponencial das favelas e, sua contrapartida, o crescimento de bairros privados das classes proprietárias e os novos ricos, “amuralhados”, “preservados do perigo dos pobres” como uma verdadeira urbanização racista e segregacionista que iguala pobreza e criminalidade [4]. Como assinala M. Castells se observa a tendência à organização do espaço em zonas de forte heterogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não somente em termos de diferença, como também de hierarquia [5].

As fronteiras urbanas – legais, ilegais, usurpadas, favelas – marcadas por origens de classes, preconceitos sociais e culturais que condenam a pobreza e justificam a exclusão, tem uma sustentação social nas classes médias altas, e a partir desta para o conjunto da classe média, através das quais a grande burguesia economicamente poderosa, mas socialmente minoritária, encontra as formas de mediação necessária para garantir sua dominação sobre o proletariado e as classes e grupos sociais entre si.

A criminalização da pobreza durante o ciclo neoliberal, tem se aprofundado e merece um aparte especial. Aponta o norte-americano Mike Davis, agora mesmo no Haiti em Porto Príncipe, Brasil e EUA estão colaborando no desenvolvimento de um modelo de intervenção para espaços urbanos pobres que implica investimentos e reformas módicas, mas permite, por exemplo, a volta da polícia a esses locais ou baixar o custo de forças de manutenção da paz – que, no caso do Iraque, é altíssimo. É uma tentativa de combinar o estado da arte em tecnologia militar com algum tipo de presença física mínima para legitimar o Estado ou o governo local [6]. A nova orientação estatal considera que os futuros cenários de violência estarão concentrados em megacidades que congregam enormes contingentes de pobres urbanos e sugere a intervenção militar direta sem excluir “guerras de baixa intensidade” [7].

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Apontaremos algumas considerações sobre o velho-novo fenômeno social dos “pobres urbanos” tentando responder aos enfoques que o definem excludentemente por esta unidade identitária ou cultural, sem a qual seria impossível compreender as formas de sociabilidade próprias, mas insuficientes, ao mesmo tempo, para reconhecer sua ampla heterogeneidade constituinte [8]. Dissolvendo grupos marginais e “sem classe” crônicos com setores que, ainda compartilhando similares condições miseráveis de vida nas favelas, mantém laços de identidade desigual com a classe operária. As limitações deste enfoque identitário se apresentam no terreno das possibilidades políticas, ao não distinguir a identidade como assalariados de uma camada de pobres urbanos que, a partir de uma perspectiva de classe, possibilita pensá-los como aliados e integrantes dos grandes contingentes proletários com potencial anticapitalista. Em contrapartida, tampouco os distingue daqueles setores despossuídos crônicos, que podem atuar como fermento e base social de ações violentas contra a classe operária.

É importante mencionar, também, aqueles que integram os pobres urbanos nos “novos movimentos sociais” que adquiriram protagonismo na resistência ao ciclo neoliberal e que, na maioria dos casos, apresentam abordagens substitucionistas do proletariado; considerando que os processos de conflitividade social tradicionais (sindicatos) devem ser superados por novas formas organizativas e redes sociais de autogestão e autogoverno, à margem das relações mercantis e de exploração. Alguns destes apontamentos tiveram peso entre os zapatistas de Chiapas, os camponeses sem terra no Brasil, os movimentos indigenistas na Bolívia ou os movimentos de desempregados “piqueteiros” na Argentina. O peso que adquiriram essas abordagens a partir os pobres que resistem está relacionado não somente com o crescimento exponencial da pobreza das últimas décadas, mas também com o questionamento do papel da classe trabalhadora a partir das transformações profundas em sua composição e fisionomia, de sua desorganização social e política, do retrocesso de suas organizações e subjetividade.

Finalmente, os apontamentos que a partir a classe trabalhadora reconhecem a diminuição ou transformação do setor industrial tradicional, combinado com uma significativa sub-proletarização do trabalho, mas ao contrário de um adeus ao proletariado, o interpretam como um amplo leque de agrupamentos e segmentos que compõe a classe-que-vive-do-trabalho [9].

