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Debates

Entrevista com Mara da Corrente Operária

29 Apr 2007 | A seguir publicamos uma entrevista com Mara, trabalhadora dos Correios do ABC, militante do movimento negro e do Hip Hop. Na entrevista, ela fala sobre a posição da Corrente Operária com relação ao PSOL, a experiência que teve no ano passado como candidata a deputada estadual e sua militância no combate à opressão racial, sendo que hoje ela é alvo de racismo nos Correios.   |   comentários

O que vocês da Corrente Operária opinam sobre o PSOL?
O PSOL surgiu a partir da greve contra a reforma da previdência do Lula em 2003 e significou uma primeira onda de rupturas com o PT. Em seus primeiros momentos o PSOL teve um caráter indefinido. Ainda que as direções que romperam com o PT e conformaram o PSOL desde o início faziam questão de demonstrar que sua ruptura era meramente organizativa e não política, pois continuavam defendendo a aliança com setores burgueses descontentes com o neoliberalismo; caso se desenvolvesse um processo de radicalização política no movimento operário, não estava descartada a hipótese de que setores da classe trabalhadora desiludidos com Lula e o PT, pudessem ver o PSOL como uma alternativa política para se organizarem. Mas não foi isso que se deu. A segunda metade do governo Lula foi de baixa intensidade da luta de classes e de alta popularidade do governo. Mesmo a crise do mensalão foi muito “por cima” .. Mas digo mais: mesmo não havendo um processo de mobilização de massas, o PSOL deveria ter cumprido um papel de ligar-se aos setores mais avançados que se desiludem com Lula, ajudando a formar uma vanguarda de trabalhadores que avançasse no combate pela independência de classe. Hoje, o que concluímos pelos fatos, é que o PSOL não respondeu à falência do PT, porque repete os rumos da conciliação de classes. Predominaram as direções pequeno-burguesas e reformistas do partido e seus parlamentares, que sob o discurso de combate ao “capital financeiro” radicalizaram cada vez mais seu programa de aliança com setores da burguesia descontentes com o neoliberalismo.

E as eleições?
As eleições foram um salto de qualidade. O eixo político do PSOL estava dirigido aos setores da burguesia prejudicados com o neoliberalismo e aos setores mais conservadores das classes médias, com um discurso de redução de juros e de renovação “ética” das instituições dessa democracia podre dos ricos. Ao mesmo tempo, como não poderia ser diferente, o PSOL se afastou ainda mais das demandas reais dos trabalhadores. Durante a campanha eleitoral, frente à greve dos operários da Volks contra as 6 mil demissões ameaçadas pela patronal, Heloísa Helena defendeu que o BNDES não suspendesse o empréstimo que fornecia à empresa. Vergonhosamente, não houve nenhuma revolta das bases do PSOL ou de suas correntes que buscam se colocar à esquerda de Heloísa Helena; e nem tampouco houve qualquer política por parte do PSTU para que isso acontecesse. Além disso, Heloísa Helena se colocou contra a legalização do aborto, defendeu a reforma agrária nos marcos da constituição burguesa, entre outros absurdos.

E qual a dinâmica do PSOL depois das eleições?
Depois das eleições, houve outro salto de qualidade, como a conivência do partido à aprovação do Super-Simples, lei que flexibiliza os direitos trabalhistas das micro e pequenas empresas, que abarcam 60% da classe trabalhadora brasileira. E logo em seguida vemos o PSOL, nas eleições para a Presidência da Câmara, participar da “terceira via” , movimento de oposição ao governo que incluía partidos burgueses de todo tipo.Existem trabalhadores e jovens honestos dentro do PSOL, que entraram no partido pensando naquilo que ele poderia se transformar, depois da desilusão com o PT. Mas hoje é necessário concluir que a direção do PSOL consolidou, tanto no discurso como na prática, um programa e uma concepção de partido que se contradiz com as reais demandas das massas e com a luta pela independência política da classe trabalhadora.

Por quê?
Por que os setores da burguesia que o PSOL busca atrair com seu programa de redução das taxas de juros é um dos setores que mais brutalmente exploram a classe trabalhadora. É o setor da burguesia que não tem dinheiro para investir em tecnologia no mesmo patamar que os donos dos grandes monopólios ligados ao Estado e às finanças internacionais, para reduzirem os preços de suas mercadorias e serem mais competitivos no mercado. Então, pra poder competir, os pequenos e médios empresários aumentam a jornada e os ritmos de trabalho, deixam de pagar direitos e pagam salários mais baixos. Não é à toa que o PSOL defende um salário mínimo miserável de R$ 700,00, que nenhum trabalhador pode acreditar que seja suficiente para sustentar uma família. Não é à toa que o PSOL defende a auditoria e negociação da dívida pública ao invés do não pagamento, pois estes setores da burguesia entendem que através de uma moratória como a que a Argentina decretou em 2003 vão ser favorecidos com subsídios fiscais. São justamente os setores que foram mais beneficiados com o Super-Simples.

É por isso que o programa do PSOL não chega a ser nem reformista no sentido de lutar por melhorias reais nas condições de vida da classe trabalhadora, como chegou a ser o programa do PT em seus princípios. E um programa como este não pode mais que moldar um partido policlassista capaz de abarcar pequenos empresários racistas como César Benjamin, quilómetros luz de distância do caráter classista que teve o PT em suas origens.

E então, o que fazer?
Nós sempre defendemos e continuamos a defender que a questão estratégica fundamental é construir um partido leninista de combate para armar a vanguarda da classe operária brasileira de um instrumento político através do qual ela possa dirigir o conjunto do povo explorado e oprimido para uma revolução operária e socialista. É nesse sentido que temos discutido com os companheiros da LER-QI a história da luta de classes no Brasil através da discussão que eles fazem em torno de suas Teses Fundacionais. Mas temos que reconhecer que os que nos reivindicamos revolucionários hoje no país, mesmo juntando as distintas organizações que existem, não são mais que alguns milhares, e isso já incluindo as periferias políticas das organizações. E nossa tarefa é dirigir milhões ou dezenas de milhões, a maioria dos quais hoje se encontra sob a influência da burguesia, do PT, de Lula. Nós revolucionários precisamos adotar táticas que nos aproximem das massas e ajudem elas a avançar em sua independência política com relação à burguesia, pois essa é a forma de que as idéias revolucionárias alcancem setores mais amplos das massas. Querendo ou não, os sindicatos, por mais que se restrinjam na maior parte das vezes a discussões económicas, têm uma importante influência sobre os trabalhadores. Opinamos que os sindicatos da Conlutas e da Intersindical, dirigidos pelo PSTU e pelo PSOL, ao invés de restringirem suas atividades às campanhas salariais e a marchas contra as reformas neoliberais duas vezes por ano em Brasília, deveriam abrir em suas bases uma discussão democrática sobre que programa e que estratégia deve ter um partido proletário para lutar contra os patrões e o governo. Cremos que um movimento como este poderia fortalecer enormemente a luta contra Lula, o PT e a burocracia cutista.

Você falou sobre o PSOL na campanha eleitoral. Que avaliação vocês fazem sobre a sua candidatura a deputada estadual no ano passado?
Lançar a candidatura foi um desafio audaz por vários motivos. Primeiro porque sabemos o quanto a democracia burguesa é uma farsa e as candidaturas dos trabalhadores enfrentam imensas dificuldades. Além disso, era a candidatura de uma jovem mulher negra levantando as bandeiras do povo negro, enfrentando o racismo enraizado na sociedade, seja explícito ou disfarçado na outra farsa, a democracia racial. E decidimos, de maneira correta, dar muito peso e colocar como um eixo fundamental da campanha a luta contra as demissões em massa. Não por acaso nos chocamos com a orientação da campanha de Heloísa Helena, do PSOL e da Frente de Esquerda. Colocávamos que era necessário aproveitar os holofotes do período eleitoral para chamar o apoio e mobilização em defesa dos direitos da nossa classe, como era a luta contra as demissões, levantando um programa de confronto à burguesia. Por outro lado, Heloísa Helena falava que se fosse governo faria parcerias com os empresários para combater o desemprego. Nós dizíamos também que o período eleitoral precisava ser utilizado para ajudar os trabalhadores a romper as ilusões com o regime burguês. Heloísa Helena defendia por todos os cantos a ética para limpar as instituições do regime.

E vocês também combateram a posição de César Benjamin que se colocou contra as cotas raciais...
César Benjamin não só se colocou contra as cotas raciais e fez sua posição aparecer como se fosse posição do PSOL e da Frente de Esquerda. Para ele, não há negros nem brancos: no Brasil são todos mestiços; e assim, conclui que as políticas específicas para os negros não têm fundamento! Ao mesmo tempo em que repudiamos essa postura, também não nos satisfazemos com consignas quase de rodapé “contra o racismo” em geral, como foi o Manifesto da Frente de Esquerda. Nós da Corrente Operária não nos julgamos detentores de um programa acabado para a questão negra no Brasil ’ justamente porque entendemos como uma questão tão fundamental para a revolução no Brasil, buscamos enxergá-la em sua complexidade. Ao mesmo tempo, não deixo de reivindicar a firmeza que tivemos em defender na campanha importantes demandas do povo negro, como a incorporação dos negros e negras ao mercado de trabalho, punição às empresas que não contratam negros ou pagam salários diferenciados, pelas cotas raciais e condições para permanência dos negros e negras na universidade, por titulação e subsídios para as terras quilombolas, entre outras questões importantes.

Falando dos negros no mercado de trabalho, qual a situação que você está vivendo hoje nos Correios?
Estou sendo alvo de um caso escandaloso de racismo: uma gerente de agência me informou que eu teria problemas para trabalhar como atendente por causa do meu cabelo (os dreads). Ela disse que se eu fosse trabalhar como carteira ou na triagem (um serviço que é feito sem contato com o cliente), não teria problemas. Mas para o atendimento, “a empresa tem exigências de aparência para transmitir segurança para os clientes” ! Um absurdo: passei em primeiro lugar num concurso tão concorrido e, além de ter que ouvir atrocidades do tipo “eu também tenho um pé na senzala” (foi o que disse essa mesma gerente, que aliás é branca), ainda corro o risco de não ser aprovada no período de experiência, sob qualquer outra justificativa, enquanto a verdade é que a minha identidade enquanto negra e os meus dreads como reivindicação dessa identidade não cabem nos guichês de atendimento Correios, uma empresa estatal. Numa sociedade que se estruturou subjugando os negros em todos os âmbitos ’ social, económico, político, ideológico ’, a boa aparência está relacionada às características do homem branco. Quantas mulheres negras até hoje são forçadas a se “embranquecer” , principalmente com os alisantes, para garantir um emprego e o sustento dos seus filhos. Aqui no ABC começamos a discutir a partir da Casa de Cultura e Política o lançamento de uma campanha de combate ao racismo, que deve se chamar “Mexeu com preto, mexeu comigo” para criar um elo entre os irmãos e irmãs negras que lutam contra o racismo que estão sofrendo e cercar de solidariedade todos os casos. Cada dia acontece alguma coisa: há poucas semanas estudantes africanos foram alvos de um atentado na Universidade de Brasília; na semana passada, Anderson que é um vereador negro em Francisco Morato foi agredido e ameaçado de morte por um policial civil dentro da universidade em que estuda na Grande SP. Isso falando dos casos que chegaram a ser relatados, divulgados de alguma forma... Por isso queremos fazer um chamado não somente ao movimento negro, mas a todos grupos e militantes que se reivindicam anti-racistas para juntar forças numa forte campanha de combate ao racismo.

Para terminar, você poderia falar um pouco sobre a Casa de Cultura e Política do ABC?
Eu digo que a abertura de uma Casa de Cultura e Política em Santo André foi outro desafio audaz que tivemos no ano passado. Inauguramos a Casa em setembro, durante a campanha eleitoral. Desde então, reunimos centenas de pessoas nas atividades que vêm sendo realizadas pelos militantes da Corrente Operária junto com outros companheiros do Hip Hop e do movimento negro. A proposta é que a Casa seja um espaço para os trabalhadores, o povo negro e a juventude se expressarem cultural e politicamente; onde se desenvolvem reuniões, oficinas, ensaios teatrais e musicais, etc. Temos realizado o curso “Bem Vindo Lênin” no qual discutimos a história do Partido Bolchevique, buscando resgatar o melhor de suas tradições à luz dos desafios atuais [1]. Outra atividade importante é o Dia da Cabeça Preta, quando a gente recebe a visita de militantes e artistas negros de várias cidades para rodas culturais e de debate. No Dia da Cabeça Preta estamos lançando a campanha de combate ao racismo ’ teremos um espaço para relatos de pessoas que sofreram racismo e a partir dos depoimentos iremos organizar ações coordenadas. Bom, temos colocado nossas forças para que a Casa de Cultura e Política do ABC seja uma trincheira ’ ainda que uma pequena trincheira nesses tempos ainda preparatórios para os grandes combates ’ na luta contra o racismo e a exploração capitalista.

[1O curso ocorre na Casa Socialista de Cultura e Política de Santo André. Para participar, entrar em contato através do mail: [email protected]

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