Sexta 29 de Março de 2024

Conclusão

23 Dec 2007   |   comentários

Oque caracterizou o processo anterior ao golpemilitar de 31 demarço de
1964 como revolucionário não foram ações diretas da classe operária em
confronto com a burguesia e suas instituições; e nem tampouco formas de
organização do proletariado que surgissem e se desenvolvessem em
antagonismo como Estado burguês. Pelo contrário, a classe operária atuou sob
a direçãomajoritária do PCB, que a colocava a reboque da burguesia janguista.

O que atribuiu um caráter revolucionário ao processo foi uma
combinação entre: a) uma crise económica que atinge o país desde os
últimos anos da década de cinqüenta e que se vê enormemente agravada nos
primeiros anos da década de 60, com explosão inflacionária, crise deficitária
na balança de pagamentos, etc.; b) um profundo ascenso de lutas e de novas
formas de organização dos camponeses pobres, marcada por uma dinâmica
crescente de radicalização política que se enfrentava diretamente com a
propriedade privada através da ocupação de terras e por métodos de guerra
civil; c) um enorme ascenso de greves operárias e um alto grau de politização
dos setores organizados do proletariado, que colaborava para a quebra
permanentemente da estabilidade do regime na medida em que não permitia
a implementação de um plano de austeridade para conter a inflação e atrair
capitais estrangeiros; d) revoltas e rebeliões nas bases das Forças Armadas,
com enfrentamento contra o alto mando e tendências à unidade com
organizações operárias e camponesas; e) uma crescente divisão entre as
distintas frações da burguesia e da cúpula das Forças Armadas no que diz
respeito a que saída dar para a crise económica e para o crescente nível de
atividade das massas operárias e camponesas, consolidando uma ala
bonapartista de esquerda e outra ala bonapartista de direita, sendo que esta
última passou crescentemente a adotar métodos fascistas e de guerra civil
com a colaboração estreita dos EUA, que forneciam financiamento, pessoal,
material bélico e orientação política para a preparação do golpe.

Esta combinação de fatores faz com que esta seja a etapa da luta de classes
mais agudamente revolucionária da história do país, inclusive se a
comparamos com o ascenso operário que nos fins da década de 70 e durante
os anos 80 entrou em conflito com o regime militar em desagregação, mas
que, ainda que tenha expressado um maior grau de atividade e
espontaneidade proletária, não contou, pelo menos não com semelhante
magnitude, com os demais fatores que contribuíram para a profundidade do
processo revolucionário que antecedeu o golpe.

Buscamos demonstrar que este processo oferecia condições não só para
que o movimento de massas, sob direção da classe operária, resistisse à ofensiva golpista, mas também para que o proletariado se colocasse como
caudilho da nação oprimida na resolução dos problemas mais estruturais do
país como a reforma agrária e a espoliação imperialista.

Buscamos demonstrar que o PCB, ao colocar as massas a reboque da ala
nacionalista burguesa das classes dominantes e da cúpula das Forças
Armadas, impedindo o desenvolvimento de ações independentes do
movimento de massas, em especial da classe operária, foi responsável por
uma das maiores traições da história do movimento operário e das massas
oprimidas do país; traição esta que ficou patente quando, frente à ameaça
revolucionária das massas e a política contra-revolucionária do imperialismo
e seus agentes internos, o nacionalismo burguês dividiu-se entre os que
passaram de malas e bagagens para o programa da UDN civil e militar e os
que sucumbiram covardemente e sem luta frente ao golpe; abrindo as portas
para 20 anos de ditadura militar.

À luz deste ângulo, buscamos desenvolver qual seria o programa, a
estratégia e as táticas centrais que poderiam munir o proletariado com uma
política independente da burguesia para resistir ao golpe e se colocar como
caudilho da nação oprimida; não só para contrastar com a política levada a
cabo pelo PCB, mas para contribuir com lições que armem a vanguarda da
classe operária brasileira para suas batalhas atuais e futuras.

Analisando o movimento trotskista da época em questão, buscamos
explicar como se materializou no Brasil a ruptura dos fios de continuidade
com o melhor da tradição revolucionária do movimento operário
internacional concentradas na vida e na obra de Lênin e Trotsky; e, com
isso, explicar pelo menos parcialmente porque, mais de 40 anos depois, as
conclusões aqui desenvolvidas, em grande medida fundacionais para a
constituição de uma direção marxista revolucionária no Brasil, ainda não
haviam sido trabalhadas.

Parcialmente porque, para uma explicação integral, necessariamente
teremos que nos debruçar sobre o movimento trotskista que surge em meio
ao ascenso operário de fins dos anos 70 e que hoje dirige ou influencia parte
importante dos setores que hoje se colocam à esquerda do governo Lula e do
PT, como por exemplo o PSTU e várias correntes internas do PSOL.

Este “detalhe” não é secundário.

Como já antecipamos acima na discussão sobre programa e estratégia, se
teses semelhantes às desenvolvidas neste artigo fossemumpatrimónio orgânico
dos setores do movimento trotskista que atuaram frente ao ascenso operário
de 70-80 e a fundação do PT, muitos erros poderiam ter sido evitados.
Guardadas as devidas diferenças, assim como o POR, apoiando-se sobre uma
visão de que “tudo tendia automaticamente à revolução” , adaptou-se na prática
ao stalinismo e por esta via à burguesia janguista, os trotskistas dos 70-80, com uma lógica semelhante, adaptaram-se à burocracia lulista e por esta via à
“ala esquerda” da burguesia concentrada noMDB. Com o agravante de que,
como vimos, esta nova “cepa” de trotskistas não lutou pelo desenvolvimento
de milícias operárias e organismos de tipo soviético que unificassem a classe
operária aos camponeses pobres e ao conjunto das massas oprimidas para
derrubar a ditadura em chave revolucionária nem mesmo no plano da
propaganda abstrata. Assim como o POR passou anos a fio atuando “dentro”
do PCB - substituindo a tarefa de construção de um partido revolucionário
pela tarefa de “influenciar pela esquerda” a direção deste partido enquanto
esta organizava suas grandes traições -, os trotskistas dos 70-80 também
passaram anos a fio dentro do PT buscando influenciar pela esquerda a
burocracia lulista que se preparava para dirigir o Estado capitalista em sua
forma democrático-burguesa. Como dissemos em relação aos anos 60, não
defendemos a tese de que caso os trotskistas dos 70-80 tivessem aprendido
comos erros do POR a história teriamudado seu curso e a ditadura teria caído
por uma ação revolucionária das massas. O que sim afirmamos é que, se não
tivessem se adaptado tanto à burocracia lulista, a vanguarda do proletariado
estaria seguramente melhor preparada para enfrentar a ofensiva neoliberal da
década de 90 e o neoliberalismo petista dos últimos anos.Mas este é, como já
dissemos, tema para ser desenvolvido num próximo trabalho.

A atualidade das conclusões do processo que culminou no golpe de 64
não se mostra apenas pelas conseqüências que teria para a classe operária
frente ao ascenso de 70-80. Com o desgaste do neoliberalismo e o declínio
histórico da hegemonia norte-americana, direções burguesas latinoamericanas
buscam hoje canalizar o descontentamento e a rebeldia das
massas para uma política com traços nacionalistas, ainda que estes sejam
bem mais atenuados em relação ao que foram seus pares no passado. É o
que se expressa principalmente na figura de Chávez, que tem se colocado
como alternativa para importantes setores das massas na região, arrastando
atrás de si inclusive setores que se reivindicam trotskistas. Aqui também
pretende-se repetir como farsa aquilo que no passado se configurou como
tragédia. As conclusões em relação ao nacionalismo burguês que tiramos do
ascenso das massas nos anos 50-60 devem servir para fortalecer a convicção
de que o movimento operário precisa levantar uma política independente em
relação ao chavismo, sem a qual não vai conseguir responder aos problemas
estruturais que ainda atravessam os países do subcontinente, como a reforma
agrária e a emancipação do jugo imperialista.









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