Sexta 29 de Março de 2024

Debates

Discussão sobre o novo partido

20 Mar 2004   |   comentários

Passado o primeiro ano do governo de Lula e do PT, os recentes escândalos de corrupção, combinados às oscilações da conjuntura económica e à deterioração do nível de vida das classes oprimidas aceleram contradições de fundo que influenciam na dinâmica de desenvolvimento da situação nacional. Apesar do papel de contenção exercido pelas principais organizações e direções do movimento de massas - como a CUT, a UNE e o MST -, que dão margem ao Planalto para “administrar” as crises que abalam suas bases de sustentação, os recentes desgastes e as “fissuras” abertas no governo trazem à tona as enormes potencialidades e a necessidade de que os trabalhadores e a juventude explorada e oprimida forjem uma saída classista que se coloque como alternativa para aglutinar os setores mais avançados que saem à luta. Elementos de recuperação na luta operária e popular que vêm se expressando desde a eleição de Lula, como por exemplo a greve dos servidores públicos federais contra a reforma da previdência, a onda de ocupações de terra no primeiro semestre do ano passado, a “Revolta do Buzú” em Salvador, lutas mais radicalizadas como a dos trabalhadores da Flakepet, as ocupações de fábrica como em Joinville e no interior de São Paulo etc. mostram a base real sobre a qual pode-se enterrar as velhas tradições que só provocaram derrotas atrás de derrotas nas últimas décadas e edificar novas tradições e direções que possam fazer frente às enormes tarefas que estão colocadas.

No entanto, as principais correntes políticas da esquerda, ao invés de se apoiarem nestes fenómenos para colocar de pé uma alternativa que possa fazer frente aos ataques do governo e da patronal que estão por vir, ocupam-se em capitalizar para seus “feudos” o processo de reorganização e reorientação política que se gesta nos poros da sociedade, lançando mão das velhas tradições que em nada interessam à classe trabalhadora.

É isso o que se observa nas disputas entre a Esquerda Socialista e Democrática (ESD) por um lado, composta por correntes políticas que recentemente romperam com o PT, intelectuais que traçaram o mesmo caminho e outros grupos políticos, e o Movimento por um Novo Partido Socialista (MNPS) por outro lado, dirigido centralmente pelo PSTU mas composto também por outras agrupações políticas menores. É necessário que todos os militantes hoje envolvidos na construção de um novo partido político que expresse os interesses históricos da classe trabalhadora e os setores que têm rompido com o governo Lula e o PT combatamos a disputa das correntes da esquerda pela hegemonia de seus aparatos no processo político em curso, e lutemos para que nele se expresse a hegemonia dos setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida, substituindo a medíocre disputa de aparatos pela disputa séria de estratégias políticas, que é a única forma de fazer com que este processo se desenvolva numa perspectiva revolucionária.

Os trabalhadores e a juventude organizados a partir das bases são os únicos que podem imprimir uma perspectiva revolucionária no processo em curso

É preciso transformar a discussão sobre o novo partido em algo mais do que reuniões festivas e seminários onde os pontos centrais já estão pré-definidos. Esse tipo de atividades, isoladas de um processo muito mais vivo e profundo de mobilização dos trabalhadores e da juventude, serve apenas para reafirmar as polêmicas retóricas e evitar a luta política efetiva entre estratégias.

Para que a vida real dos trabalhadores se expresse no novo partido, é preciso rejeitar a forma como os debates vêm sendo encaminhados. Construir comitês e núcleos de base nas fábricas, nos lugares de trabalho, de estudo, moradia, etc, e lutar para que os trabalhadores que rompem com o petismo e a nova geração de jovens que saem à luta política tenham os principais lugares garantidos na discussão: apenas assim será possível superar efetivamente os desvios e enganos do PT, e começar a trilhar um caminho claro em direção à independência política dos trabalhadores, que só pode ter como norte a revolução socialista dirigida por organismos de massas que os trabalhadores forjem no seio de sua própria luta. Só através de comitês de base democraticamente constituídos, com os trabalhadores e a juventude como principais sujeitos da construção do novo partido, é que se poderá aprofundar o debate sobre o caráter deste partido, seus objetivos e seus métodos, e sobre a realidade nacional e internacional na qual ele deverá atuar.

Essa estratégia, a única que pode assentar as bases para que o novo partido se construa numa perspectiva revolucionária, longe de ser utópica, baseia-se em elementos concretos que estão presentes na situação nacional. Como se já não bastasse o enorme desemprego e a enorme queda na renda dos trabalhadores, o governo Lula prepara para este ano novos ataques, que vão desde a reforma trabalhista à reforma universitária. Em cada estrutura onde a luta económica ou política começar a se desenvolver, seja nos locais de trabalho, estudo ou moradia, é lá que se colocará a necessidade e é lá que surgirão os principais sujeitos de construção de um novo partido que unifique e centralize essas lutas em direção a uma ruptura com essa decadente democracia burguesa e rumo a uma saída revolucionária.

