Sexta 29 de Março de 2024

Nacional

RELATO DO DIRETOR DO SINTUSP SOBRE O SEGUNDO ATO #NÃO VAI TER COPA

De dentro do cerco

24 Feb 2014   |   comentários

Sem qualquer pretexto aparente, em um momento em que o ato marchava pacificamente, como havia sido desde o início, a tropa avançou sobre os manifestantes com cacetes e os escudos do choque.

Sem qualquer pretexto aparente, em um momento em que o ato marchava pacificamente, como havia sido desde o início, a tropa avançou sobre os manifestantes com cacetes e os escudos do choque. Em uma rua estreita, vindo dos dois lados, espremeram e cercaram entre 150 e 200 manifestantes. Sem ter para onde fugir das cacetadas, as pessoas começaram a cair no chão, umas sobre as outras e ser pisoteadas. Nesse momento caí sobre uma garota, com outras sete pessoas sobre mim; ela gritava de dor, me pedindo ajuda, e eu explicava que estava na mesma situação, não conseguia me mover. Aí, muita gente se machucou, pelo menos uma gravemente, e pedíamos em coro por uma ambulância. Num clima geral de perplexidade, todos questionavam o porquê daquilo, diziam que ninguém havia feito nada, que a ação era ilegal.

Com todos sentados e rendidos, os policiais começaram a indicar indivíduos no grupo e chamar os “pinças”. Vinham então os policiais lutadores, entravam no grupo, aplicavam um “mata leão” no manifestante apontado e o arrastavam para fora do cerco, onde não podia ser visto, e de onde se ouvia alguns gritarem. Faziam o mesmo contra qualquer um que questionasse aquilo de qualquer forma, para desde o início amedrontar quem quisesse reagir; “- Quem falar, vai sair junto!”. Um policial entra para puxar uma garota, alguém grita “não encosta nela, ela é mulher, cadê a polícia feminina?”. Uma policial ao lado imediatamente dá uma chave no pescoço da garota – rendida e com os braços para trás, como todos -, e a arrasta com violência particular. Outro policial grita para um garoto “- Desliga o celular, porra, vocês estão detidos, desliga agora!”, ao que uma senhora responde “- Ele é menor de idade, está avisando a mãe”. O policial ri, mas é mais agressivo na resposta “Se é menor, o que tá fazendo aqui? Cadê essa mãe, que devia estar com ele, que não está estudando? Se está aqui detido tem motivo!”. Alguém diz que é um direito transitar na rua, pacificamente, e o mesmo policial lhe aponta o cassetete: “- Você! Eu vou te pegar, vai ver!”.

Ao fundo, os sons de bombas e tiros, e gritos dos que estavam fora do cerco, provavelmente protestando contra o que acontecia ali, e o cheiro de gás lacrimogêneo que hora ou outra nos cobria; esses eram momentos tensos, muitos esboçavam indignação, e todos os policias erguiam os cassetetes “É pra ficar sentado porra, se não vai apanhar!”. Alguns começavam a agitar, outros mais amedrontados pediam pra parar. Foi cerca de uma hora e meia, sentados no asfalto sob a chuva, assistindo ao “procedimento” em meio às provocações e humilhações. Primeiro levaram todos os que tinham qualquer roupa preta, e todos os de mochila. Já nesse momento, “escolhiam” alguns que não tinham máscara ou mochila, nem estavam de preto, mas eram pretos; enfim, levaram quase todos os negros. Quando bem mais da metade já havia sido retirada dali, um policial com equipamento do choque começa a caminhar entre os restantes: “Cadê os black blocks? E agora, ninguém aqui é black block?”. Olha para o rosto de cada um: “- Esses são movimento social, pra lá! Vocês de vermelho, pra lá! Você de amarelo, chorando, senta ali também. E esse aqui, tropa, tava agitando? Tava? Pra lá também”. Enfim, os ônibus estavam completamente lotados de manifestantes detidos, e fui liberado com outros - nem de preto, nem pretos -, que sobraram.

Além de mim, outro diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP foi detido, e levado para a delegacia, assim como um professor da USP, e vários estudantes. Sou trabalhador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e nós do SINTUSP levávamos uma faixa: "Da Copa eu abro mão! Pelo fim do vestibular! Não ao corte de gastos na USP e em toda a educação!".

O estado quer aparecer como “amigo” dos manifestantes pacíficos contra os “vândalos”. Fica claro que se apoiaram no discurso que criminaliza os black blocs para criminalizar toda a manifestação, e impedir que ela seguisse – mais uma vez, de forma completamente pacífica -, numa operação que, segundo a própria polícia, tinha 2300 policiais para 1000 manifestantes. Foram 260 presos, nenhuma prova ou indício contra nem um único sequer. Nem com boa vontade se pode acreditar que se trate de “desproporções” ou “excessos”: essa ação, violando ilegalmente o direito de livre manifestação nesse caso, teve o objetivo consciente de coibir, pelo medo, a intenção de exercê-lo em qualquer outro caso. É mais um sinal claro de que não pode seguir a repressão policial, os inquéritos conduzidos contra centenas de pessoas por irem a manifestações ou usarem preto, enquanto nenhum policial é punido por todos os manifestantes feridos, ou jornalistas cegos no últimos meses – muito menos pelo milhares de “Amarildos” pelo país. É preciso pôr fim a toda a perseguição politica, seja aos Black Blocks, seja a quaisquer manifestantes.

E os trabalhadores e jovens não devem se intimidar com esse "cerco", nem com o "cerco" ideológico que tem sido feito contra todas as manifestações, pois estes atos são também a voz de uma maioria da população que está cansada de morrer nas filas dos hospitais, de não ter educação gratuita e de qualidade, de pagar caro pra ser transportado como sardinha. Uma maioria da população que não concorda com Ronaldo quando ele diz que "com hospitais não se faz uma Copa", e que rechaça os gastos exorbitantes com a Copa no país enquanto os serviços públicos estão nessa situação. E essa voz, não poderão calar.

Bruno Gilga é trabalhador da Universidade de São Paulo e diretor do SINTUSP

Artigos relacionados: Nacional , Movimento Operário , Juventude , São Paulo Capital









  • Não há comentários para este artigo