Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

CONFLITO ISLÂMICO NO IRAQUE

Estoura uma nova guerra civil no Iraque

22 Jun 2014   |   comentários

No Iraque estourou novamente a guerra civil entre sunitas e xiitas, os dois grandes grupos nos quais se divide o mundo muçulmano. Depois de vários dias de sangrentos combates, já são centenas de mortos e feridos e dezenas de milhares de desabrigados.

No Iraque estourou novamente a guerra civil entre sunitas e xiitas, os dois grandes grupos nos quais se divide o mundo muçulmano. Depois de vários dias de sangrentos combates, já são centenas de mortos e feridos e dezenas de milhares de desabrigados. O norte do país tem ficado sob controle dos insurgentes sunitas que estão dando mostras de uma grande crueldade e selvageria para atemorizar a população. O exército iraquiano, treinado durante anos pelos EUA, tem se mostrado totalmente impotente pra frear as milícias do Exército Islâmico do Iraque e o Levante (EIIL) que já controla cidade chave como Mosul,segunda cidade mais importante do Iraque, Tikrit, Kirkuk ,assim como a zona de Tal Afar, na fronteira com a Síria.

O EIIL conta também com o apoio das tribos sunitas do norte do país, assim como do restante do partido Baaz do ditador Sadam Hussein. Na terça feira, dia 17 de junho, os combates chegaram à cidade de Baiji, sede da refinaria mais importante do país que teve de ser fechada e interromper sua produção, chegando também à cidade de Bakuba localizada a apenas 60 km da capital Bagdá. Mesmo que as tropas do EIIL não chegassem até a capital, nela atuam por meio de atentados, em sua maioria com carros bomba, que já custaram a vida de de centenas de pessoas.

A gravidade da situação é tamanha que os líderes religiosos xiitas tem formado milícias que buscam frear junto ao exército, os ataques das forças sunitas, e o governo do primeiro ministro xiita Al Maliki pediu oficialmente ajuda militar aos EUA. Mas a administração norteamericana descartou envolver-se com tropas no terreno (e exceção de cerca de 300 comandos especiais para proteger sua embaixada em Bagdá) e está analisando uma intervenção parcial com drones (aviões e helicópteros não tripulados), operação que é difícil tratando-se de milícias mescladas no meio da população civil já que acarretaria numa grande quantidade de "danos colaterais" que afetariam ainda mais a já desprestigiada imagem dos EUA.

Al Maliki busca seu terceiro mandato ao custo de aumentar as tensões

O aumento dos ataques e atentados por parte dos EIIL e da violência sectária em geral já acontece desde o começo do ano e ao final de abril havia acumulado 3000 mortos. A campanha eleitoral para as eleições legislativas durante esse mês foi banhada em sangue pela profusão de atentados e ataques armados. Em 30 de abril, foram eleitos 328 deputados para o parlamento que por sua vez, deve eleger o primeiro ministro, cargo para o qual o atual primeiro ministro xiita, Al Maliki e que governa desde 2006, deseja ser reeleito. A lista de Maliki obteve a maioria mas sem alcançar o suficiente para governar por si mesma, dessa forma, será preciso alianças com outras formações o que tem sido impossível até agora.

Nos acordos para a retirada dos EUA em 2011, foi estabelecido uma precária convivência pacífica entre xiitas, sunitas e curdos para manter tipo de governo de coalizão nacional que outorgaria certa estabilidade política ao país. Mas os grandes interesses econômicos, ligados sobretudo aos controle dos poços petrolíferos, a discrição na distribuição dos postos nas forças de segurança e na administração pública (duas das escassas fontes de trabalho em um mar de desemprego), e as rivalidades entre as religiões que cada líder fomenta para aumentar seu poder, foram afundando os débeis acordos firmados em 2011.

Al Maliki tem sido um dos mais ativos promotores destas divisões sectárias e da marginalização dos sunitas, incluindo a perseguição e prisão dos líderes parlamentares sunitas e até daqueles que faziam parte de seu governo. Em cidades sunitas como Faluja, o exército tem realizado repressões sangrentas com dezenas de mortos. As promessas de "unidade nacional" tem desaparecido dos discursos de Maliki enquanto cresceram seus ataques contra os "extremistas" sunitas. Paralelamente tem concentrado poder colocando homens próprios e frente dos diversos ministérios (sobretudo aqueles vinculados à segurança) rompendo de fato com a "divisão do poder" com sunitas e curdos acordada em 2011. Toda esta política tem sido rechaçada inclusive entre seus próprios aliados xiitas.

Diante da crise política que tem levado a esta nova guerra civil, também é importante ter em conta a situação social do país. Por trás das guerras imperialistas (1991 e 2003), anos de sanções econômicas, e a ocupação norteamericana até 2011, a falta de emprego afeta quase 60% da população economicamente ativa, 28% da população vive abaixo da linha da pobreza e existe um enorme déficit nos serviços públicos.

A crise ucraniana como pano de fundo

A crise atual é sem dúvida a crise mais importante desde a retirada das tropas dos EUA em 2011 e é uma consequencia não desejada dos grandes conflitos geopolíticos que se desenvolvem a nível internacional e que a Casa Branca é incapaz de conter. A enorme crise que perturba a Ucrânia segue seu curso e não apresenta horizonte de solução. Pelo contrário, a guerra civil no leste tem se somado ao fracasso das negociações entre Moscou e a nova administração de Kiev, encabeçada pelo magnata pró-Europa Porochenko, em torno do pagamento da gigantesca dívida que mantem a Ucrânia com a Rússia pelo provimento de gás natural. O governo de Putin decidiu finalmente jogar sua carta forte e cortou o abastecimento e condicionou futuras entregas de gás ao amargo pagamento adiantado, relação impossível de ser enfrentada pela Ucrânia dada sua situação de virtual quebra econômica.

Mas como era de se esperar, esta decisão russa não fez senão que agravar a situação, no dia seguinte ocorreu um atentado contra o gasoduto mais importante com o qual a gigante russa Gasprom abastece seus clientes europeus. As chamas de até 200 metros de altura gravaram a magnitude da crise e deram-na uma cor ainda mais drástica.

Crise da hegemonia norteamericana

A impotência para contornar a crise ucraniana por parte das potências imperialistas, sobretudo dos EUA, está produzindo uma maior instabilidade a nível mundial já que evidencia a "falta de liderança" da maior potência do planeta. Isto havia se expressado também na guerra civil síria, onde apesar de haver traçado uma "linha vermelha" que habilitaria uma intervenção armada com o uso de armas químicas por parte do regime de Al Assad, Obama teve que ceder à pressão russa (aliada de Assad) e não intervir. O que terminou fortalecendo o ditador e colocando na defensiva a oposição armada; as matanças e os bombardeios de Assad contra a população civil continuaram e finalmente se "legitimou" com eleições "blindadas" que lhes deram 98% dos votos.

A crise da hegemonia norteamericana deu um salto com o fracasso da estratégia guerreirista de George Bush e dos neoconservadores que dirigiram a Casa Branca entre 2001 e 2009. O objetivo que haviam traçado de recuperar influência política a nível global utilizando seu maior ativo, o enorme poder militar, fracassou em toda a linha. As invasões ao Afeganistão em 2001 e ao Iraque em 2003, acobertadas pela farsa da "guerra contra o terrorismo", ao invés de reforçar sua autoridade, acabaram opor aumentar o desprestígio internacional dos EUA. Foram desmascarados seus verdadeiros objetivos econômicos com relação aos multimilionários negócios petrolíferos, as espúrias mentiras construídas como por exemplo, a suposta existência de "armas de destruição em massa" no Iraque, as atrocidades cometidas contra a população cujos expoentes máximos foram as torturas e as prisões de Abu Graib (Iraque) e Guantánamo (Cuba) ou o negócio da "terceirização" da guerra por meio de empresas contratadas.

Neste país, depois da derrota do odiado ditador Sadam Hussein e ocupar o país com mais de 150.000 tropas , os EUA, ao invés de conseguir seu objetivo político que era criar um novo regime estável e funcional aos seus interesses, terminou provocando uma longa guerra de resistência à ocupação que deixou cerca de 400 soldados ianquis mortos e em seguida, uma guerra civil entre xiitas e sunitas que estancou o país e que levou muito tempo para conter precariamente. A subida ao poder dos xiistas no Iraque (mais de 60% da população, concentrada no sul do país, se reivindica desta crença) ajudou a fortalecer potências hostis aos EUA como é o caso do Irã (com uma população 90% xiita, ainda que entre os clérigos iranianos e iraquianos sustentem por sua vez, diferenças importantes) com o qual, longe de facilitar uma reconfiguração do mapa político do Oriente Médio que seja favorável aos EUA, a posição norteamericana se encontra debilitada no longo prazo.

O governo de Barack Obama que tomou posse em 2009, reconheceu a derrota e a inviabilidade da estratégia neoconservadora para sair da profunda crise de hegemonia em que estão imersos os EUA e ao final de 2011, o exército norteamericano começou a retirada de suas tropas do Iraque. Esta retirada também responde as novas mudanças na geopolítica mundial como a crescente influência da China na Ásia e o Pacífico, região onde os EUA vem colocando toda a sua atenção com a finalidade de impor limites à China.

O fracasso da "estratégia de saída" de Obama

A tarefa de controle interno no Iraque passou então para as mãos de seu governo. Mas como assinalamos desde o começo, a debilidade de Al Maliki, somada aos demais fatores internacionais e à crítica situação regional onde a recuperação de Al Assad na Síria (país majoritariamente sunita) após três anos de guerra civil, está obrigando grupos armados sunitas a recuar sobre o Iraque, tem desencadeado esta ofensiva sunita em todo o norte do país.

A situação é tão difícil para a administração Obama que no Iraque esta está começando a atuar "no mesmo campo" que o Irã, país que, apesar de ter mudado no último ano, a orientação de confronto que era imposta pelo verborrágico ex-presidente Ahmadinejad, por outra mais conciliadora nas mãos de Hassam Rouhani, continua sem poder resolver o conflito nuclear com EUA e a realidade os encontra em caminhos opostos na Síria, ou no conflito Palestino-israelense.

Obama não quer intervir com tropas, em primeiro lugar porque seria voltar em direção à fracassada estratégia da Era Bush assim como também um reconhecimento de que tem sido fracassada sua política de retirada iniciada em 2011. No entanto, a inação tampouco é uma boa opção já que possivelmente vai tornar a situação imprevisível e incontornável e até ter consequencias regionais para além do Iraque, seja com Irã, a Turquia (país com o qual o Iraque compartilha a questão curda, que está se acentuando com o conflito sunita-xiita), Síria ou Arábia Saudita.

Não é possível saber até onde vai chegar a situação e até onde intervirá os EUA, mas certamente está se evidenciando a debilidade do governo de Maliki e sobretudo, do exército iraquiano que está sendo completamente superado no terreno, e mais uma vez, fica demonstrada a derrota dos objetivos estratégicos da sangrenta invasão norteamericana ao Iraque, assim como o aprofundamento de sua crise de hegemonia.

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