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Entre o fim do lulismo e a ameaça de uma direita renovada

17 Sep 2014   |   comentários

Na disputa entre Dilma e Marina estão em jogo: a) a deterioração das bases econômicas que melhoraram as condições de vida dos brasileiros nos últimos anos; b) o choque entre as aspirações engendradas pelo lulismo e os limites impostos pelos problemas estruturais do país; e c) os elementos de crise de representatividade que explodiram em junho do ano (...)

Na disputa entre Dilma e Marina estão em jogo: a) a deterioração das bases econômicas que melhoraram as condições de vida dos brasileiros nos últimos anos; b) o choque entre as aspirações engendradas pelo lulismo e os limites impostos pelos problemas estruturais do país; e c) os elementos de crise de representatividade que explodiram em junho do ano passado.

Lulismo em declínio lento, mas sustentado

O ciclo de crescimento associado ao lulismo se baseou no fluxo excepcional de capitais estrangeiros e na enorme demanda de commodities por parte da China, que permitiram um impulso ao mercado interno. Entretanto, na medida em que a produtividade industrial não acompanhou o crescimento da demanda externa e interna, agravaram-se problemas estruturais do país.

A dependência em relação às importações e ao capital estrangeiro aumentou vertiginosamente, fazendo do real uma das moedas mais voláteis aos fluxos de capital internacional. A débil taxa de investimento e a oscilação dos preços internacionais promovem persistentes pressões inflacionárias. Os níveis de endividamento das famílias e das empresas passaram a comprometer cada vez mais o consumo. O mecanismo de elevação dos juros para conter a inflação e atrair capital externo piora ainda mais a situação.

É nesse marco que o empresariado vem se mostrando avesso a novos investimentos e as estatísticas mostram uma economia praticamente estagnada, com tendências recessivas. O desemprego começa a subir, principalmente na indústria. E o clima de estabilidade e melhoria gradual do lulismo se encontra em transição para um ambiente de maior preocupação. Não há mais espaço para o ufanismo de outrora.

Junho de 2013 como um primeiro choque entre o passado e o futuro

As centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas no ano passado ainda não sentiam esse clima de maior exasperação pelo declínio da economia. A inflação já se fazia sentir. Mas o emprego e o consumo se mantinham em alta.

A explicação mais plausível para aquela explosão social é buscada em um “querer mais”, expresso na demanda por mais direitos sociais, como transporte, saúde, educação e moradia. As aspirações criadas pelo “gradualismo lulista” e pela propaganda de “grandes avanços sociais” se chocaram com os limites de um orçamento público que destina 44% para juros e amortizações das dívidas com o mercado financeiro.

A dívida pública transformou-se em um instrumento fundamental para atrair capital estrangeiro e gerar alto rendimento para os detentores dos títulos. A consequência é a falta estrutural de recursos para que se tenha serviços públicos gratuitos e de qualidade ou obras públicas que resolvam as necessidades mais essenciais da população mais pobre.

A onda de greves como um segundo choque entre o velho e o novo

O mês de maio de 2014 foi o ponto mais alto de um ciclo ascendente de greves desde 2011, quando mais de 100 mil operários da construção civil paralisaram suas atividades por todo o país por melhorias salariais. Gigantescas obras de hidrelétricas e polos petroquímicos que reuniam dezenas de milhares de operários passaram a viver verdadeiras rebeliões contra as condições subumanas de trabalho.

Depois foram os petroleiros que tentaram barrar a privatização da Bacia de Libra do pré-Sal. Os professores do Rio de Janeiro que fizeram atos de 50 mil. Os garis que pararam essa “cidade maravilhosa” em pleno carnaval e obtiveram enormes conquistas. Os rodoviários que paralisaram os principais centros urbanos do país. Os metroviários de São Paulo que amearam a abertura da Copa. E a greve dos trabalhadores das universidades estaduais paulistas, que já dura quase quatro meses e atravessa a conjuntura eleitoral.

De conjunto, esse processo colocou em evidência o que os analistas passaram a chamar de “crise do regime sindical”, devido às várias rebeliões das bases contra suas direções, especialmente em serviços públicos que quando paralisados ganham ampla repercussão midiática. Particularmente a greve dos trabalhadores da Universidade São Paulo, ao contar com uma direção democrática, combativa e não corporativa, permitiu com que os trabalhadores dessem um passo a mais em seu nível de consciência. Eles criaram um organismo dirigente com representantes revogáveis eleitos nos locais de trabalho e ligaram a luta salarial com a defesa da educação e da saúde frente aos ataques privatizadores.

Os desdobramentos paradoxais da crise de representação

Em meio às jornadas de junho, viu-se uma queda vertiginosa da popularidade de todos os governos do país em nível federal, estadual e municipal, mostrando que todos os partidos foram atingidos pelo grito de “não nos representam”. A ausência de uma alternativa política pela esquerda, os restos do ciclo de crescimento que finda, os discursos demagógicos e as medidas cosméticas permitiram que o regime se recompusesse.

Hoje, ao ser Marina o fenômeno mais dinâmico da disputa eleitoral, a crise de representação se expressa numa candidatura que defende, com uma cara renovada, valores neoliberais e obscurantistas da velha direita. Ou seja, justamente o oposto dos direitos econômicos, sociais e democráticos que emergem das ruas de junho e das greves. Essa contradição expressa, em primeiro lugar, os próprios limites de junho. Pois é um resultado da falta de uma direção política capaz de articular um programa político, econômico e social com uma saída dos trabalhadores para as demandas mais sentidas do país.

Mas, por outro lado, também expressa os limites e dificuldades dos partidos dominantes para estabilizar e recompor o sistema político. Seja qual for o candidato que vença, o país passará por um período de ajustes. Governos e patrões buscaram descarregar os custos da crise sobre as costas dos trabalhadores para preservar seus lucros e aumentar a “competitividade” do capitalismo brasileiro. Entretanto, para tal, terão que derrotar as aspirações dos jovens que saíram às ruas por mais direitos sociais, e terão que derrotar o processo de recomposição da classe trabalhadora como sujeito de luta.

Tudo indica que o PSDB será o principal derrotado, colocando em cheque este que tem sido um dos três principais partidos do regime político. Caso Dilma perca, se abrirá uma dura disputa interna ao PT por quem arcará com a derrota, com todas as consequências de uma “readequação” após 12 anos no controle de uma enorme máquina burocrática estatal. A governabilidade de quem ganhar será ainda mais crítica já que não contará com grandes partidos “unitários” para negociar e dar base real de sustentação.

Por trás do “voto” útil em Dilma como um “mal menor” contra Aécio ou Marina, assim como por trás da desconfiança ou descrédito dos que pretendem “dar uma chance” a Marina, se escondem as inquietações que levaram às jornadas de junho de 2013. Desse mesmo lugar podem surgir as forças que farão dessas eleições apenas o prelúdio de novos embates da luta de classes.

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