Quinta 25 de Abril de 2024

Internacional

Entrevista com Christian Castillo sobre a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores da Argentina

06 Oct 2014   |   comentários

Republicamos, por ocasião das eleições brasileiras, excertos deste debate de como a esquerda revolucionária deve atuar no parlamento com as melhores tradições da classe trabalhadora mundial.

Entrevistamos Christian Castillo, dirigente do Partido dos Trabalhadores Socialistas (organização irmã da LER-QI na Argentina) e deputado estadual pela província de Buenos Aires na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT), em abril deste ano, para a primeira edição impressa da Revista Luta de Classes. Discutimos acerca da situação da classe trabalhadora na Argentina, em que condições a esquerda se defronta com a conjuntura de ataques do governo kirchnerista, o fenômeno da FIT e a estratégia do PTS no movimento operário, tema de diversos debates em países como Alemanha, Inglaterra, França, Grécia e o Estado Espanhol, durante sua viagem pela Europa.

Republicamos, por ocasião das eleições brasileiras, excertos deste debate de como a esquerda revolucionária deve atuar no parlamento com as melhores tradições da classe trabalhadora mundial, e a prova de que se pode convencer milhões de jovens e trabalhadores (a FIT recebeu 1,3 milhão de votos em outubro de 2013, elegendo três deputados federais e oito estaduais, além de dezenas de vereadores) com uma perspectiva de independência de classe e um programa que fortaleça a luta dos trabalhadores contra os capitalistas.

Revista: Pode nos descrever as condições de vida dos trabalhadores na Argentina kirchnerista, e como o PTS chega a essa nova conjuntura, marcada pela conformação da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores?

Chritstian Castillo: A argentina vive um fim de ciclo político, referente aos governos de Néstor e Cristina Kirchner, num giro claramente à direita com medidas neoliberais dignas dos ’90, em meio à deterioração econômica do país. A presidente qualificou os anos 2000 como “década de crescimento”; a realidade se mostra bem diferente do “relato” oficial. 35% dos trabalhadores estão sem carteira assinada, sem qualquer registro trabalhista legal. Mais de 50% da classe operária não recebe nem a metade do valor necessário de uma “cesta básica familiar” [montante necessário para manter uma família de acordo com a inflação, NdE]. Três milhões de famílias não têm acesso à moradia digna.

As redes ferroviárias e metroviárias da periferia, utilizadas por uma enorme porção do povo trabalhador para ir da periferia ao centro de Buenos Aires, são desastrosas. 80% dos aposentados recebem o mínimo ou um pouco mais, que representa apenas 25% da cesta básica familiar. A inflação poderá ultrapassar os 30% este ano. O governo, por sua parte, está a todo vapor aplicando o ajuste reivindicado pelos liberais: desvalorização brutal do peso, aumento das taxas de juros a 32%, rechaço às reivindicações salariais. Com este plano, o governo e a patronal querem “esfriar” a economia e frear a queda das reservas em dólares do Banco Central, que decaíram de 50 para 27 bilhões de dólares em apenas dois anos.

É um plano que beneficia o conjunto dos capitalistas, sobretudo os exportadores, agrários e industriais. Tratam de fazer os trabalhadores pagarem pelos custos da crise, como foi o caso com a desvalorização de 2002, quando o salário real caiu 40%. E para isso, servem-se de medidas “disciplinatórias” aos trabalhadores, como é o caso escandaloso da condenação à prisão perpétua dos petroleiros de Las Heras na província de Santa cruz, por saírem a lutar pelo salário em 2006, por cuja absolvição estamos levantando uma campanha nacional e internacional.

Nesse novo cenário, houve diversas lutas operárias que, pela colaboração da burocracia sindical com o governo, desenvolveram-se “por baixo”, por fábrica, empresa e local de trabalho, como expressão da recomposição objetiva da classe operária argentina. Nosso partido, o PTS, a partir do fenômeno do sindicalismo de base e da estratégia de inserção nos principais bastiões do movimento operário, participamos de grandes batalhas de classe, como em Kraft em 2009.

