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Nacional

GOVERNO, REGIME E ESTADO

Crise entre poderes, escândalos de corrupção

30 May 2013   |   comentários

Volta e meia estoura um novo escândalo de corrupção: ora de tucano, ora de petistas, ora de peemedebistas. (...) Precisamos nos apoiar no sentimento de podridão que muitos trabalhadores veem ao olhar a política burguesa e suas instituições e politizá-lo em um sentido de classe

Volta e meia estoura um novo escândalo de corrupção: ora de tucano, ora de petistas, ora de peemedebistas. Descobre-se mais um caso de nepotismo no senado, depois outro na câmara. Em menos de uma semana, são descobertos cargos de indicação de senadores em que garçons ganham R$ 15 mil; no dia seguinte, juízes comprados por traficantes, governadores (como Cabral do PMDB do RJ) em relações de negócios e casamento com empresários (Cavendish, Eike, etc), entre outras intermináveis maracutaias que são maravilhas para os poderosos e seus amigos. Estes intermináveis escândalos não se desenvolvem como instabilidade política e luta de classes por diferentes fatores: uma situação econômica e social que segue estável, mesmo com um lento mas persistente aumento das greves que convivem com emprego recorde e crédito abundante; porque o principal elemento do regime, o executivo federal, segue muito popular e intocado nos escândalos; e as principais centrais sindicais(CUT, CTB, entre outras), e movimentos de massa como o MST, UNE blindam não só “seu” governo como seus aliados.

Precisamos nos apoiar no sentimento de podridão que muitos trabalhadores veem ao olhar a política burguesa e suas instituições e politizá-lo em um sentido de classe, ajudando a ver como se trata não de um problema de tal senador, velho oligarca e corrupto (Collor, Sarney, Renan entre os mais notórios de uma lista infame de uma casa infame), mas um problema do governo, do regime como um todo e mais que isto, do Estado.

Os marxistas revolucionários da LER-QI defendemos a derrubada deste Estado, regime e governo pela ação independente das massas trabalhadoras trazendo junto de si todos setores oprimidos da sociedade e substituindo-o por um governo dos próprios trabalhadores organizados em comitês por locais de trabalho (baseando-nos na experiência histórica das grandes batalhas de nossa classe, cujo maior exemplo foi a criação dos sovietes russos). Porém, esta não é a consciência dos trabalhadores hoje. Queremos com este artigo fornecer argumentos para que setores de vanguarda dos trabalhadores e da juventude possam ver como os debates entre o legislativo e o judiciário, os privilégios, roubos, e outros absurdos se tratam de problemas de governo, Estado e regime. Mas também como podemos nesta situação de estabilidade de hoje ir levantando algumas reivindicações que possam servir de ponte entre a consciência atual dos trabalhadores e a consciência necessária para colocar fim a este regime de exploração e suas instituições.

Crises entre legislativo e judiciário ou o palavrório de predadores diante da caça

Os trabalhadores que acompanham os jornais e revistas da grande mídia volta e meia podem se deparar com medidas tomadas por cada um destes poderes contra o outro. Alguns exemplos destas medidas cruzadas de um poder contra o outro podemos ver na alteração da pauta do congresso que o STF impôs quando julgou liminar do governo fluminense sobre os royalties, depois quando o mesmo STF buscou impor a cassação dos parlamentares mensaleiros, ou por outro lado quando o parlamento discute o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 37 que limita a capacidade de decisão do STF (alterando a declaração de inconstitucionalidade de maioria simples para maioria absoluta).

O debate que está se desenvolvendo com argumentos de clausulas pétreas, disposições constitucionais, federalismo, “separação dos poderes”, etc, encobre, na verdade, como se trata de uma luta pela divisão por mais poderes e influência no Estado, uma disputa travestida de complexo falatório sobre direitos, mas que no fundo é uma disputa pelas finanças públicas que teriam ou não novos partidos, ou disputa de outros botins ainda maiores como dos royalties.

Um parlamento para falatório e para sugar recursos dos trabalhadores

O legislativo é o órgão mais desprestigiado do regime. Não é para menos. Os parlamentares são uns privilegiados. Ganham salários acima de R$ 20 mil, “trabalham” de vez em nunca, aposentam-se com aposentadoria integral depois de dois mandatos (8 anos! e podendo acumular aposentadorias com outras aposentadorias de outros poderes). Tem condições que nenhum trabalhador pode ter sob o capitalismo e sob as leis destes mesmos parlamentares.

