Quarta 24 de Abril de 2024

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ATO EM HOMENAGEM A LEON TROTSKY

"Enfrentar o lulismo com as bases teóricas e políticas do trotskismo"

27 Sep 2010   |   comentários

Trotsky, escrevendo as lições da Revolução Russa de 1905, conhecida como o “ensaio geral” para a Revolução de Outubro de 1917 que criou o primeiro estado operário do mundo, dizia que “o proletariado conquistou o poder em 1917 graças à experiência adquirida por seus adultos em 1905” e que “os jovens operários necessitam assimilar esta experiência, necessitam conhecer a história de 1905”.

Em seus escritos militares, no prefácio, Trotsky termina dizendo: “nada pode ser feito sem erros, e menos ainda a revolução. No entanto, seria bom reduzir os erros ao mínimo.” Para isso, se nos consideramos revolucionários, devemos nos dedicar a conhecer a história da luta de classes para minimizar os erros.

Quando nossa organização escreveu nossas teses fundacionais sobre o ascenso operário havido entre 1968 e 1980, num livreto chamado “A classe operária na luta contra a ditadura”, pretendíamos exatamente seguir este conselho de Trotsky, para assimilar a experiência dos que viveram aqueles momentos e transmiti-las aos jovens, mas principalmente para ajustar contas com o último ascenso da classe operária brasileira, precisamente nesses últimos anos em que diversas teorias e correntes políticas decretaram o fim da classe operária, da luta proletária revolucionária e do socialismo, fazendo com que a nova geração perca toda referência classista e revolucionária, retrocedendo aos séculos da obscuridão.

Desse ascenso operário saíram todas as correntes políticas existentes.

Na presidência da República há um ex-operário e ex-dirigente sindical que cavalgou a potencialidade das graves operárias e das lutas democráticas contra a ditadura militar e os capitalistas para prendê-las no curso da transição democrática pacífica, concertada com os militares e os capitalistas.

Lula e a maioria da geração de sindicalistas e ideólogos desse período atuou conscientemente para impedir que a classe operária brasileira se transformasse no sujeito político portador e diretor da luta pela derrubada revolucionária da ditadura, com os métodos proletários da greve geral política, insurrecional, combinada com as reivindicações democráticas e nacionais (anticapitalistas e antiimperialistas) tão caras às classes médias, aos sem terra, aos negros e negras e ao povo pobre do país.

As milhares de greves e enfrentamentos operários com o regime militar, suas leis, suas polícias e instituições, não contaram com uma estratégia de concentração das forças operárias, estudantis e populares no objetivo de encontrar os setores estratégicos para desorganizar o poder e abrir caminho para o fim da ditadura e a instauração de um governo operário e popular.

O trotskismo era a única corrente política que, apesar de suas fraquezas numéricas, da pouca inserção no movimento operário na maioria dos países e da perseguição implacável que sofria das burguesias e dos stalinistas aliados aos reformistas, detinha em suas mãos os fundamentos teóricos, políticos, programáticos e táticos para empalmar esses processos e se ligar às vanguardas desse período com a estratégia revolucionária, construindo partidos revolucionários para a tomada do poder.

No Brasil, durante o ascenso da década de 70, as correntes trotskistas não eram apenas pequenas e débeis em número e localização política, mas fundamentalmente mostraram sua impotência ao desviar-se dos ensinamentos condensados por Trotsky de toda a primeira metade do século XX, o século mais revolucionário da história, onde as classes fundamentais – burguesia e proletariado – em escala internacional, se enfrentaram, com derrotas e vitórias, em batalhas que deixaram todos os ensinamentos essenciais para seguir a guerra de classe que definirá o futuro da humanidade: socialismo ou barbárie.

Essas correntes trotskistas, hoje consolidadas como partidos centristas como o PSTU e o PCO, além de pequenos grupos no interior do PSOL, ao lado da Democracia Socialista e de O Trabalho, que ainda se mantêm no PT de Lula-Dilma-José Dirceu, fracassaram no último ascenso operário e seguem sua linha de decadência histórica.

