Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

FRENTE A QUEDA DE KADAFI NA LÍBIA

É preciso superar a confusão estratégica da esquerda

16 Sep 2011   |   comentários

A quase um mês da derrubada do ditador líbio, Muamar Kadafi, resultante das operações levadas adiante pelas forças da OTAN e pelos rebeldes chefiados pelo Conselho Nacional de Transição, abre-se um cenário que aponta a resultados extremamente contraditórios. Seguem os ataques de forças leais a Kadafi, como a ocorrida numa refinaria de petróleo perto da cidade Ras Lanuf em 12/09. Ainda que a queda de Kadafi seja um fato, esta situação demonstra as tensões existentes, que podem levar até mesmo a elementos de guerra civil. Desta forma, os imperialismos europeus e os EUA buscam acelerar a instauração de um governo capacho da CNT.

Mas o que os imperialismos buscam acelerar também é a divisão do botim, com a benção da direção burguesa e entreguista da CNT. Como apontou o ex-assessor de Bush, Richard Haas: “os 7000 vôos de aviões da OTAN tiveram um papel central na vitória rebelde. A ‘intervenção humanitária’ para salvar vidas supostamente ameaçadas, foi de fato uma intervenção política para conseguir uma mudança de regime. Agora a OTAN tem que manejar o seu próprio triunfo”. (Financial Times 22-8-11). Os governantes de vários países, com destaque para aqueles que cumpriram um papel preponderante na ofensiva militar, reuniram-se para discutir como dividir o bolo. “A cúpula foi uma antecipação das disputas entre as potências imperialistas que buscam recuperar seu ‘investimento’ nos bombardeios, garantindo-lhes a melhor parte da exploração do petróleo e os diversos negócios como a reconstrução da infra-estrutura destruída. A posição agressiva da França gerou temores e tensões entre as potências européias e outros países com interesses na Líbia. A notícia publicada pelo jornal Liberation no mesmo dia da cúpula declarou que a CNT havia garantido a Sarkozy 35% da exploração petroleira para a francesa Total, alimentando ainda mais estas disputas [1] ”. Longe de se constituir como uma “vitória das massas”, a derrubada de Kadafi, da maneira como se deu, demonstra ser a vitória da política imperialista que favorece os EUA, a França e a Grã-Bretanha.

Na esquerda a confusão é reinante. De um lado estão as correntes castristas, chavistas, e stalinistas que sempre apoiaram Kadafi. No pólo oposto, mas com uma posição não menos equivocada, temos a LIT-PSTU que caracteriza a derrubada de Kadafi como uma “tremenda vitória das massas”, abrindo um precedente perigoso na medida em que sua política não considera devidamente o papel da OTAN como elemento fundamental para os resultados deste processo. Ambas as posições não servem para tirar as lições necessárias do processo líbio, e desta forma preparar os revolucionários e os trabalhadores para responder aos desafios colocados pela luta de classes.

Uma vez mais: apoiando Kadafi não se combate o imperialismo

O presidente venezuelano Hugo Chávez em 5 de setembro pediu ao ex-ditador líbio que “resista”. Fidel Castro, como é parte de sua trajetória política, também prestou efusivo apoio a Kadafi negando também a existência qualquer tipo de insatisfação popular contra o ditador. Tanto Hugo Chávez quanto Fidel Castro tentaram vender a errônea idéia de que defender Kadafi - responsável pelo assassinato de milhares de pessoas, pela entrega dos ricos recursos energéticos do país ao imperialismo recentemente, e pela opressão de seu povo - seria lutar contra o imperialismo. A falsidade disso se demonstra em toda a trajetória recente do ex-ditador.

O PCB, por sua vez, apesar de declarar que “não se trata de defender o governo de Kadafi, mas de combater o imperialismo [2] ”, não levanta uma única denúncia conseqüente contra o ditador, com uma posição que separa o combate contra a OTAN do combate à ditadura de Kadafi. Pior, ainda é condescendente com o ex-ditador: “A invasão da Líbia foi uma decisão dos países imperialistas, especialmente Estados Unidos, França e Inglaterra, visando a controlar o petróleo e o gás líbio, além dos recursos do tesouro nacional, que Kadafi ingenuamente depositou nos bancos ocidentais, imaginando que isso lhe pouparia da fúria imperialista”. Ingenuamente? Ingênuo é o PCB pretender que se creia que o fato do dinheiro público da Líbia estar em cofres imperialistas seria produto da ingenuidade de Kadafi. Este fato advém da submissão do ex-ditador aos imperialismos, de quem havia se tornado aliado, questão que o PCB sequer menciona. Se a OTAN decidiu atacar a Líbia foi por que viu uma ótima oportunidade de se relocalizar na região, e impor uma derrota à primavera árabe, evitando que o regime caísse pela ação independente das massas. E não por tensões com Kadafi.