Estes privilégios se traduzem em absurdos gastos com estas casas de ocasionais discursos, intermináveis privilégios e votação de leis que favorecem aos empresários. Não poderia ser diferente, a maioria deles já é empresário ou fazendeiro.

É deste modo que entendemos como é possível que uma casa com menos de 60 deputados, como é a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tenha um orçamento de R$ 648 milhões, um pouquinho menor do que o orçamento de R$ 780 milhões da UERJ, uma universidade que com essa verba tem que atender 25 mil estudantes, milhares de pessoas no hospital universitário, e ainda pagar os salários dos professores, funcionários, médicos e enfermeiros [1].

Este retrato fluminense repete-se em cada câmara de vereadores, em cada assembleia estadual tomando como modelo a câmara e o senado federal. A câmara federal tem um orçamento para pagar os salários e privilégios dos deputados e seus funcionários de R$ 4, 983 bilhões, enquanto o senado (com 6 vezes menos privilegiados que a câmara, 81 senadores contra 513 deputados) tem um orçamento de R$ 3,504 bilhões. Juntos estes 594 privilegiados e seus comparsas custam 8,436 bilhões [2]! Esta bagatela é equivalente a quase 37% do orçamento da menina dos olhos dos governo Lula-Dilma, o Bolsa Família. O Bolsa-Família com seus 50 milhões de beneficiados significa um gasto por pessoa (incluindo sustentar os funcionários e a máquina do governo no programa) de cerca de 460 reais, já o parlamento custa mais de 14,2 milhões por parlamentar!

Frente a este absurdo é hora dos trabalhadores voltarem a conhecer uma demanda simples que a Comuna de Paris (primeira tentativa revolucionária da classe trabalhadora) implementou. Fazer um governo barato, que todos funcionários sejam eleitos, e ganhem o mesmo que um trabalhador qualificado, como poderia ser o caso de um professor. Raul Godoy, dirigente do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina, trabalhador de Zanon, fábrica sob controle dos trabalhadores há mais de dez anos em Neuqúen, e deputado estadual naquela província, levanta esta mesma consigna gerando intenso debate lá em meio a greve de professores. Esta demanda tão simples não é levantada por nenhum parlamentar “crítico” e “socialista” do PSOL, mostrando sua adaptação a este regime e a esta verdadeira sangria dos recursos da nação para enriquecimento de uns poucos. Como pode-se participar de uma casa de privilegiados como esta e não questionar isto? É porque o socialismo destes parlamentares também fica na única coisa que o parlamento faz: discurso.

Defender que os parlamentares ganhem o mesmo que um professor não é o mesmo que defender a revolução. Não se trata de uma consigna revolucionária, socialista, mas ela contraria interesses. Porque um professor pode ganhar menos do que prevê a constituição (calculado pelo DIEESE em mais de R$ 2400) e um parlamentar tanto? Fazendo aprovar esta medida poderíamos ter muito mais recursos para educação e saúde. O parlamento seguiria sendo uma casa de palavrório e que atenderia aos interesses da burguesia. Mas a luta por sua implementação poderia ajudar amplos setores de trabalhadores a verem como é preciso trazer abaixo o parlamento e erguer um novo tipo de governo, dos próprios trabalhadores.

O senado é uma instituição intrinsecamente reacionária

O senado é uma instituição que foi criada para diminuir o peso popular no parlamento. Assim argumentavam os grandes escravocratas que fundaram a “república” dos EUA. Como a câmara de deputados com seu número maior de representantes e com aproximação teoricamente maior com a população poderia trazer suas reivindicações, seria necessário contrabalancear este peso com uma instituição mais conversadora: o senado. Um senado com representação igual por estado (desequilibrando o peso das massas e super-representando estados com menos população, mais rurais, com maior peso de “caciques”). Desde o nascimento trata-se de uma instituição para conter a força dos pobres, dos trabalhadores e garantir os interesses das minorias (a burguesia, os latifundiários).

Nela prosperam os Sarney, os Collor e outros. Existe para reexaminar o que a cara câmara dos deputados já votou. Só para isto, para votar de novo o que já foi votado, submetendo o voto dos 513 ao controle de 81 ainda mais privilegiados! Esta duplicidade além de cara submete qualquer votação ao crivo dos setores mais conservadores do país pela super-representação de estados rurais e com peso de oligarcas ou pelo imenso poder econômico necessário para eleger um senador (é quase igual a eleger um governador) que impede que os trabalhadores consigam se representar nesta casa.

