Quinta 18 de Abril de 2024

Movimento Operário

Entrevista com a Comissão de Trabalhadores do Hospital Cândido Ferreira em Campinas

27 Dec 2014   |   comentários

No último dia 9 de dezembro, após assembleia, trabalhadores do Hospital especializado em Saúde Mental, Cândido Ferreira, entraram em greve por atraso no pagamento do décimo terceiro salário. Antes da véspera de Natal, a greve foi encerrada com o pagamento dos salários atrasados, mas a luta contra o desmonte e a privatização da saúde pública em Campinas está longe de terminar. A seguir, entrevista com a Comissão de Trabalhadores do Hospital Cândido (...)

Palavra Operária: Como se iniciou a greve no Hospital Cândido Ferreira em Campinas? Qual foi a pauta principal da greve?

A greve iniciou no dia 09 de dezembro pelo atraso no pagamento do 13 salário.
Os trabalhadores na semana anterior haviam feito uma assembleia em conjunto com o Sinsaúde na qual foi encaminhado o estado de greve e sua deflagração no dia 09 de dezembro de 2014 (após 72h como indica a lei).

É importante lembrar que o ano passado (2013) nessa mesma época, fomos as ruas pelo mesmo motivo e também com a preocupação com o desmonte anunciado na Saúde Mental de Campinas. E em junho desse ano, estávamos novamente as ruas por um atraso de aproximadamente uma semana na prorrogação do convênio entre Cândido e Prefeitura, o que teve como consequência o atraso dos salários dos trabalhadores.

Palavra Operária: Os trabalhadores do hospital já tem um histórico de luta na cidade, vocês poderiam comentar um pouco sobre essa história e qual a importância do Hospital Cândido para saúde pública na região?

Campinas tem uma história de luta muito forte, tanto dos usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental, desde a década de 90 o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, foi um dos primeiros Hospitais a aderir ao movimento da Luta Antimanicomial e Reforma Psiquiátrica e pensar a criação de redes substitutiva ao modelo asilar(internação) que era utilizado como única alternativa para as pessoas com questões de saúde mental. Nessa época havia mais 5 hospitais psiquiátricos na cidade. Em 1990 foi feita uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Campinas e o Serviço Dr. Cândido Ferreira para criar uma política efetiva para os pacientes de saúde mental no município. Dessa forma foi criada uma lei de co-gestão entre essas instituições, que vigora até hoje, tornando o Cândido um parceiro diferenciado da prefeitura, pois é 100% SUS, ou seja, toda a sua atividade é voltada ao Sistema único de Saúde e recebe financiamento somente dele.

Dessa forma, não é meramente um conveniado, a responsabilidade é dividida entre essas instituições. Nesse sentido ambos tem responsabilidade perante o atendimento da população.

Hoje temos uma rede importante ao atendimento a saúde mental em Campinas, com Centros de Atenção psicossocial para infância e adolescência (Caps i), Centros de Atenção psicossocial para álcool e drogas (Caps A/D), Centros de Atenção psicossocial para atender adultos com questões de saúde mental, com leitos que funcionam a noite (Caps III), Oficinas de trabalho, Centros de Convivência, Ponto de Cultura, Serviços residenciais terapêuticos (SRT), equipe de consultório na rua, redutores de danos, além de um Núcleo de Retaguarda para atendimento a momentos de crise mais graves). Esses serviços seguem a lógica da territorialização dos atendimentos, facilitando a adesão dos usuários por serem locais mais próximos a suas residências e convivência.

Mudou a lógica do atendimento aos usuários da saúde mental com respeito aos direitos humanos e construção da cidadania.

Palavra Operária: Como se deu a organização das trabalhadoras e trabalhadores do Cândido para construir o movimento grevista no hospital? Qual a importância que vocês veem do trabalho de base num hospital com unidade de atendimento tão dispersas e variadas?

Pela complexidade da rede difundida pela cidade (20 unidades pela cidade e 5 unidades em Sousas), foi mais difícil a organização do movimento dos trabalhadores e em consequência a greve. Porém foram realizadas rodas de conversa constantes com os usuários e familiares e assembleias diárias dos trabalhadores no período da manhã e da tarde em todos os dias da greve para direcionar o movimento. Esse fato facilitou a comunicação e tomada de decisões de forma democrática. Assim, criávamos estratégias diárias de onde iam ser nossas manifestações.