Mais recentemente, houve uma importante jornada de paralisação nacional a 20 de novembro de 2012, um grande testemunho do movimento operário argentino e de um setor de massas dos trabalhadores que começavam a romper pela esquerda com o governo e sua histórica direção peronista. É nesta situação que, nas eleições de outubro de 2013, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, uma frente de independência de classe, anticapitalista e que se orienta a um governo dos trabalhadores claramente delimitado do governo kirchnerista e da oposição patronal, recebeu mais de 1.200.000 votos, como expressão de um salto na consciência política de camadas significativas do movimento operário que participaram destes conflitos “subterrâneos” no terreno sindical.

A possibilidade de avançarmos numa alternativa política dos trabalhadores, desde as distintas posições conquistadas pelo PTS no sindicalismo de base, com o parlamentarismo revolucionário de nossos deputados na FIT, está baseada em que, ainda que o governo consiga fazer passar este ajuste (muito em função da traição da burocracia sindical que busca paralisar a resistência generalizada do movimento operário), inicia-se um período (que pode durar anos) em que haverá crises recorrentes e novas tentativas de descarregar os custos da crise sobre os trabalhadores. Isso certamente acentuará a luta de classes e ampliará as possibilidades de intervenção dos revolucionários.

A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores recebeu mais de 1.200.000 votos em outubro, numa eleição histórica para uma frente eleitoral da esquerda trotskista, elegendo três deputados nacionais, oito deputados estaduais, e dezenas de vereadores. Como o PTS vem utilizando as bancadas parlamentares conquistadas?

Christian Castillo: Pouco tempo depois de assumidos os cargos parlamentares, é evidente a diferença dos deputados da FIT frente a qualquer político da burguesia. Assumimos nossos postos em nome da classe operária internacional e do socialismo, e de todos aqueles caídos nos combates contra o capitalismo e o imperialismo, como na ditadura argentina. Em base à retomada das lições históricas da Comuna de Paris de 1871 (já antes postas em prática pelo companheiro Raúl Godoy, ex-deputado por Neuquén e dirigente operário da fábrica Zanon), defendemos que todo parlamentar e alto funcionário de Estado ganhe o mesmo salário de um professor, com o sentido político de denunciar que um grupo especial de dezenas de milhares de pessoas vive com altos privilégios para legislar e gerir a favor dos interesses dos grandes capitalistas.

Os deputados do PTS na FIT recebemos o valor equivalente à cesta básica familiar, doando o restante dos salários às lutas operárias. A denúncia que fizemos da provocação de um aumento salarial aos legisladores em meio às demissões e à desvalorização da moeda, através de nosso camarada Nicolás Del Caño, eleito deputado nacional em Mendoza com 14% dos votos, teve uma grande repercussão nacional. É um escândalo que um político profissional ganhe até 30 vezes mais que a média de um trabalhador.

Além disso, elaboramos um anteprojeto que proíbe as demissões e suspensões de qualquer trabalhador por 24 meses, não importando sua modalidade de contratação, a regularização dos trabalhadores sem carteira assinada o fim da terceirização, ademais de estabelecer um salário mínimo para todos os trabalhadores do país não inferior ao custo da cesta básica familiar – que hoje ronda os 10.000 pesos – uma indexação automática de salários segundo o índice de inflação real (escala móvel de salários) e restabelecer o 82% móvel do último salário para todos os aposentados.

Essas são algumas das iniciativas que tomamos, em discussão com as bases operárias nos sindicatos, confederações, seccionais e agrupações, como medidas de emergência contra os ataques em curso, ao mesmo tempo em que participamos ativamente nas mais distintas lutas operárias, manifestações e piquetes de greve (como em Kromberg&Schubert, em Liliana e recentemente na greve nacional dos professores), para que triunfem e ligando estas batalhas à necessidade de uma saída política independente dos trabalhadores. Nossa bancada está posta a serviço de todas ações de luta que empreendam os trabalhadores.