Abolir esta casa e criar uma câmara única, de menos palavrório, que unificasse executivo e legislativo em uma só casa, que representasse mais diretamente os trabalhadores e a população sendo eleitos nas comunidades e fábricas, tendo representantes que ganhassem o mesmo que um professor e fosse revogável a qualquer momento traria um grande ganho de economia nos gastos com esta casa, representando mais diretamente os trabalhadores, aí poderíamos dar passos para ter um parlamento mais democrático, mesmo que este ainda seja nos marcos do capitalismo. Tal como na luta para que os parlamentares tenham salários iguais ao de um professor ou um operário qualificado, na luta por uma câmara única, pela própria resistência da burguesia que depende das instituições aristocráticas para sustentar seu domínio, os trabalhadores perceberão a necessidade de lutar por um governo dos trabalhadores e do povo pobre, baseado nos organismos de democracia direta das massas em luta. São lições que a Comuna nos deixou.

Judiciário: uma casta não eleita que busca mostrar-se popular enquanto vai ajudando os milionários e poderosos

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem ganhado popularidade entre os trabalhadores, apesar de seguir existindo o sentido comum de que quem vai para trás das grades mesmo são sempre os pobres e nunca os criminosos de colarinho branco. Tendo à frente um presidente com poucas travas na língua e negro, por garantir a implementação de alguns direitos de casais homoafetivos, e por ter feito coletivamente, ao menos no papel e em primeira instância (nada garante que não mude daqui a pouco), o que nunca se faz neste país: condenou importantes políticos no julgamento do mensalão. A popularidade de uma casa anti-democrática feita por e para a elite, é dos maiores empecilhos para os trabalhadores avançarem em sua consciência contra este Estado que serve aos interesses da burguesia.

As leis são escritas pelos privilegiados parlamentares que falamos acima. Porém, frequentemente, diversos aspectos delas precisam ser analisados porque não contemplam todas as situações e contradizem outras leis existentes. Aí entra o STF para dizer o que é lei e o que não é. É, teoricamente, um poder acima de todos os outros. Outra atribuição do mesmo é julgar em última instância assuntos que foram considerados por júris populares e por outros tribunais inferiores. Ou seja, novamente esta casta especial de magistrados estão acima da população que é convocada para ser júri e de diversos outros juízes.

Este primeiro aspecto já mostra um evidente elitismo da casa máxima do judiciário, não sendo escolhidos popularmente, os membros quase vitalícios (ficam lá até completar 70 anos, mas se forem indicados pelo presidente ainda novos podem ficar 20 anos ou mais nesta função) desta casa podem colocar-se acima de qualquer outra pessoa e dizer o que é certo e o que não é. São intocáveis lá, até mais do que um presidente da república que ao menos tem que a cada 4 anos vender seu peixe novamente.

Um outro aspecto de elitismo do judiciário é o claro caráter de classe de seu funcionamento e decisões. Que trabalhador pode arcar com os custos de recorrer a todas as instâncias para ter algo julgado no supremo? Qual trabalhador pode contratar um advogado que tome cafezinho com um ministro do supremo? O reflexo disto é que quanto mais se sobe na hierarquia do judiciário, mais vamos chegando a círculos inacessíveis aos trabalhadores e que vão julgando as coisas para os seus. Um exemplo claro disto foi a condenação do assassino Coronel Ubiratan, que comandou o extermínio no Carandiru. Ele foi condenado por júri popular, mas logo conseguiu uma liminar para permanecer em liberdade enquanto seus recursos fossem julgados. Conseguiu a liminar e depois em instâncias superiores, sem júri popular, seu julgamento foi cancelado e ficou em liberdade.

Aos trabalhadores, aos negros, não há recursos. Uma parcela imensa da crescente população carcerária do país está presa preventivamente, ou seja, antes de ser julgada; e muitos ficam meses ou anos presos aguardando seu julgamento. Os condenados são em ampla maioria por pequenos furtos, por posse de pequenas quantidades de drogas ilícitas (implantadas ou não pela polícia). Quem garante que andem livres os Maluf e os Sarney, mas que estejam presos ladrões de galinha quase invariavelmente negros: o judiciário e sua casa superior, o STF.

Esta farsa de leis e julgadores das leis deve ser trazida abaixo, abolindo todos os supremos regionais e federais que só afastam os trabalhadores das decisões e castram decisões tomadas pela população em júris populares. Certamente os júris populares também erram, mas há de preferir-se os erros feitos pela própria população do que de privilegiados senhores que ganham mais de R$ 28 mil e têm múltiplas ligações com as empresas e empresários que julgam.