Os trabalhadores e a juventude não querem se submeter às decisões burocráticas das cúpulas

Mas não será apenas quando surgirem as “grandes lutas” que as manobras burocráticas das direções serão desmascaradas. Com o desfecho da expulsão dos “radicais” do PT, a incorporação de Heloísa Helena e de intelectuais reconhecidos pela opinião publica na construção do novo partido ampliam significativamente os setores que se incorporam à discussão. Dentre estes novos setores, ainda que de forma incipien-te, já começa a se desenvolver uma contraposição entre a “corrida” das direções políticas para consolidar seus blocos de influência e o instinto correto dos trabalhadores e da juventude que se recusam a aceitar as divisões impostas pelas disputas de hegemonia entre as cúpulas e buscam um debate unitário entre as bases.

Isso é o que tem se observado, ainda que com desigualdades, nas diversas plenárias impulsionadas pela ESD desde seu lançamento. Ainda que as direções não deixem quase nenhum espaço para a expressão da ba-se, não puderam evitar, por exemplo, que ativistas que começam a se integrar na construção do novo partido se expressassem contrários a determinadas orientações das direções, como seria a exclusão de diversas organizações. Em atividades desse tipo, diversas intervenções tendem a ressaltar as diferenças políticas existentes entre os distintos setores que compõem o movimento, mas de colocar acima dessas diferenças a necessidade de um debate unitário nesta fase do processo, que possa garantir um espaço democrático para a luta entre as distintas concepções estratégias e progra-máticas. Essa é uma pequena expressão do sentimento, enormemente limitado pelo burocratismo das direções, que pode conduzir à verdadeira unidade. Esta só pode ser construída na luta, onde os trabalhadores possam se manifestar, onde à juventude possa ser destinado um papel de destaque, contribuindo com seu fogo revolucionário e com sua ausência de amarras com o velho petismo. Esse é o sentimento que determina o que deveriam ser as preocupações centrais de qualquer direção realmente interessada em avançar numa estratégia revolucionária para o Brasil.

As divisões “nas alturas” apenas escondem a verdadeira estratégia das correntes políticas: a disputa pela hegemonia no novo partido

Aparentemente, são as correntes políticas que hoje compõem a ESD que, em função de seus desacordos políticos com o PSTU, rompem de forma unilateral o movimento pela construção do novo partido. De fato, a partir do manifesto lançado no dia 19 de janeiro, estes setores, na medida em que impõem pré-condições para que se participe de “seu” movimento, dão um salto de qualidade na buro-cratização do processo. No entanto, os setores que hoje se integram ao movimento não sabem que o PSTU, no Fórum Social Brasileiro em outubro do ano passado, também em função de seus desacordos políticos com a esquerda do PT, rachou o movimento de forma unilateral lançando sua política de MNPS. Com isso, hoje existem dos blocos, impulsionando separadamente a construção do novo partido, com distintas “secretarias” e “plenárias” regionais, aglutinando em torno de si pouco mais que a base de suas correntes e setores de dirigentes sindicais e populares.

A única explicação para essas “medidas unilaterais” por parte das correntes políticas é que tais correntes não têm como estratégia colocar suas distintas concepções estratégicas e programáticas para serem julgadas pela “rebeldia” e a “insubordinação” dos setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida que surgirão no enfrentamento com o governo Lula e com o PT, querendo fazer o balanço e superar o que foi a experiência de 24 anos de petismo. Pelo contrário, sua estratégia é lançar mão de seus aparatos para hegemonizar o novo partido, preterindo desta forma a necessidade de fazer uma autocrítica da responsabilidade que tiveram ao longo de todo o processo em que o PT foi se constituindo como principal obstáculo para que a classe trabalhadora forjasse uma alternativa política independente para lutar contra a burguesia e sua “democracia” decadente.

A ESD se propõe a lutar em defesa dos interesses da classe trabalhadora, mas com “um pé” dentro do governo Lula

É impossível lutar conseqüentemente contra o governo Lula atrelado a uma corrente como a Democracia Socialista (DS), da qual ainda faz parte a senadora Heloísa Helena, e que tem cargos no primeiro escalão do governo, como por exemplo o ministro do desenvolvimento agrário Miguel Rosseto. Esta é uma completa contradição que só poderá ser superada na medida em que os setores da DS que estão na ESD rompam com sua corrente ou na medida em que a DS rompa com o governo e com o PT.

Essa é uma contradição que apenas expressa de forma mais explícita o fato de que os setores que hoje já romperam com o PT não completaram sua ruptura até o fim fazendo um balanço de sua capitulação à colaboração de classes ao longo de anos, e sim até então tiveram uma ruptura que não ultrapassa o aspecto organizativo. Isso se expressa de forma escancarada na recente declaração de apoio de Heloisa Helena à candidatura de Regis Cavalcanti do PPS para a prefeitura de Maceió.