Revista: Recentemente, você realizou uma viagem pela Europa, passando por distintos países em debates sobre as organizações políticas da esquerda européia e o fenômeno da FIT na Argentina. Por que a FIT e o PTS despertaram interesse na esquerda europeia?

Christian Castillo: Indubitavelmente, o avanço eleitoral da FIT e a conquista de postos parlamentares por parte da esquerda trotskista argentina atrai a atenção da esquerda mundial. Não podemos perder de vista que a América Latina é um laboratório de experiências políticas e da luta de classes. Na Europa, onde setores importantes das organizações da extrema esquerda vêm tendo uma orientação de adaptar-se a formações reformistas de esquerda, como o Front de Gauche na França ou o Syriza na Grécia, o exemplo da FIT como uma frente de independência de classe, com um programa claramente anticapitalista e que reconhece como seu objetivo o governo dos trabalhadores, é um grande exemplo para aqueles que resistem estas políticas oportunistas e lhes dá renovadas energias para dar esta luta política.

Não obstante, não se trata só dos bons resultados eleitorais, que são produto de diversos fatores, mas da relação que isso tem, em particular no caso do PTS, com a intervenção na luta de classes e com um trabalho profundo, sistemático e paciente na classe operária, sobretudo levando em consideração que muitas correntes da esquerda europeia abandonaram a estratégia de construir partidos de trabalhadores revolucionários pela de “partidos amplos” sem delimitação estratégica clara.

Neste sentido, percebemos um grande interesse em conhecer a estratégia do PTS no movimento operário, o desafio que temos de utilizar os postos parlamentares a serviço de desenvolver a mobilização extraparlamentar dos explorados, e em particular de transformar os avanços superestruturais em avanços concretos, por exemplo, na luta por ganhar à burocracia a condução de determinados sindicatos.

Nos perguntaram não só como explicávamos o resultado da FIT mas também o que nos propunhamos como política para continuá-lo. Explicamos que o avanço da FIT se explica por uma combinação de fatores objetivos, como a tendência à ruptura com o governo de camadas importantes da classe operária que se havia expresso na grande paralisação geral do 20 de novembro de 2012, com elementos subjetivos.

Neste último entra a “virtú” política, parafraseando Maquiavel, que tivemos as forças da esquerda anticapitalista na Argentina. Em nosso caso, combinando uma dura luta de delimitação política com o kirchnerismo e a oposição patronal, com uma política de decidida implantação na classe operária e decidida intervenção em alguns dos principais fenômenos da luta de classes. São estas batalhas prévias, junto com uma campanha eleitoral com uma agitação de massas que permitiu um avanço na consciência política dos trabalhadores e da juventude, o que explica o bom resultado da FIT.

Sobre o segundo aspecto, defendemos que desde o PTS havíamos feito a proposta a nossos sócios da FIT de abrir a discussão sobre a necessidade de construção de um grande partido revolucionário da classe operária na Argentina, mas que até o momento não havíamos recebido uma resposta positiva a esta proposta: como assinala o dito popular, “para bailar um tango precisa-se de dois”… Obviamente uma frente eleitoral que defenda claramente a independência política dos trabalhadores contra as variantes políticas capitalistas é muito importante, mas é insuficiente para os desafios que temos adiante.

Somos conscientes disto, e neste sentido vão as interpelações que fizemos ao Partido Obrero e à Izquierda Socialista [membros da Frente de Esquerda junto ao PTS, NdE], sem ingenuidade, sabendo que temos diferenças políticas importantes, como se expressaram frente aos motins policiais, mas com a convicção que uma discussão sobre a estratégia e o programa de um partido para a revolução social em nosso país despertaria um grande entusiasmo na vanguarda operária e juvenil. Enquanto isso nosso partido está avançando em sua implantação entre os trabalhadores, em particular na classe operária industrial, e a juventude.

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