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Internacional

Eleições presidenciais na França e a extrema esquerda

29 Apr 2007 | As eleições de domingo, 22 de abril, representam uma recomposição reacionária, anti-operária do regime imperialista francês. Depois da crise patente dos mecanismos de representação democrático-burgueses que haviam se mostrado do ponto de vista eleitoral com o voto de 2002 e o triunfo do ‘não’ no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu (TCE), se recriou a polarização tradicional entre direita e esquerda no segundo turno. Este resultado é uma vitória superestrutural para a burguesia francesa depois da crise quase terminal do regime da V República como subproduto da derrota do TCE em 2005, a ‘revolta’ das banlieues e a derrota parcial do governo após as manifestações anti CPE de abril do ano passado.   |   comentários

Um anti 2002

Nas presidenciais de 2002 o descontentamento com o Partido Socialista (PS) à frente do governo da esquerda plural se expressou em que este partido não foi ao segundo turno, tendo sido superado pela extrema direita de Le Pen. O desgaste do OS se manifestou no crescimento dos votos da extrema esquerda: Lutte Ouviere (LO), Liga Comunista Revolucionaria (LCR) e Partido dos Trabalhadores (PT) que alcançaram pouco mais de 10%. A abstenção teve um recorde de 28,4%. Este resultado gerou uma crise monumental na política francesa e uma imensa mobilização de massas contra o lepenismo, que foi fechada abruptamente por todos os partidos do regime, incluída a LCR, que se lançaram em defesa da “República” e chamaram a votar em Chirac. Neste sentido, as últimas eleições têm um conteúdo inverso que pode ver-se na: histórica baixa abstenção, forte eleição da direita da UMP de Sarkozy, passagem para o segundo turno do PS, no ascenso da centro-direita da UDF de Bayrou como terceira força, no retrocesso pela primeira vez numa eleição presidencial da extrema direita de Le Pen, e na perda significativa de votos do conjunto dos partidos da esquerda do PS, que foram acurralados pelo engano do voto útil.

Em síntese, uma eleição que fortalece uma recomposição reacionária e anti-operária do regime como o demonstrou a elevada votação pela positiva da maioria do eleitorado e do debilitamento dos extremos, em particular dos partidos à esquerda do PS, já que o programa xenófobo e racista do lepenismo foi em grande medida adotado por Sarkozy.

Sarkozy x Royal: Duas vias para acabar com as conquistas do chamado “Estado de Bem-Estar”

Nicolás Sarkozy representa a tentativa de transformar a velha direita gaulista num partido neoliberal, mais parecido com o partido Republicano norte-americano. Conta com o apoio dos setores mais concentrados do capital francês.

Seu programa busca liquidar as conquistas que ainda restam do chamado “Estado de Bem-Estar” , abrindo caminho para um salto na exploração operária. São estas conquistas, como a jornada menor de trabalho, os subsídios ao desemprego, ou um sistema de saúde universal, bem como a versão atual da legislação trabalhista, as que para os ideólogos da grande patronal constituem a principal desvantagem do imperialismo francês em sua competição no mercado mundial. O ex presidente do FMI, Michel Camdessus, francês e partidário de Sarkozy, fazendo uma comparação com a economia norte-americana diz sem papas na língua: “Michael Camdessus...que passou grande quantidade de anos diagnosticando os problemas de outros países, tem um remédio simples para ele próprio: trabalhar mais. Se você toma Mr Smith no Arizona e Monsieur Dupont em Maine-et-Loire, desde já até sua aposentadoria Mr Smith trabalhará 37% a mais de horas que Monsieur Dupont durante sua vida de trabalho. Por suposto, Monsieur Dupont tem mais alta produtividade, de 5 a 6% mais, porque ele começa a trabalhar um pouco mais tarde, termina o trabalho um pouco mais cedo e tem um monte de férias, portanto ele está em boa forma. Mas ao final de sua vida Mr Smith terá produzido muito mais. Aqui vocês têm a história completa da economia francesa” .

Este é o verdadeiro plano de Sarkozy e não a defesa “da França...que se levanta cedo, que trabalha duro...” como colocou durante sua campanha eleitoral . Tomando emprestado o velho discurso reaganista dos anos 80, busca redefinir a “questão social” criando uma nova linha de demarcação, já não entre pobres e ricos, capitalistas e trabalhadores, mas entre assalariados e “atendidos” pelo Estado.

Busca por um lado diminuir significativamente o orçamento estatal em serviços sociais, considerado uma carga pesada pelo conjunto da patronal, e pelo outro obter um consenso social reacionário que lhe permita atacar os setores mais débeis e vulneráveis da classe operária que dependem do subsídio estatal para sobreviver, aprofundando a divisão dos trabalhadores com o objetivo de terminar reestruturando o conjunto da força de trabalho e conseguir impor um salto na carga e duração da jornada de trabalho e da precariedade trabalhista.

Na política exterior tem uma orientação menos europeísta que os demais candidatos, realizando uma visita vergonhosa a Bush.

Ségolène Royal, por sua vez, abandonou toda referência ao velho reformismo, retomando cada um dos temas da direita, como os do trabalho e do nacionalismo, concentrando-os em sua consigna central de “ordem justa” , e encaminhando-se em direção ao blairismo , a variante mais direitista da social-democracia. Além disso, no segundo turno propós indiretamente um pacto presidencial à centro-direita de Bayrou, o que implicaria uma localização à direita. Não por casualidade este chamado foi saudado pelo primeiro-ministro italiano Romano Prodi, que recentemente fundou o Partido Democrático, procedente da dissolução do partido da Margarita (provenientes da velha democracia cristã) e dos DS (Democratas de Esquerda, provenientes do velho partido comunista italiano). Este giro à direita implica na prática no abandono de sua base social histórica, a dos operários e trabalhadores assalariados, subproduto do abandono de todo programa de defesa de seus direitos, convertendo-se pelo contrário nos campeões da subordinação da competitividade da empresa, única forma inexorável de responder às zonas produtoras da Europa e de outras partes do mundo que se baseiam na mão-de-obra barata para evitar as deslocalizações. Como se vê, com métodos e formas distintas das variantes reformistas.

À esquerda do Partido Socialista

Como colocamos no início, as eleições mostraram um retrocesso das correntes à esquerda do PS. Dentro deste marco, se observa um forte retrocesso dos Verdes e a catástrofe eleitoral do Partido Comunista (PC), a eleição mais baixa em toda sua existência. Por sua vez, Jose Bové, o camponês bonachão, anti-globalização, pretendeu capitalizar o voto à esquerda do PS de muitos setores juvenis e populares vinculados ao mundo sindical e cansados da política social liberal do PS que votaram ”˜não”™ na constituição européia. Seu escasso 1,32% não está a altura do golpe de efeito “anti-liberal” que aspirava encarnar.

No interior da “extrema esquerda” o PT com seu candidato e campanha nacionalista obteve um resultado lamentável. O que chama a atenção é o brutal retrocesso da LO e sua candidata histórica, Arlette Laguillier. A perda de mais de milhão e cem mil votos é um duro golpe objetivo para esta organização, no marco de que sua plataforma eleitoral foi mais moderada que nos comícios anteriores, e que assustado pelo isolamento que supós ser resultado da abstenção no segundo turno na disputa entre Chirac e Le Pen em 2002, se adiantou em declarar apoio crítico a Ségolène Royal para o segundo turno, respaldo que foi destacado pela candidata do PS num ato dias antes da eleição. A LO está pagando por sua escandalosa intervenção nos dois últimos testes ácidos da luta de classe na França, a revolta das banlieues e o movimento anti-CPE. Na primeira, cedendo-lhe aos preconceitos da aristocracia operaria, denunciou a revolta como uma mostra de raiva lúmpem e durante o movimento anti-CPE esteve claramente na retaguarda. Estas posições têm isolado a LO dos trabalhadores mais avançados, imigrantes e jovens, apesar de ainda conservar um número importante de militantes.

A LCR: um êxito eleitoral, mas que não luta por uma alternativa de classe

Neste marco de direitização eleitoral e peso do voto útil, e de retrocesso da esquerda à esquerda do PS, ressalta-se o resultado eleitoral da LCR e seu candidato presidencial, Olivier Besancenot, jovem carteiro de 33 anos que obteve 1.498.780 votos (4,08%), quase 300.000 votos mais que em 2002. Estes números localizam a LCR como a principal força à esquerda do PS.

A campanha de Besancenot se concentrou numa série de demandas imediatas e democráticas como o fim do trabalho flexível e das horas extras, um aumento geral de salários, salário mínimo de 1.500 euros líquido por mês, entre outras.

