Sábado 20 de Abril de 2024

Nacional

BASTA DE RACISMO

É preciso lutar contra o racismo e a violência policial

26 Sep 2009   |   comentários

O caso de racismo no Carrefour Osasco contra Januário Alves de Santana no início de agosto escancarou uma vez mais como o racismo se coloca presente em suas formas mais violentas. Acusado de roubar o próprio carro no estacionamento do hipermercado, ele foi brutalmente agredido durante mais de vinte minutos. Após a chegada da polícia, que omitiu socorro, as humilhações tiveram continuidade com afirmações racistas raivosas dos policiais do tipo “Sua cara não nega. Você deve ter pelo menos três passagens pela polícia” .

Fatos como esse acontecem todos os dias, mas não conseguem ganhar repercussão na mídia. O caso de Januário expressa uma realidade cotidiana e não uma exceção. Uma realidade que demonstra que todos os discursos de democracia racial e as afirmações “Não somos racistas” significam uma grande farsa que se arrasta há tantas décadas. As acusações que atribuem ao movimento negro a tentativa de criar uma divisão racial no país expressam como os ideólogos da democracia racial deturpam a realidade a favor de seus interesses. Ao contrário do que dizem, o racismo é uma marca profunda na sociedade brasileira e mais do que algumas expressões ideológicas é na verdade uma aspecto estrutural da formação dessa sociedade.

Frente a casos como o do Carrefour, nos colocamos a perguntar como ainda é possível que a imprensa e a universidade permaneçam repletas de jornalistas, sociólogos, historiadores, etc que condenam os movimentos de luta anti-racista ’ exatamente porque para eles o Brasil não é um país racista. Mas como escamotear essa realidade quando os trabalhadores negros seguem recebendo menores salários, permanecem com os maiores índices quando se trata de desemprego, além de ainda ter que se deparar com as exigências de “boa aparência” nas entrevistas de trabalho? Ou quando na imensa maioria das cadeiras universitárias os negros seguem ausentes? Ou ainda quando as mulheres negras seguem como o principal alvo do turismo sexual, numa demonstração violenta de como o corpo feminino negro é mercantilizado sob o estereótipo da mulata, fundado a partir do não menos violento estupro colonial. Ou quando Januário Santana é agredido como foi? Quando Marcelo Campos ’ negro e homossexual ’ é assassinado por um grupo de extrema direita no dia da Parada Gay deste ano em São Paulo.

Sobre o caso do racismo no Carrefour, é necessário dizer que todas as tentativas de conciliação não poderão corrigir ou apagar um fato tão abominável. Mais que isso, todas as tentativas de conquistar uma imagem de empresa com “responsabilidade social” não podem mascarar nem a brutal exploração a que o Carrefour submete seus funcionários, em grande parte mulheres, nem a orientação dada à segurança impregnada de racismo ’ ser negro é automaticamente ser suspeito. Por isso não colocamos nenhuma ilusão no diálogo aberto entre Carrefour e setores do movimento negro e da esquerda. O racismo só poderá ser combatido seriamente com mobilização e enfrentamento aos governos e às empresas e não com projetos de embelezamento daqueles que são os nossos grandes algozes..

Todo camburão tem muito de navio negreiro

Não é de hoje que a combinação de racismo e violência policial significa corpos negros estendidos no chão. No início do ano passado, vimos as mães de Salvador saindo às ruas denunciando a repressão a que seus filhos estavam submetidos. Em manifestações, elas lembravam seus filhos mortos e exigiam o fim da violência policial. Recentemente, temos visto mobilizações de moradores em favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo com o mesmo caráter. Recentemente, o caso de Heliópolis gerou repercussão quando jovens moradores se levantaram denunciando o assassinato de uma jovem de 17 anos que voltava da escola por parte da guarda civil de São Caetano do Sul, município vizinho. A forma como a polícia enfrentou os moradores não esconde em nada a concepção de que os trabalhadores que moram na favela, em sua maioria negros e nordestinos, devem estar submetidos aos chicotes da polícia. A violência contra as mulheres se expressa com a denúncia de casos de estupro por parte de soldados do BOPE no Rio de Janeiro.

A violência policial foi um eixo muito forte de denúncia feita pelo movimento negro no fim dos anos 70, ainda em tempos de ditadura. Foi, na verdade, um fator fundamental no processo de mobilização e reorganização do movimento negro naquele momento. A fundação do MNU (Movimento Negro Unificado) é um exemplo emblemático nesse sentido. A morte de um trabalhador negro que foi acusado de roubar frutas e torturado pela polícia foi um dos fatos que ganhou centralidade no processo de mobilização que culminou na formação do MNU. A combatividade que apresentou o movimento negro naquele contexto, é um exemplo importante que precisa ser resgatado nos dias de hoje.

Com a transição pactuada da ditadura à democracia, a repressão policial e o racismo obviamente não foram extintos. Mudou o regime, mas permanecemos sob o mesmo sistema, fundamentado na propriedade privada. O Estado segue administrando os interesses da classe burguesa e para isso conta com suas instituições. Dentre elas estão os órgãos de repressão, tendo a polícia o papel de defender a propriedade privada, garantindo segurança a uma ínfima minoria da população, em contraposição à brutalidade da agressão e do assassinato de trabalhadores, camponeses e da juventude negra. É necessário dizer: essa democracia tem classe: é burguesa; e como burguesa que é, é extremamente racista, carregando consigo as heranças mais nefastas do período escravista. Seguimos dizendo: todo camburão tem muito de navio negreiro!

Nesse marco, é necessário abrir um sério debate sobre o papel da polícia. Quando se desenvolve uma crise capitalista de dimensões históricas, como a que começamos a viver, que coloca como tendência o ressurgimento de processos mais duros de luta de classes, temos que saber que a polícia terá seu papel a cumprir na repressão à luta dos trabalhadores e de todos os oprimidos que se levantem. Numa situação em que ainda prima a passividade, pudemos ver há poucos meses a truculência da polícia militar ao invadir o campus da USP numa empreitada da reitora e do governo do estado de SP a fim de reprimir a luta dos trabalhadores em greve. Ao mesmo tempo, a repressão à juventude negra é crescente. E não somente os governos estaduais enviam suas polícias, mas também o governo federal de Lula envia a Força Nacional para os morros derramando o sangue dos moradores em ações cada vez mais violentas, que impedem que os moradores saiam para ir trabalhar, que as crianças saiam rumo à escola.

Por tudo isso, combatemos todas as visões que se colocam na perspectiva de humanização da polícia. Na contra-mão de uma combatividade que questione a polícia enquanto órgão de repressão a serviço do Estado capitalista, setores do movimento negro (principalmente ligados a ONGs) dedicam tempo e arrecadam recursos financeiros para projetos de “capacitação” dos policiais e “conscientização” sobre o problema do racismo. Um absurdo! As instituições do Estado capitalista são racistas e não se sensibilizarão com discursos pela igualdade racial. O que está colocado como tarefa é, sim, denunciar e lutar contra essas instituições. O combate à violência policial racista precisa ligar-se a uma luta pela dissolução da polícia, dizendo em alto e bom som que os trabalhadores, os camponeses, o povo negro não precisamos de polícia!

Mara Onijá, dirigente da LER-QI e integrante do Pão e Rosas

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