O sociólogo Chico de Oliveira, baseado nas transformações operadas na classe operária e centrado no caso brasileiro, dissolve junto com o fim do proletariado fordista a classe operária como concretamente se apresenta no período pós-neoliberal. E o faz por duas vias: interpretando o novo fenômeno de pauperização como a perda do “caráter de classe” de suas filas e a constituição do que denomina uma nova classe social, definida por seu acesso aos fundos públicos e seu controle sobre eles [10]. A resultante social, segundo este autor, seria uma nova classe operária incapacitada estrutural e politicamente para enfrentar-se com o capitalismo, já que tem “algo mais que amarras para romper”, que convive junto a um setor majoritário de trabalhadores, em empregos informais, precarizados e desempregados, cuja resposta impotente e sintomática tem sido o aumento da delinqüência violenta. Em síntese, esta bipolaridade seria um impedimento para o desenvolvimento do potencial anticapitalista e a recomposição da solidariedade de classe. É correto assinalar que se produziram grandes mudanças na classe operária tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo, mas a análise de Chico de Oliveira, ainda que demonstre parte desta metamorfose, não dá conta da relação de unidade diferenciada no interior da classe trabalhadora.

Por último adicionaremos uma seção que resgata alguns exemplos de atuação e organização dos pobres urbanos e aspectos da atualidade programática das propostas marxistas.

[1Manifesto da IV Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial, maio de 1940.

[2Assim descrevia Engels: “Na realidade a burguesia conhece apenas um método para resolver da sua maneira a questão da moradia, ou seja, para resolvê-la de tal forma que a solução sempre volta ao problema original. Este método se chama Haussmann. Entendo aqui por Haussmann, não somente a maneira específica bonapartista do Haussmann parisiense de traçar ruas largas, largas e retas através dos bairros operários construídos estreitamente, e rodeá-las de cada lado com edíficos luxuosos; sua finalidade, além do caráter estratégico tendente a tornar mais difícil a luta com barricadas, era formar um proletariado da construção específicamente bonapartista e dependente do Governo, e dessa forma transformar Paris numa cidade de luxo [...] Em ‘A situação da classe trabalhadora na Inglaterra’ fiz uma descrição da Manchester de 1843 e 1844. Posteriormente, as linhas de trem que passam através da cidade, a construção de novas ruas e o erguimento de grandes edifícios públicos e privados fizeram com que alguns dos piores bairros que mencionava sejam cortados, arejados e melhorados; outros foram inteiramente derrubados; mas ainda há muitos que se encontram no mesmo estado de decrepitude, senão pior do que antes, apesar da vigilância da inspeção sanitária, que se tornou mais estrita. Por outro lado, como resultado da enorme extensão da cidade, cuja população tem aumentado em mais da metade, bairros que então eram ainda arejados e limpos, estão hoje tão sujos, tão obstruídos e superpovoados como o estavam em outro tempo as partes de pior fama da cidade”. F. Engels, Como resuelve la burguesia el problema de la vivienda, Capítulo III, M.I.A. [Marxism Internet Archive].

[3No Brasil a renda dos 20% mais ricos é quase 22 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres. Na China é de 12,2%, Rússia 7,6% e India 5,6%. (O Globo, 28/11/07).

[4Qualquer experiência comum do espaço público se converte em ilusória pelo abismo quase infinito entre as classes […] Mais de 200 heliportos que fazem necessário o controle do tráfico aéreo em São Paulo, e policiais privados cujo contingente excede o das forças estatais. Por outro a impclável luta pela sobrevivência nas favelas das grandes cidades... Francisco de Oliveira, Lula no labirinto.

[5M. Castells, A questão urbana, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

[6Extraído da revista O Estado de São Paulo, Grandes reportagens. Megacidades, São Paulo, agosto de 2008.

[7Como já foi reconhecido por distintos meios, jornalistas e analistas: cinco anos de Minustah, e o Haiti continua o país mais pobre do Ocidente. Desde o início de 2004, as tropasque tiveram participação de 20 países, comandadas pelo Brasil, são acusadas de cometer massacres, assassinatos, estupros e outras violações, sobretudo com a população mais pobre.

[8Podem considerar-se antecedentes destas capitulações identitárias as abordagens que, desde os anos 1960, rechaçaram o trato da pobreza e sua relação com as relações de classe desde uma lógica sistêmica, centrados nas formas não econômicas de segregação. Lembremos de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari que iniciaram o debate sobre as formas de expulsão e segregação exercidas de forma regular e naturalizadas, ressaltando-as como o resultado de uma larga e trágica prática social estabelecida a partir do século XVII.

[9Ricardo Antunes, A centralidade do trabalho hoje.

[10Francisco de Oliveira, Lula no labirinto.

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