Mas o problema central é que a LCR mantém uma estratégia permanente de frente anti-neoliberal, orientação que se opõe pelo vértice a uma alternativa de classe, ainda que nas eleições os setores que defendem mais abertamente esta orientação e apoiavam a candidatura unitária de Bové ficaram em minoria. Esta política é conseqüência do abandono da luta pela ditadura do proletariado, isto é, da luta pela perspectiva de um governo operário e popular, que exproprie os grandes capitalistas mediante a destruição do Estado burguês. Como resultado disso, e da adoção de uma estratégia de “democracia até o final” , a LCR apesar de levantar uma série de demandas, dentre estas algumas radicais, não supera sua localização como o setor mais contestador à esquerda do PS, e busca pressionar àquele pela esquerda frente a um eventual governo de Ségolène, ou no terreno da luta de classes ’ como foi durante a luta contra o CPE ’ supere as traições da política de conciliação de classes da burocracia sindical, levantando um programa ofensivo contra o regime e o Estado burguês que permita aos trabalhadores passar à ofensiva, ou ao menos reagrupar os elementos mais conscientes da vanguarda. Esta ausência de uma alternativa de classe faz com que os elementos de subjetividade de consciência que se desenvolvem nestas lutas não tenham continuidade, permitindo a confusão e em alguns casos a desmoralização da vanguarda, o que permite a penetração mais fácil do engano burguês como foi o caso do último ano que desembocou na atual recomposição reacionária do regime. Frente a sua nova responsabilidade é de vital importância que as correntes mais de esquerda no seio da LCR busquem mudar o rumo estratégico desta, já que se não o fizer, apesar de sua relativa boa eleição (produto de refletir, ainda que de forma distorcida, as demandas dos trabalhadores e setores em luta), será incapaz de ser uma alternativa real para a necessidade do proletariado francês de enfrentar o novo regime.

Perspectivas

A responsabilidade central da recomposição reacionária do regime imperialista francês a um ano do retrocesso do governo frente ao CPE, recai nas direções oficiais do movimento operário e estudantil, que longe de aproveitar a debilidade da V República para derrotar Vilepin, Chirac e seu plano, a sustentaram enquanto se ia montando a farsa eleitoral. A atual direitização e o surgimento de um regime mais bonapartista ainda, como o que se daria se Sarkozy ganhar, ou em menor medida com Ségolène Royal, são o produto desta traição aberta da burocracia sindical e dos partidos reformistas como o PC, e da capitulação da maioria dos partidos de extrema esquerda (desde a hostilidade da LO aos jovens dos bairros, ou as ações “utltra-esquerdistas” dos estudantes, como a ocupação de estações, e o seguidismo desta e da LCR às direções sindicais) a luta do CPE, e em especial à das banlieues.

Entretanto, mesmo que haja um novo clima eleitoral que se expressou nos comícios, isso não significa que o panorama social será tranqüilo para o próximo presidente. Pelo contrário, nas semanas prévias ao pleito assistimos a uma reativação de setores essenciais do proletariado na França. Os movimentos que emergiram no último período pouco têm a ver com as tradicionais lutas estreitamente controladas pela burocracia sindical e lançadas a respaldar as alternativas de centro-esquerda nos períodos pré-eleitorais. As lutas dos professores contra o aumento de seu volume anual de trabalho, dos trabalhadores da Alcatel, da Airbus contra as demissões, dos portuários do Porto Autónomo de Marselha, dos trabalhadores da ANPE, da PSA (Citroën) de Aulnay que levaram adiante uma luta pela integração dos precarizados e por aumento salarial são uma mostra. São lutas, sobretudo no caso da Citroën Aulnay, que emergiram por fora da agenda sindical em reação aos golpes que a patronal e o Estado pretendem dar ao mundo do trabalho. Isto não significa que os sindicatos não tenham conseguido controla-las para que não lhes escape das mãos. São os sintomas, entretanto, de um importante e decisivo retorno da questão social na França mediante seus próprios protagonistas, após a relativa calma do período que sucedeu os três meses intensos da luta anti-CPE.

Por sua vez, frente aos novos ataques de Sarkozy aos imigrantes e às crianças sem documentos, se criaram comitês de vigilância para impedir a expulsão das crianças sem registro e de seus familiares. As marchas organizadas em Paris em solidariedade com os alunos e pais de alunos sem registro que o Estado pretende deportar, mostram certo retorno concreto da temática da solidariedade como já se havia visto nas férias de verão. Mais recentemente, os acontecimentos da Gare du Nord de 27 de março, sobretudo quando durante várias horas pela tarde centenas de usuários, a grande maioria composta por estudantes e trabalhadores que voltam para casa, se opuseram coletivamente a um controle policial brutal como há dezenas a cada dia na capital que prendeu um passageiro congolês. Esta situação deixa claro que ainda com uma vitória no segundo turno do mais brutalmente direitista dos dois principais candidatos da burguesia, o ex-ministro do Interior, Sarkozy, hoje em dia o mais provável vencedor, o futuro governo terá que lidar com uma fração consistente das classes populares hostil ao discurso reacionário e racista da UMP, ou no caso de sua derrota com a versão mais civilizada, porém igualmente reacionária, anti-popular, e anti-migrante de Ségolène Royal.

Frente aos futuros embates do próximo governo, o giro social-liberal do PS e a débâcle do PC, os dois partidos históricos da classe operária francesa está colocada mais que nunca a necessidade da mobilização nas ruas, e a maior unidade de ação contra todo ataque anti-operário, ou às liberdades democráticas, sendo necessário lutar por um partido dos trabalhadores independente e com um programa revolucionário.

Rebelião nas banlieues

Em 27 de outubro de 2005 dois jovens filhos de imigrantes foram perseguidos e levados à morte pela polícia parisiense no subúrbio de Clichy-sous-bois. A fúria dos jovens parias que vivem desempregados (cerca de 40% destes setores), sem documentos e sob a repressão policial, estalou com toda força. Em poucos dias a rebelião se estendeu ao resto da periferia parisiense e de outras cidades. Com pedras e bombas molotov enfrentaram noite após noite a repressão policial. Delegacias foram atacadas e se exigiu a renúncia do repressor Sarkozy. Entretanto, sem coordenação nem objetivos claros, o estalar de conjunto expressou sua ira fundamentalmente na queima de centenas de automóveis a cada noite. Tal foi a extensão e fúria dos jovens que numa só noite chegou-se a queimar mais de 1000 automóveis.

Os fatos mostraram a França em profundidade, onde milhões de imigrantes e seus filhos são usados como mão-de-obra barata pela burguesia imperialista. Apesar de ser 25% da classe operária do país, são tratados como delinqüentes, condenados à pobreza, a uma educação de segunda e à repressão policial. Sofrem o preconceito racial e religioso (são majoritariamente muçulmanos), ainda que constituam 10% da população francesa. Se vêem obrigados a viver confinados em verdadeiros guetos em condições precárias, e constantemente ameaçados com a prisão e a deportação.

O governo respondeu a rebelião aplicando o “Estado de Emergência Nacional” , que significou o toque de recolher nos bairros, a polícia atuando como verdadeiras tropas de ocupação, 3.100 jovens presos e quase 700 condenados em “julgamentos de urgência” nos quais não existe o direito de defesa. Tragicamente, os sindicatos e a esquerda, inclusive a “extrema esquerda” , não repudiaram a repressão nem propuseram uma saída de fundo que partisse da repartição das horas de trabalho e a legalização dos imigrantes, para que seja a classe operária a que dê uma saída ganhando como aliados estes setores populares que durante 3 semanas demonstraram seu enorme espírito de combate.

O movimento anti-CPE

Durante 3 meses os estudantes puseram em xeque o governo e o obrigou a retirar o Contrato de Primeiro Emprego (CPE) em abril de 2006. O mesmo era parte da Lei de Igualdade de Oportunidades, uma resposta reacionária à situação de tremenda crise social que havia se aberto meses antes com a rebelião das banlieues, as periferias das grandes cidades. Com o discurso de terminar com o desemprego, o CPE determinava que os menores de 26 anos que obtinham seu primeiro contrato, poderiam ser despedidos sem motivo durante os primeiros anos. Também eximia os empregadores de pagar qualquer direito ao demitido.

Houve mobilizações massivas em toda França, que reuniram até 3 milhões de pessoas. Os estudantes, superando as federações burocráticas tradicionais, se organizaram na Coordenação Nacional de Estudantes, organismo democrático com representação por assembléias e com mandatos, e que foi o verdadeiro organizador da luta. Milhares de ativistas bloquearam as ruas, tomaram as universidades, incluindo a prestigiosa Sorbonne, ganharam para o movimento o apoio da população e, em especial de amplos setores operários que pararam em solidariedade durante as “jornadas de luta” que a burocracia sindical convocou. O movimento foi tão grande que chegou a colocar-se abertamente a renúncia do então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. Os dirigentes sindicais, negando-se a chamar a greve geral lhe salvaram.

A luta teve também altos custos como os 5000 presos e a repressão policial. Mas, ainda que não se tenha obtido a abolição do conjunto da Lei e nem a renúncia de Sarkozy, o movimento demonstrou que se pode dar uma queda de braço aos governos imperialistas como o francês.

Traduzido por Diana Assunção

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