Mais adiante o PCB caracteriza como “lúmpens” os setores que se organizaram contra Kadafi, sem distinguir os setores populares que compuseram o levante em fevereiro, da direção burguesa da CNT. Como dissemos em artigos anteriores, “havia uma possibilidade de que o levante popular iniciado em Bengasi se estendesse e derrubasse a ditadura de Kadafi por uma ação independente do movimento de massas, que nos primeiros dias passou a se armar espontaneamente. Mas essa possibilidade foi abortada. Rapidamente, o CNT, sob o qual passaram a ter crescente peso setores burgueses, lideranças das tribos opositoras, ministros e chefas militares que rompiam com Kadafi, tratou de conter a espontaneidade dos primeiros dias de levante e centralizar milícias sob sua completa e rigorosa direção [3] ”. Negar esta dinâmica visa a um só objetivo: defender Kadafi de maneira envergonhada.

Aonde vai o PSTU-LIT: “tremenda vitória das massas” e “unidade de ação com o imperialismo”?

A posição da LIT-PSTU é também equivocada, embora no sentido oposto: consideram a derrubada de Kadafi, mesmo que sob as mãos da OTAN, “uma tremenda vitória das massas”. Isola para isso completamente a queda do ditador da maneira como esta se deu. Resgatamos nosso debate contra esta posição, já que mantém toda a sua validade:

Para a LIT/PSTU – que comete o mesmo erro que em sua avaliação do processo no Egito, sem chegar a concluir que a separação da etapa “democrática” da etapa socialista da revolução foi responsável pelo desvio do processo e pela usurpação das conquistas parciais dos trabalhadores egípcios por parte do Conselho Supremo – a direção do CNT só constitui um perigo agora, depois da queda de Kadafi. (...) Longe de encontrar uma das maiores debilidades do processo líbio – assim como da primavera árabe – na ausência de hegemonia da classe operária (...) a LIT não se incomoda com o fato de que as condições para a queda de Kadafi foram preparadas a partir do colaboracionismo do CNT com o imperialismo. Limita-se a dizer que “depois da tremenda vitória do processo revolucionário” (sic), o povo líbio deve se resguardar contra “a instância pró-imperialista e burguesa do CNT. (...)

A LIT acha que pode desembaraçar-se da contradição (do papel da OTAN na queda de Kadafi) com uma descrição escandalosa (sem nenhum paralelo com a tradição marxista revolucionária). Assim escreve: “a contradição é que, no terreno militar, existiu uma unidade de ação entre o imperialismo e as massas (!!!) para derrubar Kadafi, mas com objetivos de fundo totalmente opostos: as massas querem liberar o país da opressão e o imperialismo deter a revolução para prosseguir o saque das riquezas líbias”. Esta definição quebra a interação entre os fatores objetivos e subjetivos da análise e portanto se torna uma caracterização anti-marxista; é uma lógica objetivista na qual o fator subjetivo não tem conseqüência sobre os resultados. (...)Lógica esta tributária da tradição de Nahuel Moreno, que afirmava que não era obrigatório que a burguesia “democrática” tivesse um papel reacionário na primeira etapa de uma luta contra um regime ditatorial. Levando essa lógica de definir a política dos revolucionários a partir do regime (a forma) e não do caráter de classe (conteúdo) do Estado, Nahuel Moreno chega a dizer que o exército norte-americano poderia ter cumprido um papel progressista durante a Segunda Guerra Mundial. Será que a LIT opina que a OTAN cumpriu um papel progressista? (...) A preponderância da ação imperialista não foi um “detalhe”, como quer fazer parecer a LIT: ela negou a possibilidade de uma atuação independente das massas, fazendo com que os “rebeldes” atuassem enquanto “tropa terrestre” da intervenção aérea das potências. [4]
Agregamos a isso, o próprio desenvolvimento da situação líbia. Mustafá Abdel Yalil, que se prepara para assumir o poder, anunciou em discurso público que o regime que forjará no país defenderá uma “sharia moderada”. Sharia é o termo empregado para os Estados teocráticos que se baseiam nas leis islâmicas. Por mais “moderado” que possa vir a ser, isso significará não um “tremendo triunfo das massas”, mas um regime baseado em leis religiosas, que por definição é antidemocrático, sobretudo com as mulheres.

O processo líbio comprova que a grande tarefa posta para os revolucionários não é embelezar os resultados dos processos que se abrem contra as ditaduras no Oriente Médio, mas tirar as lições corretas, de modo a recompor os fios de continuidade com o melhor da tradição revolucionária. A Teoria da Revolução Permanente segundo a qual só a classe trabalhadora pode resolver as questões democráticas estruturais, e que esta luta deve se ligar à revolução socialista, se demonstra novamente – pelo resultado contraditório que advém da ausência destas condições – na Líbia. Quanto mais o PSTU-LIT insistem
em sua caracterização embelezadora, mais se distanciam deste legado.

[1Los “amigos” imperialistas de los “rebeldes” discuten el futuro de Libia, em www.ft-ci.org

[2Líbia: contra a guerra imperialista! (nota política do PCB) – www.pcb.org.br

[3Idem

[4A LIT acha progressista a “a unidade de ação entre as massas e o imperialismo” na Líbia?, em www.ler-qi.org

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo