Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

Dois anos após a morte de Chávez, o país vive uma grande tensão política

09 Mar 2015   |   comentários

Em 5 de março de 2014, no período da tarde, o então vicepresidente se dirigia ao povo anunciando o falecimento do presidente Hugo Chávez, causado pelo câncer diagnosticado em meados de 2011. Após dois anos da morte de Chávez, o país vive uma grande tensão política.

Maduro aproveita o momento para se ligar ao chavismo

A morte de Chávez causou uma grande comoção nacional com fortes repercussões internacionais, e não era para menos, se trata da desaparição física de quem durante quase uma década e meia governou a Venezuela, liderando uma importante mudança do regime político e um projeto que o levou a ser o centro de importantes enfrentamentos políticos e sociais durante os últimos anos. Um projeto político que concentrou as expectativas e as esperanças da maioria do povo trabalhador, um líder de massas que entrou para a história política nacional há duas décadas e desde então não saiu dela, ao contrário, passou a ser a sua figura principal. Chávez teve, além disso, uma grande influência na América Latina.

Maduro não desperdiça o momento, e em função desta comemoração, organiza toda uma série de concentrações e atos públicos, além de um conjunto de atividades, buscando continuar realçando a figura de Chávez, ressaltando que seu governo é a completa continuidade daquele, para alinhar assim o conjunto do chavismo, em momentos em que sua popularidade se encontra em baixa, e inclusive começa a ser questionada entre setores chavistas do povo.

As celebrações começaram na quinta-feira à tarde, no primeiro ato pelo falecimento de Hugo Chávez na Praça Bolívar de Caracas, e foi transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, onde Maduro manifestou que “não devemos permitir nunca mais um 11 de abril”, em alusão ao golpe de 2002 e em sintonia com as atuais denúncias de um suposto golpe de Estado em curso. No começo da noite, novamente Maduro voltou a realizar um segundo ato desde o chamado Quartel da Montanha, localizado no populoso bairro “23 de janeiro”, também em Caracas no qual reiterou que as eleições parlamentares se realizarão em 2015, dizendo “digo aos estúpidos da agência Efe que faça chuva ou faça sol, este ano haverá eleições parlamentares na Venezuela e mais, vamos ganhar pela força do povo”.

O papel de Chávez

Não temos o espaço aqui para dizer todo o papel de Chávez na Venezuela, um dirigente político que se autodefinia como representante dos interesses do povo trabalhador e pobre, e sua desaparição física é motivo de discussões sobre seu legado, ainda que do nosso ponto de vista, Chávez não seja a expressão de uma liderança revolucionária, nem anticapitalista.

Hugo Chávez expressou as expectativas de uma vida melhor por parte de um grande movimento de massas que se havia posto em pé com ações de força histórica como as jornadas de 27 e 28 de fevereiro de 1989, ainda que também significou a conversão destas expectativas em reformas dentro do próprio capitalismo e a recomposição da autoridade estatal (incluindo suas Forças Armadas).

Sem dúvidas, Chávez teve grande apoio, especialmente entre os setores mais pobres da sociedade, gozou de uma grande simpatia na América Latina e em setores da esquerda mundial, e de uma férrea oposição patronal, ainda que em seus 14 anos de governo os grandes setores econômicos e empresariais jamais viram afetados seus interesses, e mais ainda sempre mantiveram suas ganâncias. Sob o chavismo, o Estado teve um papel mais intervencionista na economia, mas esta intervenção de conjunto esteve a serviço de preservar os interesses da burguesia nacional, incluídos novos setores – a chamada “burguesia bolivariana” – que enriqueceu pela mão do chavismo. Ao mesmo tempo, se gerou uma grande burocracia estatal que vive e faz seus negócios a partir da administração de empresas-chave que pertencem à nação, como as petroleiras, as indústrias de base, as de telecomunicações e outras áreas econômicas.

Chavez não cansava de falar sobre o "Socialismo do Século XXI", mas esse suposto "socialismo" significava não mais do que algumas reformas, mantendo e recompondo o regime da dominação burguesa e garantindo os negócios dos capitalistas. E este "Socialismo do Século XXI" não significou nada além das suas políticas redistributivas como foram as Missões que implicaram certa distribuição das receitas do petróleo, um regime de governo de desvio e de contenção do movimento de massas, em um períodos de crescimento das lutas e questionamento à ordem vigente. O "Socialismo do Século XXI" de Chávez deixa a mesma sociedade de exploração, tingida com uma dose de "justiça social" que mudou muito pouco a realidade de um país com "desigualdades sociais" específicas da sociedade de exploração. Os dados oficiais até a data da morte de Chavez mostram, por exemplo, que em 2010 os 20% mais ricos da população ficaram com 45% da renda nacional, enquanto aos 20% mais pobres correspondiam apenas míseros 6%. As famílias que compõem 40% da população com renda não têm ainda um quinto da renda nacional (apenas receberam 18%).