Mesmo as alas mais à esquerda – PSTU e PCO –, cada uma a sua maneira, não aproveitaram os anos 70 e toda a inserção sindical que conquistaram para forjar uma vanguarda de milhares de operários, operárias e jovens marxistas-revolucionários, bolcheviques.

Ao contrário, mesmo falando em socialismo e se opondo à conciliação de classes aberta e escancarada dos petistas e ex-stalinistas, se constituem hoje como correntes adaptadas ao regime democrático-burguês e à falsa consciência de que depois da queda dos estados operários degenerados e deformados e da ofensiva neoliberal não resta mais nada a fazer do que “luta sindical” e “luta eleitoral” combinada com discursos inofensivos sobre um socialismo num futuro distante.

Cada vez mais estão adaptadas às pressões sociais e morais. Passaram décadas defendendo “Lula lá”, ou seja, de certa maneira construindo o “lulismo” que agora se consolida com bases econômicas e sociais como uma nuvem pesada sobre a cabeça dos dirigentes e militantes da esquerda.

Por isso são impotentes, hoje, para compreender e enfrentar a pressão lulista que se tornou de massas no país.

A luta contra as direções burocráticas e reformistas e em defesa da independência política – programática, organizativa e tática – dos trabalhadores diante de todas as frações burguesas são questões fundamentais, pilares da estratégia revolucionária nos tempos de decadência capitalista.

No ascenso dos anos 70 as correntes trotskistas não se fundamentaram nesses princípios.

A corrente lambertista O Trabalho, por exemplo, que no início do PT sofreu uma grande divisão de uma ala sectária que se negava a atuar com audácia no processo real de fundação deste partido no contexto do ascenso operário que ocorria.

Logo em 1982 começou seu caminho de ruptura com a independência política dos trotskistas no interior deste partido reivindicando em documento nacional que o centro seria “construir o PT” e se jogar com tudo, inclusive abandonando sua inserção no movimento operário, na disputa eleitoral interna para os diretórios partidários.

Esta orientação liquidacionista se fundamentava na falsa ilusão de que setores da direção petista, ou seja, Lula e Cia. estariam deixando de ser reformistas para se transformarem em revolucionários, e que a tarefa dos trotskistas seria “empurrá-los para que fossem além das reformas no capitalismo e dirigissem a revolução operária e socialista”.

Esta estratégia centrista transformava os trotskistas em conselheiros e pressionadores das direções pequeno-burguesas e reformistas, negando, de fato, a necessidade de construir uma nova direção revolucionária e partidos políticos independentes e internacionalistas, únicos sujeitos políticos que poderiam levar adiante a estratégia revolucionária provada historicamente pelos bolcheviques russos em 1917.

Este foi o elemento central que me levou, junto com outros companheiros, poucos, é verdade, a romper, no início dos anos 80, com esta corrente, na tentativa de seguir os ensinamentos legados por Leon Trotsky.

Dizíamos que a corrente O Trabalho revisava o trotskismo e acabaria se dissolvendo no petismo e na conciliação de classes, girando da revolução à reforma e liquidando concretamente a possibilidade de ser parte da construção de um partido revolucionário e da reconstrução da IV Internacional.

Nos anos 90, mais precisamente em 1999, outra vez as correntes trotskistas se defrontaram com esses fundamentos.

Desta vez, o PSTU que formalmente era um partido independente do PT demonstrou que não era o guardião do princípio da independência política da classe trabalhadora e do intransigente combate contra a conciliação de classes dos reformistas e da burocracia sindical.

Em agosto de 1999 houve a Marcha dos 100 mil para Brasília, no intuito de exigir a instalação de uma CPI contra Fernando Henrique Cardoso.

Esta manifestação foi encabeçada pelo PT, MST, CUT mas também tinha entre seus principais artífices Leonel Brizola e um deputado do Partido Popular chamado Waldemar da Costa Neto, que havia sido um dos aliados de Collor de Mello e que, nos últimos anos, ressurgiu como um dos aliados de Lula e do PT na crise do mensalão.