De forma menos explícita, essa contradição se expressa no papel de destaque que tem sido dado a intelectuais reconhecidos historicamente como reformistas, como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Chico de Oliveira. Além disso, os materiais veiculados até agora com o nome da ESD, a começar pelo manifesto aprovado no dia 19 de janeiro, deixam claro que esse bloco não pretende recuperar a luta pela independência de classe dos trabalhadores.

Isso é o que se vê, por exemplo, na declaração assinada pela Comissão Nacional do Movimento por um Novo Partido - Esquerda Socialista e Democrática: “Basta! É preciso começar a organizar a resistência, a defesa dos direitos e dos interesses mínimos dos trabalhadores. (...) Exigimos outro modelo económico fundado na ruptura com o FMI, medida inicial de uma grande transformação qualitativa do país, por outro modelo onde a distribuição de renda e a justiça social sejam dados permanentes.” No mesmo sentido, o deputado Babá declarou: “o nome da senadora Heloísa Helena já virou sinónimo de candidata à Presidência em 2006” . E a deputada Luciana Genro completa: “Esquerda Socialista apóia a Greve da Polícia Federal. A Esquerda Socialista está na luta com os policiais federais em greve.(...) Os parlamentares do Movimento da Esquerda Socialista e Democrática apóiam a greve dos Policiais Federais porque sabem que eles arriscam a vida em operações de combate ao crime organizado. Além disso, investigam casos de corrupção em altas esferas do poder (...). Precisam ser valorizados e apoiados...” . Ou seja, para os principais dirigentes da ESD, a luta para superar o petismo se resume a lutar por um “outro modelo económico” , por um candidato para “ocupar o espaço” deixado por Lula nas eleições de 2006. E com essa estratégia, não admira que os agentes da Polícia Federal sejam vistos “como companheiros de luta que devemos valorizar e apoiar” . As direções da ESD se esforçam para abortar qualquer tendência a uma estratégia independente dos trabalhadores.

Que “unidade” propõe o PSTU?

Após o salto de qualidade dado pela ESD na burocratização do processo de construção do novo partido, o PSTU tenta aparecer como o portador da bandeira da “unidade” e da “democratização” deste processo.

No entanto, infelizmente, o PSTU não coloca em prática a única estratégia que pode combater as “divisões nas cúpulas” e forjar a verdadeira unidade da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida na construção do novo partido. O PSTU se limita a exigir a unidade das correntes políticas - que obviamente pelo peso de seu aparato significa sua hegemonia no processo - ao invés de utilizar o peso que tem em importantes entidades do movimento operário, estudantil e popular do país para fazer com que os que mais sofreram e sofrem com o petismo possam desmascarar o burocratismo e o conciliacionismo que já começa a se impregnar na ESD.

A maior prova disso é o fato de que a Federação dos Metalúrgicos de São José dos Campos, que tem em sua base o setor que protagonizou algumas das principais lutas da classe operária brasileira em 2003, e que é há anos dirigido pelo PSTU, até agora não tem a mínima expressão na construção do novo partido. Como se isso não bastasse, também não vemos a mais mínima expressão do Sindicato dos Químicos de Osasco nesse debate, do qual o PSTU também é parte dirigente, e que tem em sua base um dos principais fenómenos de avanço na subjetividade operária do país nos últimos tempos, como têm demonstrado os operários da Flakepet após mais de dois meses ocupando a fábrica abandonada pelo patrão e lutando para colocá-la para produzir sob controle dos operários.

Estes são os “limites” do PSTU que fazem com que ele não possa levantar uma política conseqüente para combater o sectarismo e o burocratismo da ESD, que parta da denúncia do atrelamento deste bloco ao governo pela via da DS.

Forjemos uma nova estratégia para construir o novo partido

Um novo partido digno do nome só poderá conquistar a confiança dos milhões que se desiludem e se desiludirão com Lula e o PT, se for capaz de oferecer uma explicação clara dos motivos que levaram o PT a encenar essa farsa que estamos vendo. É preciso um partido com um programa revolucionário, e com um projeto de poder baseado nas fábricas, nas associações de empregados e desempregados, nas organizações de trabalhadores do campo, em conselhos e comitês nos bairros populares. Um partido assim não pode ser decretado do alto; é preciso que os trabalhadores compreendam a necessidade de construí-lo, e se lancem de maneira destemida à sua construção. Iludem-se aqueles que imaginam poder controlar esse processo de acordo com seus interesses particulares.

É preciso constituir uma frente única de todas as forças revolucionárias para impedir um novo engano das massas. Chamamos aos trabalhadores e à juventude que sofre os ataques do governo Lula; chamamos a todos os militantes do PSTU e das demais correntes a romper com as disputas de cúpulas, e iniciar uma grande luta para que o novo partido seja construído e dirigido pelas camadas mais avançadas da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida.

Em ambos os blocos estão inúmeros militantes indispensáveis para forjar um partido com a força necessária para as tarefas colocadas no horizonte próximo. É preciso unificar esta força social sob a hegemonia dos setores mais avançados da classe trabalhadora.

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