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Debates

Deficiência e Capitalismo

08 Dec 2014   |   comentários

3 de dezembro foi o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, data estabelecida pela ONU em 1992, com o objetivo de promover a sua integração na sociedade e promover a igualdade de oportunidades. Cerca de 15% da população mundial, ou um bilhão de pessoas, vivem com deficiências.

3 de dezembro foi o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, data estabelecida pela ONU em 1992, com o objetivo de promover a sua integração na sociedade e promover a igualdade de oportunidades. Cerca de 15% da população mundial, ou um bilhão de pessoas, vivem com deficiências. 

Estou interessado nesta nota a partir da minha situação pessoal fornecer uma visão diferente, ou talvez não generalizada, do que significa estar doente ou incapacitado na sociedade atual, a dupla opressão que sofrem essas pessoas por serem da classe trabalhadora, de como esse sistema, o capitalismo, discrimina e também fabrica "incapacitados", mas, no entanto, aproveita desta situação para obter rentabilidade, seu principal e único objetivo.

Faz cinco anos que sofro de esclerose múltipla, uma doença crônica neurodegenerativa e incapacitante em grande parte dos afetados. Sou um professor e por trabalhar no Estado tenho mais benefícios (conquistados através de lutas históricas) do que os trabalhadores do setor privado. Ainda assim, tive que dar uma grande batalha individual, judicial e através do sindicato para que a assistência social me fornecesse medicação. A assistência social do Estado, como o resto, trabalha para elevar e assegurar indiretamente os lucros dos laboratórios, com sua negociação ou atraso no momento de cobrir diagnósticos e tratamentos. 

Quase como um senso comum se pensa que o Estado está acima de tudo e garante que as leis sejam aplicadas, sendo imparcial e objetivo. Assim, deve regular as ações das empresas privadas e assegurar o bem de todos. Por exemplo, através da legislação, o Estado garante alguns benefícios para as pessoas com deficiência, tais como cobrir totalmente os tratamentos, transporte gratuito, carros pela metade do preço, etc, e um subsídio ou pensão, melhor chamado esmola, aos que não estão aptos a trabalhar. Mas, em última análise de quem depende que esses benefícios/direitos sejam cumpridos? Da "boa vontade" de uma empresa ou, em 99% dos casos, da alegação e insistência da pessoa que precisa deles? E se uma pessoa sem recursos e sem assistência social é dirigida a um hospital público de qualquer lugar do país? Sabemos todos do sucateamento que afeta a saúde pública, tanto de estrutura como falta de pessoal, etc.

Estes são apenas alguns exemplos de como o estado no sistema capitalista não é neutro nem está acima das classes, mas sempre, de forma direta, pela burocracia, por inação ou omissão, defende os interesses de um setor, os capitalistas.

"Todos são iguais perante a lei", declamam as constituições. No entanto, se considerarmos como vivem os desempregados, "favelados", os povos indígenas, as mulheres como um todo, as pessoas com deficiência, gays, negros, e muitos outros grupos sociais normalmente denominados minoria ou vulneráveis, podemos ver que nenhum deles são considerados ou tratados como iguais na sociedade e, portanto, também não nos termos da lei. E esse tratamento desigual se manifesta política, social, cultural e economicamente, segundo Eduardo D. Joly (Mestre em Sociologia)

Segundo Joly: "A deficiência é algo que à primeira vista parece ser no corpo, mas na verdade é o lugar que se permite que alguém ocupe na sociedade. No entanto, o que se entende por ’o lugar que você está autorizado a ocupar’?" (...)

"Meu foco principal foi analisar o conceito de deficiência intimamente relacionado com a ascensão do sistema de produção capitalista que conhecemos. No entanto, temos visto evidências de tais preconceitos culturais com pessoas com deficiência e/ou deformidades (e eu quero dizer deficiências e/ou deformidade e não incapacidade) no Ocidente, mesmo muito tempo antes do surgimento do capitalismo. (...) A incapacidade como categoria analítica, vem com o capitalismo e serve para discriminar entre aqueles que são admitidos / capazes de trabalhar de forma produtiva e quem não são".

Na sociedade capitalista, uma pessoa incapacitada é considerada segundo sua inaptidão a vender sua força de trabalho, realizar e produzir lucros ao capitalista. Paradoxalmente, quando não se trata de problemas congênitos ou doenças, é este mesmo sistema que cria pessoas com incapacidade, seja nos chamados acidentes de trabalho, com taxas de produção e condições que afetam a saúde dos trabalhadores, ou diretamente, pela miséria e fome que gera a uma grande parte da população, causando sérios problemas de desenvolvimento em crianças, devido à desnutrição.

Mas o capitalismo busca o lucro e rentabilidade em todos os campos, saúde/doença e a deficiência também encontrou " do corpo não explorável na produção, o capitalismo também traz benefícios: o aproveita como objeto de mercantilização da saúde, fingindo curá-lo, apaga sua deficiência, o reabilita para uma suposta integração social, de preferência de trabalho, mais tarde negada por sua própria deficiência". (Eduardo D. Joly).

O grande negócio de laboratórios privados que gera milhões em todo o mundo é o negócio da saúde, a mercantilização do ser humano.

Na sociedade atual, as pessoas com deficiência lutam contra a discriminação, tanto no aspecto do trabalho como social, arquitetônico, etc. Eduardo Joly, muitas vezes citado neste artigo, diz que a nossa luta "está sendo, nesta sociedade, o direito a ser explorado", sem negar que o nosso desenvolvimento como indivíduos será construído em uma sociedade com outras bases (...) onde o critério de valorização segundo nossa produtividade seja substituído por uma abordagem que valorize o que possamos contribuir, embora não quantificável como lucros (horas extras ou não) para alguns."

Pessoalmente, eu aderi a estas palavras. Além disso, como alguém que tem uma doença crônica incapacitante, a qual ainda não foi "encontrada" a cura definitiva, como de tantas outras; como uma professora que diariamente vive e sofre a realidade de muitas crianças que não desenvolveram suas habilidades ou por causa de anemia, desnutrição ou situações traumáticas, em uma escola pública que serve como contenção de todas as desigualdades sociais e disciplinadora da futura mão-de-obra de trabalho, onde as crianças são números. Quero pensar a educação como a herança de todos de forma igual e que todos possam desenvolver-se plenamente. E, em um sistema de saúde único, gratuito, público e gerido pelos trabalhadores (as), a serviço da saúde da maioria; e o conhecimento e a pesquisa a serviço da humanidade.

Fontes: 

DEFICIÊNCIA: uma economia social CONSTRUÇÃO SERVIÇO 
Eduardo D. Joly, Mestre em Sociologia EMA www.ema.org.ar

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