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Dilma: uma mulher no poder não muda o Brasil da precarização e da criminalização do aborto!

04 Feb 2011   |   comentários

A vitória de Dilma Rousseff, primeira presidente mulher à presidência da república, vem acompanhada do discurso de setores da base governista que festejam o “Brasil da classe média e da maior igualdade social”. Porém, mais nova foi a comemoração de setores feministas pela vitória da primeira presidente mulher, almejando menores desigualdades sociais entre homens e mulheres. Ao contrario disso, a realidade do Brasil e das mulheres trabalhadoras continua sendo uma realidade de muita opressão, criminalização e exploração, não do país de classe média mas do verdadeiro Brasil da precarização do trabalho e da vida, onde milhares de mulheres sofrem com a violência e com a impossibilidade de decidirem sobre seus próprios corpos.

Muitas organizações feministas vem comemorando a vitória que obtiveram com a eleição de Dilma. Tatau Godinho (quadro feminista do PT) diz como uma presidente mulher é uma “quebra de barreiras” e que mudanças concretas dependerão de uma “agenda voltada para a desigualdade”, e neste sentido aponta a importância do movimento de mulheres para que isso seja feito “em um sentido progressista” . Este setor do movimento feminista busca um lugar ao sol no novo governo de Dilma gerando a ilusão de que os direitos mais democráticos das mulheres podem ser conquistados a partir de uma estratégia de pressão institucional. As jovens e trabalhadoras sabemos que o cargo ocupado por uma mulher no estado burguês não significa necessariamente avanços para os direitos das mulheres. Pelo contrário, Dilma e suas ministras continuam representando um projeto de governo baseado na precarização (que atinge em sua grande parte mulheres, e entre essas as negras) e que até então anda de mãos dadas com a igreja católica e com o Papa, visto o acordo Brasil-Vaticano firmado em 2008, enquanto milhões de mulheres morrem devido ao aborto clandestino, sendo a maioria destas pobres e trabalhadoras.

Rosane Silva, da Secretaria Nacional de Mulheres da CUT, também considerou a vitória de Dilma “como uma vitória de todas as mulheres ” que, segundo ela, abre maior possibilidade de políticas para ampliação dos direitos das mulheres e da conquista da igualdade social. Uma das reivindicações da dirigente da CUT durante o governo Lula é a criação da Secretaria de Política para as Mulheres, que teria avançado em relação ao trabalho doméstico. Porém, as empregadas domésticas somam 15,8% da população feminina ocupada (em sua maioria mulheres negras) com uma média de renda mensal de míseros 350 reais (no nordeste 235 reais) quando apenas 25% contam com carteira assinada! Além disso, a dedução do imposto de renda aos empregadores domésticos, reivindicada pela sindicalista, não teve nenhum impacto nos primeiros anos vigentes do projeto que instituiu tal proposta. Nada mais contrastante do discurso da dirigente da CUT!

Mesmo que muitas feministas comemorem que os cargos de poder e a chefia das famílias sejam ocupados por mulheres, mais que em qualquer outro momento histórico no Brasil, os dados não deixam mentir: o país da presidente mulher é sustentado pela dupla jornada da maioria das mulheres! Junto à maior quantidade de famílias chefiadas por mulheres, que hoje somam 35% , a mulher continua sendo a principal responsável pelo trabalho doméstico, sendo 89,9% as mulheres responsáveis pelo trabalho doméstico tendo que destinar mais de 21 horas semanais para este trabalho (contra as 9,5 horas semanais aos homens). Quem mais cumpre essas horas a mais de trabalho não pago são as mulheres trabalhadoras e pobres, em sua maioria negras. Dilma não combateu e não combaterá a dupla ou tripla jornada de trabalho a que estão submetidas a maioria das mulheres, negras e trabalhadoras. Seu projeto de governo necessita da plena manutenção da dupla jornada da mulher para aumentar a exploração sobre o conjunto da classe trabalhadora. Neste mesmo sentido que a promessa de Dilma da criação de 6000 creches não responde à necessidade de milhares de mães que contam com 84,5% dos filhos fora das creches.

Triste é a comemoração de feministas pela eleição de uma mulher que só pode governar sob a opressão e exploração sobre ampla maioria das mulheres! Ao contrário de pequenas conquistas e do discurso da suposta igualdade por uma parcela de feministas, lutamos com a perspectiva do fim da dupla e tripla jornada, como fizeram os revolucionários russos em 1917 na conquista do primeiro estado, operário, que, partindo da consideração de ser o trabalho doméstico banal, atrofiante e torturante este merecia ser aniquilado para a real igualdade entre homens e mulheres com base a lavanderias coletivas, restaurantes públicos e massificação de creches públicas e gratuitas para aniquilar as bases da dupla jornada de trabalho.