Palavra Operária: E o sindicato, o Sinsaúde, como tem atuado? Como vocês avaliam a responsabilidade do governo Alckmin (PSDB) e da prefeitura de Jonas Donizzetti (PSB) na atual situação dos trabalhadores e na estrutura do hospital?

O grande problema é que a atual gestão da prefeitura de Campinas não reconhece as dívidas que ficaram de gestões passadas da prefeitura com o Cândido. Essas dívidas refletem na parte financeira da instituição e quem acaba sofrendo com essa situação são os trabalhadores e usuários, pois falta financiamento para todo o custeio, visto a necessidade de pagamento dos empréstimos anteriores.

Quanto ao governo do Estado de São Paulo, a problemática que vemos é o investimento em outros tipos de equipamentos como CRATODS e comunidades terapêuticas. Equipamentos esses, que nós técnicos e especialistas em Saúde Mental não acreditamos como eficientes ao cuidado em saúde mental devido à complexidade dos casos. Acreditamos na potencialidade das redes de saúde mental e seus equipamentos. Vemos o não investimento nessa política (redes de saúde mental) como um retrocesso ao movimento da Luta Antimanicomial, pois volta a lógica da internação como única alternativa ao tratamento das pessoas com questões de saúde mental e álcool e drogas.

Quanto a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC), consideramos muito ruim a relação de instabilidade entre Cândido e a Prefeitura. A PMC não reconhece mais a parceria de co-gestão e trata o Cândido como um conveniado e isso tem impactos diretos na assistência e no nosso trabalho. Como por exemplo, a ameaça de não repasse integral, caso não atinja a meta estabelecida. Esse conceito em saúde é muito questionável, já que as necessidades de saúde podem ser flutuantes.

Outro fator é que não conseguimos mais avançar na formulação de políticas. Campinas já foi pioneira de várias políticas ministeriais como CAPS III, apoio matricial e residências terapêuticas. Mas, para isso, é preciso o mínimo de estabilidade e parceria para a evolução das políticas públicas. Com o endurecimento desses “contratos” através das metas, e a instabilidade vivida recorrentemente pelos trabalhadores, isso se torna praticamente impossível.

Palavra Operária: Como tem sido o apoio da população de Campinas e região para a luta dos trabalhadores no hospital? Qual a importância de o movimento de greve buscar o apoio da população?

Como a saúde mental lida com pessoas com história de muitos anos de exclusão, vítimas de preconceito e ausência de direitos, a população ainda desconhece a rede de atendimento e sua importância, muitas vezes por falta de informação, ainda acreditam no estigma de que essas pessoas são violentas, perigosas e acabam não apoiando o movimento. Isso dificulta a luta da saúde mental, quando temos a população a favor, fica mais fácil brigar e ter visibilidade. Apesar disso, os problemas de saúde mental tem se difundido e afetado cada vez mais a sociedade, o que faz ser importante discutirmos essa temática nos vários espaços. Temos conseguido construir movimentos fortes dentro dos conselhos locais e no Conselho Municipal de Saúde.

Palavra Operária: Por fim, qual perspectiva de vocês para a continuidade da luta no Cândido Ferreira para o próximo ano?

Estamos apostando na importância do apoio do Conselho Municipal de Saúde (órgão máximo do controle da sociedade em relação ao SUS no município) para o movimento dos Trabalhadores. O fato de Campinas ser referência em Saúde Mental, acaba por atrair profissionais de grande qualidade para trabalharem com saúde mental e que tem muita experiência no que fazem. Porém, essa instabilidade entre Prefeitura e Cândido tem afastado esses trabalhadores e muitos já pediram demissão ou vão para outros municípios onde a política está mais clara e na perspectiva de avanços. Nesse sentido, vamos nos organizar ainda mais para lutar pela rede de saúde mental de qualidade no Município. Pois ao que tudo indica, pelo atual governo da cidade, ano que vêm será muito difícil pela pressão que tem ocorrido em todo o país para a privatização da saúde, o que na maioria das vezes gera o sucateamento das redes, visto que a saúde não deveria ser uma atividade de mercado ou comércio. Geralmente o serviço de saúde mental é considerado “caro”, pois pela complexidade dos casos é necessário uma equipe multiprofissional e estrutura adequada para tal. Porém, acreditamos que a população campineira precisa de uma política e de serviços de qualidade.

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