Quando Brandão e nós, que estávamos unidos num grupo de combate político no interior do PSTU, nos colocamos frontalmente contra que Zé Maria de Almeida, em nome do partido, fosse orador deste ato junto com burgueses como Brizola e o PP e sem sequer denunciar o plano político petista e brizolista de arrastar as massas a reboque de uma CPI deste Congresso.

A direção do PSTU expulsou Brandão e, obviamente, ao nosso pequeno grupo (5 companheiros), porque internamente e no Sintusp nos colocamos contra participar de uma marcha com partidos e dirigentes burgueses, unidos, sem qualquer diferenciação e denúncia, em um plano de conciliação dos trabalhadores e das massas do campo com a dita fração burguesa “antineoliberal” representada por Brizola.

Todas as alas internas se ou se calaram ou se alinharam em defesa da conciliação de classes, abandonando a independência política dos trabalhadores, e dos revolucionários, diante das frações burguesas opositoras.

Na reunião do comitê central que discutiu nossa expulsão, a direção majoritária do PSTU teve o respaldo político de uma tendência opositora de direita, que tinha à frente o sr. Martiniano Cavalcanti, hoje dirigente do PSOL e conselheiro de Heloisa Helena, quem reivindicou a justeza da participação nesta marcha e lamentou que não houvesse mais burgueses, até mesmo Maluf, porque, a seu ver, assim se fortaleceria o combate ao governo de Fernando Henrique.

Essas correntes estão moldadas pelo derrotismo diante da classe operária; falam, muitas vezes, em revolução e socialismo mas na vida real e na sua prática política não creem na força e potencialidade da classe como única fonte viva de transformação social.

Quando muito veem os operários como lutadores para lutas salariais e sindicais e eleitores para chapas ou candidaturas parlamentares, e não como a força motriz da luta de classes.

Como vimos na última semana, o PSTU ganhou a presidência do sindicato dos metroviários de São Paulo, um sindicato estratégico para todos que pretendam pensar em revolução no Brasil.

Fazendo uma analogia com a Revolução Russa de 1905, que mesmo derrotada trouxe à luz a importância estratégica de setores como os correios, os telégrafos e os ferroviários para desorganizar o poder burguês, o papel social e político dos metroviários paulistas, e de seu sindicato, será fundamental para qualquer estratégia classista, combativa e revolucionária no país.

Uma greve geral política insurrecional, num futuro processo revolucionário, exigirá a preparação, desde já, de uma firme camada de dirigentes revolucionários que formem uma vanguarda operária entre os metroviários, desempenhando-se como verdadeiros oficiais e postos avançados da classe operária na luta de classes.

Contudo, não é para isso que o PSTU se prepara com a conquista do sindicato. Isso fica claro desde a constituição da chapa, pois junto estão o PSOL – um partido de conciliação de classes, que votou leis antioperárias como o Supersimples e tem sua presidente e candidata a senadora Heloisa Helena apoiando Marina Silva, e, pasmem!, o PPS – partido neoliberal da base dos governos tucanos e do governo Serra.

Sem seguir os conselhos de Trotsky e atuar nos sindicatos com a tarefa inconciliável de expulsar a burocracia sindical para transformá-los em organizações proletárias de combate ao capitalismo e de preparação da insurreição operária, alcançando a unidade das fileiras operárias entre efetivos e temporários, o PSTU não é portador da estratégia revolucionária.

Se hoje a maioria da classe operária está relativamente desmoralizada, não acreditando em suas forças e sequer se reconhecendo como classe explorada e oprimida, não nos esqueçamos que somente no Brasil a massa trabalhadora alcança 90 milhões de homens e mulheres, cerca de 40 milhões com carteira assinada, enquanto a outra metade vive a superexploração e humilhação como terceirizados, temporários e contratados, e quase 10 milhões não têm emprego ou renda regular.

Esta classe operária é uma força espetacular!

Dotada de organizações classistas e combativas, com programa e táticas de independência política diante de todas as frações burguesas e com métodos de luta de classes preparados e planejados como “arte militar”, esta força social poderá conquistar hegemonia política e dirigir as massas na luta contra a exploração capitalista e a opressão imperialista, tornando-se um exemplo para o continente e o mundo.