O luta pela direito ao aborto subordinada à governabilidade de Dilma: uma estratégia falida

Outro triste legado de Lula permanece para o futuro governo Dilma: o Brasil onde as mulheres brasileiras encontram-se cada vez mais em situação de violência e discriminação, com 1 mulher violentada a cada duas horas. Este Brasil não pode mais ser escondido por todos os setores feministas que fizeram campanha para Dilma. Se a tortuosa eleição da atual presidente teve que passar pela declaração dela ser contra o aborto e o casamento homoafetivo, setores da intelectualidade e de feministas petista voltam à tona a idéia de que isso não passou de “tática eleitoral necessária”.

Dilma nomeou nove mulheres para cargos ministeriais. Iriny Lopes, ministra da Secretaria de Mulheres declarou não ver “...como obrigar alguém a ter um filho que ela não se sente em condições de ter. Ninguém defende o aborto, é respeitar uma decisão que, individualmente, a mulher venha a tomar". A equipe do governo faz esse duplo discurso para manter a governabilidade de Dilma: não tomam a posição dos setores mais reacionários contra o aborto, por outro lado não podem sair abertamente na defesa deste direito básico das mulheres. As organizações de mulheres que apoiam o governo aceitam tacitamente este discurso uma vez que acham viável um país de sindicalistas abraçadas com a oligarquia e não colocam a luta pelo direito ao aborto como eixo de organização e mobilização de amplos setores sociais, passando a colocar o eixo de reivindicações políticas aos planos de governo em aspectos relacionados à suposta garantia de igualdade social, escondendo que os oito anos de lulismo teve uma importante sustentação na dupla jornada e na super exploração das mulheres trabalhadoras.

Ambos setores também passam a elaborar um perigoso discurso no qual a questão do aborto concerne apenas à esfera privada, da vida particular da mulher e da religião, como chega a colocar a reconhecida intelectual petista Marilena Chauí para, por esta via, defender este básico direito das mulheres. Temos que ter claro que esta “tática” de discurso para supostamente reabrir a discussão sobre o aborto após uma ofensiva reacionária contra este direito no período eleitoral, é um retrocesso na luta contra a opressão. Este argumento corrobora com a ideologia burguesa de que as questões que envolvem a opressão às mulheres concernem apenas ao âmbito privado, aumentando a pressão sobre as mulheres que hoje são julgadas criminal e moralmente pela prática do aborto. Esta ideologia é a mesma que continua obrigando milhões de mulheres a cumprir com a dupla ou tripla jornada de trabalho, encaradas como trabalho individual, não remunerado e a serviço apenas da maior ganância capitalista. Não devemos aceitar este discurso político e moral enquanto milhares de mulheres são mortas ou sofrem com a prática do aborto ilegal e inseguro!

Por uma ampla e massiva campanha democrática pela legalização e descriminalização do aborto

Estas questões mostram como as mulheres, jovens e trabalhadoras, não devem ter ilusões no governo de Dilma por esta ser uma mulher. A luta pelo direito ao aborto e pelos direitos das mulheres deve ser uma luta massiva e deve ultrapassar os marcos da mera pressão parlamentar, como articulam ministras, intelectuais e organizações de mulheres governistas, que apóiam o governo ao mesmo tempo que impedem a ampla mobilização pelos reais direitos das mulheres.

Há que levantar a imediata defesa da legalização e descriminalização do aborto para evitar o atual genocídio das mulheres. Abre-se um momento importante para a luta por este direito. É necessária a mais ampla mobilização a partir das organizações de mulheres, dos sindicatos e entidades estudantis pela legalização e descriminalização do aborto. A partir da organização das mulheres em seus locais de trabalho e estudo, da CSP-Conlutas, da ANEL, da esquerda da UNE, da Intersindical deve-se exigir que as grandes centrais e entidades estudantis preparem desde já o 8 de março com uma jornada de mobilização e de ampla e massiva campanha democrática pelo direito ao aborto livre, legal, seguro, gratuito e garantido pelo estado para que as mulheres não morram; por anticoncepcionais gratuitos para não abortar; por educação sexual nas escolas para prevenir. Abaixo o acordo Brasil-vaticano: basta da intervenção da Igreja sobre nossos corpos! Arquivamento imediato de todos os projetos de lei que visam aumentar as penas e criminalizar ainda mais a prática do aborto. Por um sistema de saúde 100% estatal, que possa atender toda a população e gerido sob controle das/os trabalhadoras/es e usuárias/os!

1- Tatau Godinho, em entrevista à Carta Capital, novembro 2010
2- Rosane Silva, “Lutar sempre! Desistir jamais!”, 22/11/2010
3- Dados a seguir de duas pesquisas do IPEA: “PNAD 2009, primeiras análises, tendências demográficas”; e “Trabalho doméstico remunerado: desigualdades de gênero e raça”
4- Para homens o índice é de 49,6%
5- “Ora, uma imprensa que está defendendo a liberdade de expressão,(...)o espaço público, (...)a opinião pública, (...)a liberdade de pensamento, como é que pode embarcar na entrada em cena como tema eleitoral de uma questão que pertence ao espaço privado, e é uma questão de religião, que é o aborto?”, Marilena Chauí em entrevista na Caros Amigos, dez/2010.

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