Enquanto for necessário que existam juízes para julgar o cumprimento de leis, precisamos que os juízes, como qualquer outro funcionário público, seja eleito pela votação popular. Os trabalhadores (com erros) saberão escolher pessoas com conhecimento ou não, mas que façam o que é necessário e não se faz: justiça aos poderosos. Estes mesmos funcionários, eleitos, como todos outros deveriam receber o mesmo que qualquer trabalhador. Chega de privilégios e decisões escondidas do povo! Esta é mais uma lição da Comuna de Paris a revivermos.

Poderosos presidentes, governadores, prefeitos, mas que governam para gente ainda mais poderosa

A “democracia” que vivemos é para os marxistas só uma máscara para a ditadura da burguesia contra a classe trabalhadora. Nesta democracia temos greves sendo julgadas ilegais enquanto tudo que é fraude contra os trabalhadores (juros extorsivos dos bancos, por exemplo) é legal. Além do parlamento, das leis, do judiciário, parte desta ilusão de estarmos participando, escolhendo, concentra-se na escolha do executivo local, estadual e nacional. De quatro em quatro anos vota-se quem sentará na cadeira.

Porém, mesmo escolhendo coisas fundamentais, o “governo de verdade” está escondido do voto popular. Ninguém vota para presidente do Banco Central, ninguém vota para presidente do poderoso BNDES, que serve para enriquecer bilionários, ninguém vota presidente da Petrobrás, da Receita Federal, do Banco do Brasil....menos ainda para ministro do supremo, para o comando do exército....ninguém consegue impedir que Cabral (ou qualquer outro governador) vá entregando mais e mais recursos ao seu verdadeiro chefe, Eike Batista.

E mesmo nestes cargos que votamos está a comprovação da tese defendida por Marx e Engels em 1848 (!) no Manifesto Comunista que o governo é “comitê de negócios da classe burguesa”.

É preciso lutar por uma democracia verdadeira, dos trabalhadores

Com diferenças entre os governantes, partidos, regimes (ditadura, “democracia”, etc), todos funcionam para garantir os negócios de toda a burguesia. Muda o discurso, muda o que e como se privatiza, muda o tamanho e o papel do BNDES (banco de “desenvolvimento nacional” que serviu nos últimos anos para juntar grandes empresas brasileiras resultando em demissões e aumento dos lucros de empresários bilionários), mas de conjunto este “comitê de negócios” garante a utilização dos recursos do país para enriquecer os distintos imperialismos e seus parceiros locais. De conjunto, mudando-se algumas aparências e mesmo algumas medidas e concessões (por exemplo, PEC das domésticas, cotas) o que temos é uma continuidade de medidas para favorecer os empresários, transferindo recursos para eles diretamente ou através de reprimir os trabalhadores quando estes se “atrevem” a lutar (como vemos na militarização das obras do PAC).

Sabemos que a consciência de que este governo, tal como qualquer outro que funcione nesta democracia degradada, só serve aos ricos não é a consciência dos trabalhadores hoje. Vivemos na mais longa “democracia” da história do país. As expectativas que com o voto, com uma lei ou com um julgamento do TSE as coisas possam ir avançando, ganhou bastante espaço na classe trabalhadora. Com este artigo buscamos fornecer argumentos para armar setores de vanguarda da classe trabalhadora e da juventude sobre como devemos lutar pela derrubada deste Estado e suas instituições (prisões, polícias, tribunais que só punem trabalhadores, etc), substituindo-o por um governo dos próprios trabalhadores através de sua organização em comitês por locais de trabalho (soviets). Esta luta e consciência não cairá do céu nem será feita somente pela via da propaganda (com discursos, artigos, vídeos), mas na própria luta de classes. Mas mesmo na situação de relativa estabilidade de hoje, é importante ir semeando não só uma consciência do que representa este Estado, regime, governo, mas inclusive de que medidas democráticas (não socialistas ou revolucionários) poderíamos ir levantando para servir como ponte entre a consciência atual e a necessária para derrubar o governo dos (e para os) exploradores. A história de nossa própria classe na Comuna de Paris, nas Revoluções Russas nos serve de exemplo!

[1Retirado do orçamento de 2013 do estado do Rio de janeiro, disponível em http://download.rj.gov.br/documentos/10112/186190/DLFE-57612.pdf/Livro_LOA_2013.pdf

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