Terça 16 de Abril de 2024

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DENÚNCIA

Da ciência à espiritualidade: a hipocrisia de Heloisa Helena

05 Mar 2008 | O PSOL é encabeçado pela figura de Heloisa Helena que é não apenas grande aliada da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil na luta contra o direito de aborto como também impulsiona com setores da direita o projeto “Por um Brasil sem aborto”. É escandaloso que uma mulher que se reivindica de esquerda, que fala de socialismo e liberdade, seja capaz de se colocar contra as milhares de mulheres que morrem a cada ano por abortos clandestinos.   |   comentários

A suposta “radicalização da democracia” não permite que as mulheres decidam sobre seu próprio corpo

Hoje vivemos num mundo onde uma pequena parcela das pessoas detém grande parte das riquezas mundiais. Enquanto isso, milhões de trabalhadores e pobres se submetem à exploração na luta pela sobrevivência. Defender a vida, diferentemente do que dizem os bispos brasileiros e Heloísa Helena, é lutar para que a classe trabalhadora com o poder das organizações de democracia direta consigam expropriar essa pequena parcela de ricos e lutar pelo fim da sociedade de classes. Entretanto, para lutar consequentemente por isso, é necessário que todas as reivindicações mínimas estejam a serviço de uma estratégia de emancipação da classe. Ou seja, lutar para que as mulheres possam decidir sobre seu próprio corpo é algo elementar para se construir uma sociedade comunista. Porém, isso só poderá acontecer se nos enfrentarmos claramente contra a campanha da Igreja, a direita e o governo, através da mobilização, da organização e da luta nas ruas.

Quando Heloisa Helena se coloca no campo dos que estão contra esse direito, abandona uma das bandeiras históricas de luta das mulheres, ficando em consonância com a Igreja, dizendo que a legalização do aborto é uma “proposta conservadora e reacionária” . Também fica alinhada com a direita, que são os setores que mais se colocam contra o direito ao aborto, pois são justamente os setores que, de alguma maneira, já têm esse direito garantido, não pelo Estado, mas pela classe social que fazem parte.

Nesse sentido, a tal “radicalização da democracia” que fala Heloísa Helena nada tem a ver com o fim da opressão às mulheres, e principalmente nada tem a ver com o fim da exploração de toda a classe trabalhadora. É consequência de uma “estratégia” pequeno-burguesa que considera possível humanizar o capitalismo, o mesmo capitalismo que mata dezenas de milhares de mulheres [1] todos os anos. A “radicalidade” de Heloísa passa longe de se colocar a tarefa de enfrentar a campanha da Igreja, a direita e o governo para garantir o direito democrático das mulheres decidirem sobre seu próprio corpo.

No “Brasil sem aborto” as trabalhadoras e pobres continuam morrendo por abortos clandestinos

Para confundir algumas mulheres, Heloisa Helena repete como um mantra em todas suas entrevistas que é “contra a curetagem da vida como método de interrupção da gravidez” , para fazer parecer que possui um entendimento científico, e portanto superior, em relação ao aborto. Sendo assim conclui que é “contra o aborto do ponto de vista científico e do ponto de vista espiritual” . Fica nítido que, nem a “ciência” e nem a “espiritualidade” de Heloísa permitem enxergar que no capitalismo, em todo o mundo, meio milhão de mulheres morre a cada ano por complicações durante a gravidez e na hora do parto e 500 mulheres morrem a cada dia por abortos clandestinos.

Além disso, completa dizendo que “a sua concepção de modernidade” não se relaciona com o aborto. Pra ela “toda a tecnologia que foi produzida no ano de 2006 impede a qualquer pessoa de considerar o aborto uma coisa moderna” . Mas, além do fato de que o conhecimento e a tecnologia não estão a serviço dos trabalhadores e dos pobres, Heloísa se “esquece” que, defender um “Brasil sem aborto” é defender a manutenção de um status quo que significa que as mulheres ricas vão continuar tendo “liberdade” para fazer abortos em clínicas de luxo, com segurança e respaldo psicológico, enquanto as trabalhadoras e pobres vão continuar morrendo por abortos clandestinos.

E para se fazer de “radical” Heloísa ataca todos os setores que defendem o direito ao aborto legal, seguro e gratuito dizendo que somos setores reacionários que não lutamos pela saúde pública por acharmos mais fácil lutar pelo direito ao aborto. Mas não somos abortistas. Como revolucionárias, consideramos o direito ao aborto como um triste direito. Porém, um direito elementar, que se torna mais necessário frente a tamanha miséria capitalista. Por isso defendemos que o Estado garanta saúde pública e de qualidade. E que distribua contraceptivos de qualidade gratuitamente para as mulheres não abortarem. Ao mesmo tempo, defendemos o direito ao aborto legal, para que o Estado, na sua legislação, assuma essa demanda das mulheres. Defendemos o direito ao aborto seguro, para nenhuma mulher morrer. E defendemos, sobretudo, o direito ao aborto gratuito para que esse direito não seja para uma minoria de mulheres ricas, mas que seja um direito para todas as mulheres.

É necessário impulsionar uma ampla campanha em defesa do direito ao aborto legal, seguro e gratuito

Nesse contexto, o PSOL, expressão máxima do liquidacionismo trotskista no Brasil, demonstra que os chamados “partidos amplos” , ou seja, as grandes frentes de tendências anti-capitalistas, têm espaço reservado para os setores mais reacionários e até da direita. No caso do PSOL isso se dá de forma escandalosa, sendo sua principal figura uma “socialista” que se coloca contra uma importante luta das mulheres. Por isso, consideramos que apesar do PSOL ter votado contra a posição de Heloísa Helena em seu último Congresso, é necessário que todas as correntes do PSOL que também rechaçam essa posição, assim como o PSTU, comecem desde já a travar um combate aberto a Heloísa Helena e impulsionar uma campanha nacional pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito. Que os setores que se reivindicam de esquerda impulsionem uma ampla campanha em defesa dos direitos elementares das mulheres!

Diana Assunção é estudante de História da PUC-SP

[1“De acordo com o último relatório, 70 mil mulheres morrem a cada ano por causa de complicações decorrentes de abortos. Nenhuma dessas mortes ocorreu em países onde o procedimento é legalizado, afirma a diretora da federação, Carmem Barroso” (Jornal do Brasil, 05/2007)

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