Terça 23 de Abril de 2024

Nacional

Crises nas "alturas" e descontentamento popular

12 May 2004   |   comentários

A força que o governo demonstrou em momentos chaves ao longo de 2003, conseguindo controlar os conflitos entre as distintas frações da burguesia, tanto no que diz respeito às diferenças no interior da base governista como com relação aos setores de oposição, e conseguindo derrotar ou desviar as importantes lutas que se desenvolveram, esteve apoiada no seu relativo êxito na “administração” da crise económica, na sua enorme popularidade junto às classes mais oprimidas da população e junto a importantes setores das classes médias urbanas, e no seu poder de influência junto às principais organizações de direções do movimento de massas, como ficou claro no boicote da CUT à greve dos servidores públicos contra a reforma da previdência e nas sucessivas tréguas conquistadas junto ao MST. Porém, nos primeiros meses de 2004, principalmente depois do “caso Waldomiro” , temos observado uma crescente dificuldade do governo para dirigir a sua base de apoio político-partidária, um fortalecimento dos setores de oposição burguesa e uma crescente desilusão e descontentamento de setores do movimento de massas, que colocam em cena novos sinais de debilidade do governo.

O crescente descontentamento popular

A aprovação ao governo, que no final do ano passado girava em torno de 66%, em março deste ano caiu para 54%. No entanto, a desaprovação, no mesmo período, saltou de 25% para 39%, fazendo com que o saldo positivo do governo despencasse de 41% para 15%. Com relação à avaliação “ótimo, bom ou péssimo” o saldo positivo também caiu de 27% para 11%. Quanto à avaliação “positiva ou negativa” , o governo conta hoje com um saldo que se resume a um quarto (11%) do que foi há um ano (44%). Atenção para um detalhe de comparação com o governo passado. Na pesquisa que questiona qual a principal tarefa do governo Lula, o “crescimento da economia e a geração de emprego” aparecem como o item principal, com 58%. Esses dados, extraídos da pesquisa feita pelo CNI/Ibope em março de 2004, têm se mantido estáveis nos últimos dois meses, expressando uma linha divisória com relação aos níveis de popularidade do governo no ano passado.

As crises na base “aliada”

A coalizão político-partidária que compõe o governo Lula, com um caráter heterogêneo que vai desde os anseios reformistas das correntes da “ala esquerda” do PT aos interesses materiais e políticos de “caciques” como Sarney e ACM, tem se mostrado extremamente sensível às recentes mudanças no cenário económico e à queda da popularidade do governo.

Por um lado existem as pressões que vêem de dentro do próprio PT: Deputados Federais e Senadores que votam contra ou ameaçam votar contra o governo; prefeitos, deputados federais, vereadores e até mesmo o órgão máximo de direção do partido (a Direção Executiva Nacional) que se articulam para exigir mudanças na política económica; e movimentos das correntes de sua “ala esquerda” (DS, Articulação de Esquerda, Força Socialista etc., que somadas possuem 30 deputados da bancada parlamentar) passam a discutir publicamente se vão ou não continuar “apoiando criticamente” o governo e integrando o partido após as eleições de outubro.

Por outro lado, ganha cada vez mais publicidade o fisiologismo descarado e as alianças espúrias que o PT faz com os demais partidos importantes que compõem a base governista (PMDB, PP, PTB, PL e PCdoB), que a cada votação no Congresso abrem o chamado “balcão de pedidos” , que é nada mais que a troca de votos por cargos ou liberação de verbas para emendas parlamentares.

Soma-se a isso as divisões que temos visto no “primeiro escalão” (ministros) e no chamado “núcleo duro” (grupo seleto de petistas que gira em torno de Lula) do governo em crises políticas chaves no último período como foi quando explodiu o “caso Waldomiro” e como foi recentemente quanto o Ministro da Justiça Thomas Bastos ameaçou se demitir do cargo se Lula insistisse em deportar o jornalista do New York Times.

O fortalecimento da oposição burguesa

A queda da popularidade de Lula e as crises na base aliada assentam as bases para que os distintos setores de oposição burguesa operem movimentos para se fortalecerem. É nesse sentido que devemos enxergar: a reaproximação entre o PSDB e o PFL em âmbito nacional, na qual buscam conformar um bloco de oposição “pela ética e pelo emprego” que agrega inclusive o PDT de Brizola; o endurecimento das críticas ao governo como pudemos evidenciar na recente propaganda eleitoral que o PSDB lança em cadeia nacional de TV; os recentes atos públicos em que a Força Sindical mobilizou milhares de trabalhadores em protestos contra o governo; a mudança de postura da grande imprensa burguesa, que se no ano passado cumpria um papel de “blindagem” política do governo, hoje não lhe poupa críticas e denúncias.

No entanto, o fato de que esses setores tenham esperado um ano para assumir uma postura mais dura, que ainda assim não chega a atacar o governo de forma ofensiva, apenas mostra que eles são parte integrante da classe responsável pela crise em que o país mergulha hoje e não têm qualquer saída alternativa para essa crise, limitando-se à demagogia eleitoreira típica dos que não detêm no poder central; e também mostra o medo que esses setores têm de que uma crise no governo Lula se transforme em uma crise nas instituições do Estado e do regime da “democracia” dos ricos, que coloque no centro da cena política o peso de respostas independentes protagonizadas pelas classes oprimidas.

Os novos sinais de debilidade do governo

Na medida em que atinge cada vez mais importantes setores da burguesia e ao mesmo tempo o conjunto das classes exploradas e oprimidas do país, o agravamento da crise económica funciona não só como um fator de conflito “nas alturas” mas também como um motor para o crescente descontentamento dos “de baixo” . Na medida em que abalam um dos principais pilares de sustentação do governo até então ’ o da pilar “ético e moral” ’, fatos como o “caso Waldomiro” contribuem para o desgaste da imagem do governo e do PT junto à população e abrem espaço para que os setores da burguesia ’ tanto os aliados como a oposição ’ tenham mais autoridade para se contrapor ao governo em defesa de seus interesses particulares.

São essas novas contradições que se expressam na relativa paralisia dos projetos que o governo precisa que sejam aprovados no Congresso, e inclusive nas derrotas que ele tem sofrido nesta casa como foi o caso da não aprovação da Medida Provisória que decretava o fechamento dos bingos, e no caso da reeleição para a presidência da Câmara e Senado. Essas novas contradições, por sua vez, têm seus próprios efeitos sobre a economia, pois coloca em questão a capacidade que o governo terá para aprovar as reformas constitucionais e as medidas anti-populares necessárias para continuar descarregando a crise económica sobre as costas dos trabalhadores e do povo pobre.

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