Tudo isso enquanto seguem de pé os negócios dos empresários e banqueiros nacionais e estrangeiros, levando aos ricos e a classe média alta uma vida de ostentação.

Sob a crise econômica que se acelerou com o Governo de Maduro, como já explicamos em outros artigos do Palavra Operária, uma crise que também ia explodir com Chavez, além das diferentes capacidades de manobra que vinha tendo, com respeito à gestão de Maduro, é uma expressão do fracasso de um projeto nacionalista burguês que veio mais uma vez demonstrar a impossibilidade de qualquer governo desse tipo resolver os problemas estruturais do país para além da retórica forte ao falar de "socialismo", como fez Chávez.

A situação atual aberta

A tensão política atual que o país vive é expressão e consequência também da morte de Chávez, pelo papel central que desempenhou na vida política nacional, por sua forma de governar, sustentada ao redor de uma figura forte, cristalizando-se em uma personalidade política que se propôs subir acima das classes, e até mesmo sobre as diferentes frações da classe dominante em todo este longo período político, o que chamamos de bonapartismo, baseado em forças armadas altamente politizadas.

Se abriu desde então uma situação traumática, porque o papel de árbitro de Chávez não pode ser desempenhado por nenhuma figura, Nicolás Maduro esteve muito longe desse papel. O equilíbrio das forças baseado em sua forma de governar tinha uma base de instabilidade permanente, pois era claro que o bonapartismo pessoal de Chávez, pela sua natureza, seria um gerador de caos após o seu desaparecimento físico. Estes dois anos que passaram o confirmam plenamente .

Como explicamos em vários artigos, as incertezas que agitam o país ainda sob "transição aberta após a morte de Chávez, em que a fraqueza política do governo de Maduro vem demonstrando desde o momento em que assumiu a presidência, que, ao lado da exaustão econômica do projeto político do governo, é a base de uma crise geral das formas de governo e regime político, tal como se mantiveram até agora.

Ao completar um ano da morte de Chávez, o país viveu momentos de tensão política, onde a polarização que viveu por mais de uma década e meia, novamente tornou-se mais conflituosa. Houve políticas do setor mais “radical” da direita do país, que chamou o povo às ruas promovendo mobilizações de teor "destituinte". buscando não apenas enfraquecer o governo de Maduro, mas buscando diretamente “uma saída”, como defenderam na época seus defensores, Maria Corina Machado e Leopoldo López – seus figuras mais famosas (os dois últimos atualmente presos).

Ao término do segundo ano da morte de Chávez, o país mais uma vez tensiona-se, pois continua se configurando uma situação mais convulsiva do que seria esperado. Desta vez atravessada pela combinação de duas grandes crises: a crise política pelo desaparecimento de Chavez da vida política nacional, marcando o início da transição para o pós-chavismo; e forte crise econômica em curso. É por isso que toda a tensão atual não é um acaso, pois desenvolve, mal desaparece da cena Chávez e também quando ressurgem os graves problemas da economia, o governo está sendo novamente cercado pela direita e pelo imperialismo com uma "transição não gradual" do pós-chavismo como temos afirmado. E nesse cenário a situação imperante, as movimentações da direita e a reação do governo se inscrevem.

A classe trabalhadora continua sendo a grande ausente

Mas o grande ausente entre as grandes tensões políticas nacionais continua sendo a classe trabalhadora junto aos setores explorados, atuando de forma independente e com as suas próprias demandas. A a questão-chave agora é sobre a necessidade de pôr em marcha essa poderosa força social lutando por uma saída própria, com suas próprias organizações, e com independência de classe contra os dois projetos dominantes: o da oposição direitista da MUD e o do chavismo, liderada pelo governo de Maduro. Esta é a única forma de evitar que continuem recebendo em suas costas a crise econômica, bem como evitar que a crise atual do chavismo seja capitalizada pela direita e pelo imperialismo.

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