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ESTADO ESPANHOL

Eleições bascas e galegas no Estado Espanhol: crise do bipartidarismo

01 Nov 2012   |   comentários

No quinto ano da crise capitalista, todos os analistas econômicos convergem em assinalar que para o Estado Espanhol, “o pior ainda está por vir”. Com as finanças públicas do país arruinadas, déficit fiscal, um sistema financeiro à beira do abismo (somada à injeção de 52 bilhões de euros para salvar os bancos com dinheiro público), uma longa série de pacotes de austeridade que estrangulam a população trabalhadora e pobre com a maior taxa de desemprego de um (...)

No quinto ano da crise capitalista, todos os analistas econômicos convergem em assinalar que para o Estado Espanhol, “o pior ainda está por vir”. Com as finanças públicas do país arruinadas, déficit fiscal, um sistema financeiro à beira do abismo (somada à injeção de 52 bilhões de euros para salvar os bancos com dinheiro público), uma longa série de pacotes de austeridade que estrangulam a população trabalhadora e pobre com a maior taxa de desemprego de um país europeu desde a Segunda Guerra Mundial, o Estado Espanhol viveu na última semana as eleições na Galícia e no País Basco, dois estados (“comunidades autonômicas”) em que transpareceram fissuras mais agudas no Regime de 78.

A economia do Regime de 78 em frangalhos

Sob os golpes da crise e das medidas austeras de Rajoy, a recessão espanhola se agudizará em 2013. No último documento do FMI sobre a situação econômica mundial, dentre 185 economias, a Espanha estava listada como a segunda com a pior evolução prevista para 2013 (atrás apenas da Grécia), com uma queda de 1,3% do PIB, além do que será um dos cinco países do euro que só poderia recuperar o nível de sua atividade econômica anterior à crise em 2018 (no caso muito pouco provável de que a crise não piore). Estes dados chegam no momento em que a taxa de desemprego na Espanha superou 25% pela primeira vez em sua história, com 5,8 milhões de desempregados (é de 30% a taxa em 16 províncias, e chega a 41% em Ceuta).

Os problemas da dívida soberana também persistem. A agência de qualificação de dívida Moody’s manteve a nota espanhola acima dos níveis irrisórios (assim como a manutenção artificial das taxas de empréstimo que paga o Estado Espanhol para poder financiar-se a 4%) apenas sob a condição de que o governo assuma o segundo “resgate” para a Espanha, de 100 bilhões de euros. Esta nova austeridade está pronta para ser ativada (dando a Alemanha claras mostras de que não se oporá ao pedido) desde que Rajoy dê o sinal verde. O que recua o Governo é o temor de que o mecanismo de resgate chegue a disparar nos mercados, e que mais uma vez os problemas financeiros dos bancos espanhóis resultem em maior dívida soberana, o que acarretaria num aumento insustentável dos juros pagos para o país poder se endividar nos mercados credores.

Enquanto a Alemanha diz que é uma questão de cada país escolher se necessita ser resgatado, nada é pactuado sem a adesão estrita e efetiva aos programas de ajuste e, por conseguinte, sem que o Estado seja garantidor dos pagamentos. São os principais bancos alemães e franceses que motorizam o endividamento de Grécia, Espanha, Portugal e outros países. Este jogo é especialmente benéfico para a Alemanha, cujas exitosas manipulações dos juros da dívida de outros países já trouxeram 70 bilhões de euros aos seus bancos, já que paga muito pouco para endividar-se em relação ao restante dos países europeus, e é o mais seguro local para os investidores. De qualquer forma, os trabalhadores espanhóis estão à mercê das manobras financeiras de Merkel e Rajoy.

Crise do bipartidarismo

Neste contexto, a crise do bipartidarismo espanhol golpeia as duas principais legendas da burguesia nacional. Apesar da vitória na Galícia, o PP não obteve aumento, mas quedas brutais nas intenções de voto, depois das derrotas fragorosas nas eleições asturianas e andaluzas em março (onde perdeu meio milhão de votos num de seus principais bastiões eleitorais em relação às gerais de 2011). O governo do PP é consciente de que o “triunfo galego” é incapaz de reverter seu desgaste em outras regiões, e muito menos compensar o crescente descontentamento social que se expressará na greve geral do 14N, que com as penúrias acima do habitual deixa cada vez menos brecha para que a burocracia sindical conduza os trabalhadores por trás de uma política passiva e parlamentar. No flanco “esquerdo” do Regime, o PSOE é ainda mais golpeado: sofre um retrocesso de 10 pontos nos resultados do País Basco e da Galícia, continua governando apenas 2 de 17 estados e bastiões como os socialistas catalães se encaminham a retrocessos históricos.

Por um lado, os dois principais partidos do Regime de 78, PSOE e PP, os mais comprometidos e implicados nas políticas anti-operárias, estão sofrendo uma crescente crise e deslegitimação social, o que debilita o Regime de conjunto. Por outro lado, os principais partidos das burguesias basca e catalã (PNV e CiU), que são parte sustentadora do Regime, estão se fortalecendo. No País Basco, quase 60% dos votos foram para as forças “soberanistas” (um “direito de autodeterminação” expresso distorcidamente por fiéis representantes da burguesia basca, como o PNV), que como a formação da esquerda abertzale (“nacionalista”) EH-Bildu, se fortalecem no regime moderando seu discurso e programa com chamados a resolver a questão basca por meio de uma negociação com o Estado Espanhol, removendo das mãos das massas trabalhadoras a decisão de seu direito de autodeterminação. Na Catalunha esta polarização pela esquerda está ainda contida pelo giro soberanista de CiU, que graças à política de colaboração de classes da Assembleia Nacional Catalã e das principais forças independentistas, está sendo a principal força capitalizadora do movimento pelo direito de autodeterminação, além de outras formações da esquerda independentista.

As expressões eleitorais em chave reformista no quinto ano da crise

Com os resultados eleitorais da esquerda abertzale, vai-se instalando no Estado Espanhol – um fenômeno contraditório, mas que ganha contornos mais internacionais no quinto ano da crise – uma tendência ao fortalecimento de fenômenos eleitorais reformistas de esquerda, em que, ao mesmo tempo que expressam um deslocamento de parte do eleitorado à esquerda das legendas oficiais da burguesia, podem atuar como instrumentalização, a modo de desvio, de todas as legítimas aspirações sociais da população, enjaulando as mobilizações sociais dentro dos marcos do regime burguês.

Esta “nova” onda de fenômenos reformistas de esquerda ou de coalizões eleitorais, que em distintas proporções se caracteriza por não ter nenhum peso estrutural na classe operária, que buscam consolidar-se nos espaços anteriormente ocupados pela desgastada social-democracia européia [1] à esquerda do entramado de instituições imperialistas criadas no pós-Guerra Fria, (como a UE), e sem buscar chocar-se com nenhuma dessas instituições do Estado burguês ou da propriedade privada, não é exclusiva do Estado Espanhol. Outras formações como o Front de Gauche na França (formado pelo PCF e pelo Partit de Gauche de Mélenchon), o Syriza grego (composta pela cisão eurocomunista do velho partido stalinista, ecologistas, maoístas, e setores que reivindicam o trotskismo), o Die Linke alemão (formado por uma cisão do PSD com os herdeiros do stalinismo da RDA), estão enraizadas em programas de reformas políticas e sociais, e buscam manter aqueles que procuram respostas à esquerda do reformismo tradicional por dentro das instituições do regime.

Partidos burgueses e seus maquiadores de esquerda: todos defensores do regime de ajustes!

Assim como nos outros países, as variantes políticas, que se constroem sobre espaços eleitorais reformistas de esquerda, não podem ter um projeto distinto de suas burguesias nacionais (como é o Syriza na Grécia, que compartilha com a burguesia grega pontos programáticos importantes, como não deixar de pagar a dívida e permanecer um “capitalismo viável” dentro da construção européia imperialista). Mesmo a possível entrada de EH-Bildu no governo basco só poderia dar um falso verniz de esquerda nacionalista a um Governo anti-operário forjado na fornalha dos pactos de transição com o franquismo e a monarquia.

Evidentemente, nem o PP nem o PSOE, tampouco PNV ou CiU (para além de sua demagogia para negociar suas condições com Madri) vão resolver os principais problemas dos trabalhadores e da juventude, nem a questão da opressão nacional contra os territórios dominados pelo imperialismo espanhol. Todos eles foram pais deste podre Regime de 78 e todos estão de acordo em fazer com que os trabalhadores paguem pela crise. A convocatória da greve geral do 14N na Espanha e em Portugal, e a jornada de luta dos sindicatos europeus, é um momento importante para os trabalhadores europeus que querem resistir ao ajuste; mas esse dia deve evidenciar também a fraude dessa estratégia burocrática que consiste em mais uma vez chamar ações de descompressão que não contribuem para a continuidade do desenvolvimento da luta.

É necessário que os trabalhadores comecem a lutar com seus próprios métodos, sob a unidade de todos os trabalhadores do Estado em sua própria organização política, que se proponha lutar por uma perspectiva revolucionária contra o Governo e o Regime, avançando na expropriação e confisco dos capitalistas para solucionar todos os problemas da classe trabalhadora e dos setores explorados. Para isso, há que varrer todos os obstáculos no caminho: a burocracia sindical, o reformismo “em reconstrução”, e os setores nacionalistas, tarefas que tornam mais atual e urgente a construção de um partido operário revolucionário na Espanha.

[1A. Callinicos, do SWP britânico (que impulsiona a frente de colaboração de classes RESPECT, na Inglaterra), chama de “ressurgimentos tardios da social-democracia” essas formações que conseguem relevo no espectro político em função da social-liberalização da “velha esquerda” européia. Ver em: http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=5312.

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