Terça 23 de Abril de 2024

Internacional

O Syriza poderia acelerar a fase “política” da crise mundial?

12 Feb 2015 | Depois das conversas entre o Executivo grego e o Eurogrupo, a reunião de seis horas não foi capaz de levar as negociações adiante e acabou sem acordo. Atenas e seus credores europeus puderam acertar um itinerário de discussões que seguirá na segunda-feira. Mas a intransigência da Alemanha diante de mais uma mostra de suavização do Syriza pode fazer surgir novas fissuras diplomáticas numa Europa em convulsão.   |   comentários

Depois das conversas entre o Executivo grego e o Eurogrupo, a reunião de seis horas não foi capaz de levar as negociações adiante e acabou sem acordo.

Depois das conversas entre o Executivo grego e o Eurogrupo, a reunião de seis horas não foi capaz de levar as negociações adiante e acabou sem acordo. Atenas e seus credores europeus puderam acertar um itinerário de discussões que seguirá na segunda-feira, com uma reunião decisiva para saber se, pela primeira vez desde o início da crise, a Grécia entrará no mês sem as linhas de crédito do resgate da Troika.

Varoufakis se negou a acordar um comunicado comum com os sócios europeus, pois não quer a extensão do atual resgate tal como ele se apresenta, e sim um “acordo-empréstimo” que garantiria o financiamento grego até agosto antes de debater um terceiro resgate. Isso equivaleria a uma extensão técnica do resgate atual, excetuando alguns pontos das reformas (relativas à privatização e à reforma trabalhista).

Apesar disso, todos os analistas internacionais julgam que Atenas e a Europa se encaminham a uma aproximação de posições, já que desde a terça-feira o Syriza começou a ceder às exigências do Eurogrupo, depois do fracasso em seu giro pela Europa. O plano que o ministro Varoufakis apresentou na reunião – se ainda não contempla a totalidade das exigências do Eurogrupo – já não apresenta qualquer rastro de “cancelamento parcial” da dívida, nem mesmo da negativa a um terceiro resgate associado a novas condições, promessas eleitorais do Syriza e as duas linhas vermelhas que impediam qualquer acordo com a Troika.

O Ministro grego também se mostrou disposto a aceitar uma “extensão técnica” do resgate até agosto, para pactuar um novo “contrato” mais “realista” de renegociação de prazos e formas de pagamento ligadas ao crescimento do PIB.

O presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, explicou depois da reunião que a “possibilidade de uma extensão do resgate atual se discutiu e é a opção preferida pelas partes, mas não há acordo ainda”. “O acordo poderia sair na segunda-feira,” completou Varoufakis.

“As linhas mestras da proposta de Alexis Tsipras já coincidem, a grandes traços, com as pretensões dos sócios europeus,” afirma Claudi Pérez, do ElPaís, “Ainda que Bruxelas descarte um acordo iminente, o fato é que o pacto está mais próximo, porque a Grécia se vai ajustando às exigências europeias”.

O principal elemento da proposta do Syriza de aceitar a prorrogação do resgate atual (sob o eufemismo de “extensão técnica” do resgate) até agosto. Para cobrir os vencimentos da dívida com o BCE, Tsipras aceitaria 70% das reformas exigidas no pacote de ajuste assinado pelo governo anterior (PASOK-Nova Democracia), e substituir os 30% restantes por um pacote de 10 reformas acordadas com a OCDE.

Em troca, Tsipras propõe diminuir a expectativa de superávit primário deste resgate de 3% para 1,5%, cobrando de volta 1.9 bilhão de euros (referentes aos juros obtidos pelos bancos centrais com a dívida grega) para dar alimentos e eletricidade às famílias mais afetadas pela crise, como constava em seu programa eleitoral.

Esta nova suavização no discurso, que aproxima a Grécia da visão da União Europeia e torna mais próxima a possibilidade do Syriza aceitar elementos do pacto de submissão assinado pela socialdemocracia grega, seria uma primeira ruptura aberta com sua promessa eleitoral de “acabar com o memorandum” (tratamos disso aqui). Geopoliticamente, cada novo fracasso nas negociações com a União Europeia aproxima mais a Grécia de aliados como os Estados Unidos e até mesmo à Rússia, como alternativa à linha dura alemã.

Fissuras geopolíticas na crise grega?

O Executivo grego entrou em contato com China, Rússia e os Estados Unidos, para conhecer a disponibilidade de auxílio destes países, caso um pacto com a UE se mostre impossível. Há muito os Estados Unidos enfatizam uma linha de estímulo ao crescimento, diferenciando-se da “gestão alemã” da crise. Uma aproximação da Rússia significaria, em meio à crise da Ucrânia, um choque geopolítico ainda maior na Europa.

Wolfgang Münchau, do Financial Times, prevê que as negociações sobre a dívida propriamente dita da Grécia (de 300 bilhões de euros, 177% do PIB) serão muito mais complexas que a dificuldade atual para encontrar o financiamento de alguns meses. Assim, dentre as “quatro opções” que enumera para a Grécia, considera a mais viável a extensão do financiamento sem juros do BCE para a Grécia, em troca das reformas com “novo nome”, uma política apoiada pelo próprio Obama, que se diferencia da “gestão alemã” da crise pondo ênfase nos estímulos de crescimento. É a política que se aproxima dos acordos propostos por Tsipras.

A Grécia ainda não aceitou financiamento russo, e consentiu depois de um primeiro momento em aprovar as sanções européias à Rússia (como forma, principalmente, de buscar a simpatia da União Europeia, que se envolve numa crise mais profunda com a Rússia na Ucrânia).

Essas tendências à polarização trazem traços imprevisíveis à situação. Mas está claro que a Grécia disparou uma fase mais política da crise: por um lado fortalecendo as opções reformistas antiausteridade no sul da Europa com a vitória do Syriza que se apoderam das reivindicações de massas contra os ajustes; e por outro lado, se convertendo num elemento que desestabiliza a forma como a Alemanha veio aplicando os ajustes até agora, e abre espaço para as disputas interimperialistas (principalmente entre EUA e Alemanha), com a participação da Rússia, aprofundando as tensões interestatais que até agora não se vinculavam tão diretamente aos problemas da crise da dívida.

A persistência do “terceiro ator”, os trabalhadores e o povo grego, que não aparece nas negociações que enchem os portais dos noticiários mas sai novamente às ruas, coloca não apenas a necessidade, mas a possibilidade de retomar o caminho da mobilização operária e popular que se vem desenvolvendo desde o início da crise. Uma mobilização que, para fazer justiça ao povo grego, não só deve repudiar a chantagem do BCE, mas lutar pela suspensão imediata no pagamento da dívida, uma medida elementar para poder iniciar um plano de “emergência social” que dê resposta aos padecimentos dos trabalhadores e do povo da Grécia.

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