Os tempos futuros exigem que nos preparemos para reviver o papel protagonista da classe operária em sua aliança com a juventude e o povo pobre, contribuindo firmemente com a propaganda revolucionária mas também com uma prática militante e política condizente com a preparação de uma vanguarda revolucionária que chegue aos próximos acontecimentos da luta de classes como oficiais e estrategistas da revolução operária e socialista mundial, homens e mulheres que não desejam apenas “passar” pela vida mas ser um sujeito ativo da história, construindo sua própria história.

A classe operária e as massas do Brasil e do mundo não podem esperar nada progressivo dos reformistas e conciliadores, que se transformaram nas últimas décadas em agentes diretos dos capitalistas e imperialistas.

Esses partidos, como podemos ver com o PT e o PCdoB, estão cada vez mais presos ao cadáver do capitalismo e da burguesia. Deverão ser enterrados na mesma vala do poder burguês.

Os revolucionários, que hoje são poucos e fracos, devem contar com uma certa dose de fatalismo histórico, se preparando para novos tempos de batalhas decisivas da luta de classes que deixarão para trás toda essa atual passividade, individualismo, conformismo e baixa moral do proletariado.

Para grandes tarefas, grandes homens!

Nossa homenagem a Trotsky, nesses 70 anos de seu assassinato pelas mãos dos stalinistas (no Brasil representados pelo PCB, PCdoB e MR-8), não pode ser outra que reafirmar a convicção política de que a classe operária é a única força que, superando as travas das direções burocráticas, contrarrevolucionárias e centristas, dirigirá as massas do campo e da cidade, os pobres urbanos, os negros e negras, as mulheres e os jovens numa perspectiva de futuro, abrindo caminho em escala mundial para o fim da sociedade de classes, onde não haja explorados e exploradores mas seres livres.

Esta perspectiva, para ser concreta, deve recobrar toda a experiência do movimento operário internacional do passado e do presente, recuperando a teoria e a prática marxista-revolucionária que condensa toda a rica história da luta de classes moderna para construir partidos revolucionários internacionalistas que sejam os “estados-maiores” do exército revolucionário proletário na guerra contra o capitalismo-imperialismo.

O trotskismo, como marxismo de nossa época, é a bandeira que alguns velhos militantes aqui presentes que viveram os anos 60, 70 e 80 em que a palavra revolução era real e viva – como Gilson Dantas, eu, Mario e Marcio Barbio –, empunhamos para compartilhar com essa geração que iniciou sua vida política no final dos anos 90, assim como a jovem geração do atual milênio.

Esta é a bandeira da IV Internacional, da revolução social mundial, sem mancha, a bandeira da juventude, das mulheres, dos negros e negras, dos povos oprimidos e explorados de todo o mundo que se levantarão, com certeza, contra as mazelas capitalistas.

Gostaria de terminar citando Trotsky no prólogo de sua autobiografia – Minha Vida – escrita em 1929. Dizia, ele: “Alguns vacilam, retrocedem e se rendem ao adversário. Uns por estarem moralmente esgotados, outros porque entregues e isolados em suas próprias forças são incapazes de encontrar uma saída para o labirinto que as circunstâncias nos apresenta; outros, enfim, por medo das privações materiais. [...] Conheço muito bem, por experiência, o que são estas marés de fluxos e refluxos. E sei que estão regidas por leis. Não vale a pena se impacientar pois não mudarão pela força da impaciência. [...] O dever primordial de um revolucionário é conhecer as leis que regem esses acontecimentos da vida e saber encontrar, no curso que estas leis traçam, seu lugar adequado. É, por sua vez, a mais alta satisfação pessoal que pode almejar aquele que não leva sua vida como quem vê o dia passar.”

Viva a a revolução socialista internacional!

Viva a Quarta Internacional!

Intervenção de Val Lisboa, membro do conselho editorial do jornal Palavra Operária e dirigente da LER-QI

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