Sexta 19 de Abril de 2024

Movimento Operário

Dor mineira

05 Jul 2004   |   comentários

A linda paisagem rende uma homenagem solene aos homens que todos os dias entram para trabalhar nas entranhas da montanha. Os rostos de quem caminha pelas pequenas ruas do povoado expressam a grande dor que se vive em Rio Turbio.

Nas primeiras horas de segunda-feira ainda não tinham sido enterradas todas as vítimas. Os capacetes acesos iluminam os caixões, esperando sua sepultura. A impotência frente a tragédia vai fervendo uma fúria incontrolável dentro daqueles que salvaram suas vidas.

Já de manhã são trazidos os contingentes de centenas de mineiros com suas famílias, vizinhos, todo o povo. A localidade de 28 de Novembro ’ a 16 quilómetros de Rio Turbio ’ se alinha ao cortejo que acompanhara o corpo: “Silverio Mendez, presente, presente, presente” .

Depois do meio dia, mais de mil pessoas se aglomeram no centro comunitário de Rio Turbio para levar Chavez e Vedia até o cemitério. Subimos o inclinado caminho enquanto o céu solta seu fino pranto que cobre a todos. Somente o corpo de Hernandez fica sem sepultura. Na terça, logo cedo, se juntam para percorrer os poucos quilómetros que separam o Turbio do povo de Natale, no Chile, para cumprir esta desagradável tarefa. Dentro da Igreja o cantor popular entoa sua canção ’ “o que vai acontecer com um operário” ’, todos os presentes desandam a chorar. Ao terminar, um grito: “até a vitória” , e centenas repetem: “sempre, sempre, sempre” . Enquanto o cortejo vai se aproximando do cemitério, milhares se unem à peregrinação.

Os dias passaram, os meios de comunicação vão se esquecendo do que aconteceu em Rio Turbio. Mas todos sabemos que querem ocultar a verdade, todos sabem o que aconteceu e porque querem esconder. Já não há sentido em ficar em silêncio. Nada pode ser como antes, depois desta tragédia, que ninguém duvida em qualificar como assassinato. Ainda não foi dita a última palavra.

ENTREVISTA A UM SOBREVIVENTE

O que aconteceu dentro da mina?

Fomos recebidos por uma linda mulher de cabelo branco, comprido, e rosto juvenil. As crianças não foram para a escola. É impossível normalizar a vida do povo. Em uma arrumada e clara sala de estar nos espera Segundo. Sua companheira nos oferece algo para tomar. Segunda Tejada se senta em sua cadeira, junta as mãos e fala com grande dor.

“Faz 31 anos que estou nesta empresa, sempre no interior da mina. Aconteceu algo muito triste que poderia ter sido evitado. Não souberam evitar esta situação, no momento mais crítico se poderia ter salvado vidas. Quando chegamos ao local de trabalho, durante o terceiro turno, cada um estava em seu lugar de trabalho e nos pediram para parar um pouco porque não havia energia. Passaram os minutos e nos avisaram para que evacuássemos todos em direção à galeria principal, de onde saímos. Ao chegar lá, estava um caminhão esperando e começou a chegar a fumaça que vinha para onde nós estávamos, assim que subimos no caminhão ’ cerca de 50. À medida que íamos avançando para fora a fumaça aumentava, até que o caminhão começava a parar, já que se perdia a visão por causa da fumaça; até que não se via nada e não se podia avançar. Ai já estávamos todos sufocados, mal. Descemos do caminhão, se escutavam gritos para que nós abríssemos espaço, e que não nos atropelássemos. Mas não se via nada, nos reconhecíamos pela vozes, que há tanto tempo ouvíamos, já que trabalhamos juntos. Tratei de não perder a calma e concentrar-me em uma forma de sair. Neste tempo maldito, escutávamos nossos companheiros e não podíamos fazer nada. Saímos caminhando em total escuridão, com a fumaça que nos asfixiava e ardia a garganta, os olhos, e, asfixiados, batíamos nos arcos. Eu me concentrava em pisar firme porque sabia que essa era a pegada deixada pelo caminhão. Aí avançamos muito mais rápido. Em um momento tomamos a mão de um companheiro, mas em seguida o perdi, não sei quem foi nem se saiu. De outro companheiro, quando o escutei falar ao lado, me agarrei na jaqueta e o segui um pouco. Também o perdi, ainda que este tenha saído. As pernas já não me obedeciam, escutei um ruído muito forte e um calor, era onde estava incendiando.

Escutamos gritos de nossos companheiros que estavam fora da fumaça, gritos que nos alentavam dizendo que devíamos nos dirigir para lá. Ia me ajoelhando quando um companheiro me agarrou o braço e me levou; neste momento, eu desmaiei e fui ao chão, perdi o meu capacete e minhas coisas. Havia um transporte para onde nos carregaram e nos levaram até a superfície, fora da mina.

Quando chegamos não estava a organização, como deveria ser, as ambulâncias não sabiam o que fazer, se entravam ou não, e nós gritávamos com desespero: “não discutam neste momento, vão salvar os nossos companheiros” . Nisso, chega uma caminhonete da empresa, de um dos chefes, eu fui e lhe disse que salvassem os nossos companheiros. Um tempo depois chegaram as ambulâncias e nos levaram ao hospital; o atendimento foi bom e ficamos esperando que salvassem os nossos outros companheiros, mas não foi assim. Quando chegaram as equipes de salvamento estes não se animaram a se meter na mina porque era muito escura, mas se estivessem preparados poderiam ter resgatado pelo menos um, porque não estavam longe. Alguns companheiros lhes diziam que passassem os equipamentos; porque sem máscara era impossível entrar, se eles não podiam.

Outros companheiros que saíram do segundo turno estavam fazendo hora extra. Quando tudo começou, Mendez, que morreu, chamou pelo telefone o Arancibia, que também morreu, e lhe disse: “Aqui está chegando muita fumaça. Sim ’ responde ’, mas não é dos equipamentos elétricos, é da fita que está pegando fogo” .

Então passaram-se alguns minutos e já havia sido dada a ordem para evacuar, mas por causa da fumaça era impossível, e se desencadeou a tragédia. Mas este é o lugar mais seguro da mina e isso já aconteceu uns dois anos atrás, em duas ocasiões. Nós, os trabalhadores, como sempre, fizemos um protesto, paralisação. Depois da entrega da concessão ao Tasselli não houve nenhuma mudança, somente promessas. Anunciaram grandes mudanças, mas estas não chegaram. Aqui nós, os mineiros, colocávamos nosso grão de areia para que a mina continuasse, ninguém queria ficar sem trabalho, todos colaboravam. Demos uma luta junto com os nossos companheiros que combateram até o final, até perder a vida.

Fomos milhares de companheiros os que lutamos quando o governador era o atual Sr. Presidente, mas quem era secretário do Trabalho na província, que hoje foi nomeado interventor, em todos os atos que fizemos não fomos ouvidos. O povo teve que se levantar para expulsar Tasselli. Isto que aconteceu é muito grave, não pode ficar impune, tem que haver justiça, as provas estão à mão, não há como errar, o culpado tem que pagar pela sua culpa.

Retirado do jornal operário Nuestra Lucha, Argentina

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