Quinta 25 de Abril de 2024

Internacional

BOLIVIA: TRIUNFO DE EVO E RATIFICAÇÃO DOS AUTONOMISTAS

E depois do referendo, o que virá?

23 Aug 2008   |   comentários

Em 10/08 o governo e a imprensa bolivianos celebraram a “festa democrática” à qual somaram-se até os opositores mais acirrados. Às vésperas, um acordo entre o governo, a CNE [1] e os tribunais eleitorais dos estados [2] pró-autonomistas [3] tinha “interpretado” a lei e adotado o critério de 50% +1 dos votos para a ratificar ou não os prefeitos, aplainando o caminho às urnas. A OEA (Organização de Estados Americanos) deslocou 120 observadores para supervisar o evento, enquanto a ONU e os governos do Mercosul reafirmaram sua “preocupação com a democracia” . Apresentamos uma primeira análise, enquanto os realinhamentos no cenário político boliviano ainda estão decantando.

Um triunfo importante para o MAS [4] no marco da polarização

Evo se ratifica na presidência com 67% dos votos nacionais (em 2005 tinha alcançado 53,7%), arrasando no Altiplano e nas áreas rurais e elevando sua votação no Oriente (ganhou em Pando e chegou a 40% em Santa Cruz e Tarija) e empatou em Chuquisaca. O grande apoio no estado de La Paz e na cidade de El Alto contribuíram muito com um respaldo que dá novo ar ao governo após os vários tropeços políticos nas consultas departamentais autonomistas na primeira metade do ano.
O resultado e a ampla participação (83% dos votantes padrão) refletem que em amplos setores populares, no campo e nos povos originários, assim como entre os trabalhadores e classes médias empobrecidas, há amplas expectativas em Evo, que é visto como “seu” presidente, por sua origem sindical e indígena, com ilusões renovadas nos planos sociais, nas promessas democráticas e nacionalistas e canalizando o rechaço à direita abertamente burguesa, latifundiária e pró-imperialista.
A derrota de “Pepelucho” Paredes (La Paz) e Reyes Villa (Cochabamba) favorece o MAS e seus aliados, que podem lançar-se a conseguir o controle de duas prefeituras chave nas futuras eleições. Possivelmente, o grande perdedor seja a direita parlamentar (PODEMOS, UN, MNR), que fica apagada, com os autonomistas do Oriente consolidados como a “oposição real” .

Mas ao mesmo tempo os prefeitos opositores da “meia lua” - Rubén Costas, Mario Cossio, Fernández e Suárez - se “plebiscitaram” envoltos na bandeira autonomista (ainda que os resultados departamentais mostram que seu controle não é tão contundente como pretendem), enquanto que nas regiões urbanas se expressou o ânimo conservador da pequena burguesia.

A aritmética eleitoral reflete de maneira distorcida a enorme polarização social e política sobre linhas territoriais, que caracteriza o processo boliviano. O triunfo do MAS não é suficiente para preparar o caminho para suas reformas, ao mesmo tempo que as vitórias autonomistas mostram os limites da direita nacionalmente.

Outra vez chamando ao diálogo

No calor das comemorações, Evo renovou as ofertas de diálogo e concessões aos autonomistas: “”˜Estamos convencidos de que é importante unir os bolivianos, e a participação do povo com seu voto é para unir os distintos setores do campo e da cidade, do oriente e do ocidente, e essa unidade se fará juntando a nova Constituição Política do Estado boliviano com os estatutos autonómicos”™, afirmou Morales” (ABI, 11/8/08).

Por sua vez, os prefeitos da oposição agrupados no CONALDE [5] chamaram ao “desarme espiritual” , a fazer “todos os esforços por um reencontro” e a um “acordo com o diálogo” (La Razón , 11/8/08).
Rubén Costas tinha reiterado na TV a necessidade de um “grande acordo nacional” , ainda que depois da votação mostrou-se mais resistente dizendo que avançará na “autonomia de fato” com eleições para deputados e “sub-governadores” , impulsionando uma “polícia departamental” e uma “agência tributária” própria. Isto parece ser mais uma tentativa para negociar a partir de posições de força, condicionado pela extrema direita local que chegou a gritar “independência” . De fato, ao mesmo tempo, Gabriel Dabdoub, poderoso empresário de Santa Cruz, que encabeça a CEPB (central patronal boliviana) declarou que “O povo quer paz e se deve depor as atitudes contrárias a esta e sentar para dialogar e alcançar um acordo através de um mecanismo que permita encontrar estas semelhanças, porque sem dúvida há mais afinidades do que divergências (”¦) mas estas devem ser resgatadas e encontradas com o diálogo”™ (ABI, 11/8/08).

E a isso se soma um coro que vai desde a Igreja à forte pressão internacional da ONU, da OEA, Lula, Cristina Fernández etc., reivindicando que se abram as negociações e colocando um limite aos setores mais exaltados do autonomismo.

Possivelmente nos próximos dias e semanas irão se desenhando canais de um novo processo de negociações, entre forcejos e imposição de condições para fazer pesar as respectivas posições validadas nas urnas, sendo já dois eixos de confronto a “compatibilização” entre a nova Constituição nacional e os estatutos dos estados autonomistas e a demanda dos estados pelo Imposto Direto aos Hidrocarbonetos.

Nuvens carregadas no horizonte

De qualquer maneira, o plebiscito revogatório não resolveu a crise política e reafirmou a polarização. Abre-se um momento de esforços por negociações e ganha força o caminho das urnas para canalizar a crise (já se define um calendário de novas eleições departamentais, municipais, possível referendo pela nova Constituição Política do Estado (a CPE)), mas é difícil chegar a um “acordo nacional” que permita assentar um novo regime político reconhecido por todos, acordo reacionário que só poderia consumar-se contra as mais elementares demandas populares.

A classe dominante, apesar de sua irritação, necessita do MAS como única força de contenção ante um movimento de massas explosivo, e sua principal estratégia provavelmente seguirá sendo o desgaste e o bloqueio das iniciativas do governo, como a nova Constituição, esperando as eleições de 2010.

Ao mesmo tempo, os ventos reacionários que sopram na conjuntura sul-americana também se fazem sentir na Bolívia e isto impulsiona a direita a pressionar o MAS para fazer maiores concessões, ainda que sem poder se esquecer de um movimento de massas cheio de esperanças. Por isso, em meio às profundas contradições que alimentam uma crise política já crónica, não se pode descartar que novos fatores ’ uma crise económica severa, “curtos-circuitos” políticos, provocações autonomistas ou um estalido das massas -, re-atualizem a possibilidade de conspirações golpistas “para pór ordem” , passos em direção ao separatismo ou o espectro da guerra civil, em suma, de enfrentamentos mais abertos entre a contra-revolução e a revolução.

A vanguarda operária e popular necessita superar os limites que lhe impõe o MAS e dotar-se de um programa a altura dos desafios e ameaças que a etapa coloca.

A Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional (LOR-CI), é a organização irmã da LER-QI na Bolívia, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Corte Nacional Electoral. Algo como o STE (Superior Tribunal Eleitoral) do Brasil.

[2Na Bolívia, a figura jurídica que corresponde aos Estados da federação brasileira, são os “departamentos” .

[3São os chamados departamentos da “Meia Lua” , onde as burguesias regionais pretendem conquistar autonomia em relação ao governo central boliviano.

[4Partido do presidente Evo Morales.

[5Conselho Nacional Democrático. Organização de políticos autonomistas, de oposição a Evo Morales.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo