Quinta 28 de Março de 2024

Internacional

DIANTE DA APROVAÇÃO DAS REFORMAS NA ASSEMBLÉIA NACIONAL DE CUBA

Concessões pró-capitalistas e o problema da habitação

11 Aug 2011   |   comentários

No último mês de julho, a Assembléia Nacional de Cuba aprovou algumas das medidas do “Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social” votadas no último Congresso do Partido Comunista de Cuba. As medidas de contra-reforma significam um imenso plano de concessões pró-capitalistas por parte do castrismo, como uma resposta à direita de enormes contradições gestadas ao longo de 50 anos pela própria planificação burocrática na ilha.

Na última seção da Assembléia Nacional, foram aprovadas a implementação de diversas medidas, como a retirada da proibição da venda de eletrodomésticos e produtos de alto consumo, que antes eram tabelados e distribuídos pelo Estado, “como fogões, fornos, cafeteiras, panelas e fogões, condicionadores de ar, chuveiros elétricos e aquecedores elétricos” (BBC Brasil 1/08/2011). Da mesma forma passou a ser legalizada a venda e compra de automóveis. Até então os automóveis eram exclusivos de determinados funcionários, ou concedidos aos trabalhadores “destacados” como uma espécie de premiação. Também se inclui a flexibilização das viagens exteriores para cubanos. Entretanto, a medida mais significativa, é a permissão para a apropriação privada das moradias por parte dos cubanos. A partir de agora, o cubano poderá adquirir a moradia em que habita como propriedade privada, podendo também vende-la a outro a fim de adquirir outra moradia. Esta medida se restringe apenas aos imóveis usados como moradia, não podendo o cidadão cubano adquirir mais de um imóvel para fins de apropriação, sendo a venda e a compra limitadas a uma “troca” do local de habitação.

Esta medida é uma iniciativa do governo em livrar do Estado a responsabilidade de prover a manutenção das moradias. O próximo passo será permitir a construção privada de novas moradias, um passo que pode estimular a formação de especulação imobiliária, mas que, entretanto, ainda não foi dado. Para isso será necessário desnacionalizar o sistema de habitação.

As conquistas da revolução estão sendo enterradas

Um problema democrático básico dos países capitalistas é o direito à moradia. A propriedade privada dos espaços urbanos e a especulação imobiliária deixam milhões de trabalhadores desabrigados em prol do enriquecimento de uma minoria capitalista. Um problema crônico nos países atrasados, onde a enorme massa do proletariado é obrigada a viver sem saneamento básico, nas favelas e em áreas de risco. Mesmo nos países capitalistas avançados, a realidade da classe trabalhadora é semelhante nos grandes centros urbanos, onde um trabalhador é obrigado a pagar aluguéis altíssimos aos proprietários capitalistas. Desta forma a classe trabalhadora é impelida a viver nas periferias urbanas e nas regiões mais afastadas do local de trabalho, sendo obrigada a atravessar a cidade e perder horas de seu dia útil para ir ao trabalho. Os movimentos populares por moradia e a ocupação de prédios e estruturas abandonadas a condições precárias é comum devido ao déficit de moradias mantido artificialmente pela especulação imobiliária e o uso privado da terra. A resposta da população a este problema estrutural do capitalismo é respondido com desocupação violenta e mortes pelo estado capitalista, como a desocupação violenta da polícia em Tarumã, no Brasil, ou a repressão violenta da polícia no Parque Indoamericano em Buenos Aires, Argentina.

Em Cuba, os lares até hoje são de propriedade do Estado, e ainda são concedidos através das distintas empresas aos seus trabalhadores como “meio básico” de vida, uma conquista antiga do estado operário após a revolução de 1959-62. A expropriação da burguesia permitiu uma solução ao problema de moradia que tornava os lares de propriedade do estado, onde as moradias foram entregues às fábricas, usinas e empresas mais próximas para serem distribuídas como concessão aos seus trabalhadores por tempo vitalício ou enquanto estes fossem trabalhadores das mesmas. Esta medida garantia a moradia aos trabalhadores, evitando em contrapartida a especulação imobiliária dos países capitalistas.

Ao longo de mais de 50 anos, as crises crescentes da economia nacionalizada de Cuba limitou ao mínimo os planos de construção de novas moradias, e principalmente após os anos noventa, a manutenção e reformas das moradias existentes ficaram estancadas devido uma crise de abastecimento no setor de construção civil como parte de uma crise generalizada da infra-estrutura da ilha. As melhores moradias foram cada vez mais se transferindo aos membros do governo e à alta administração das empresas, consequentemente para os cargos da burocracia castrista. A massa da população cubana passou a sofrer com habitações antigas, com diversos problemas de abastecimento de água e luz. Devido ao déficit de moradias que voltou a ser um problema que atinge cerca de 500 mil cubanos, diversas famílias passaram a ser obrigadas a dividirem uma mesma habitação ou a morarem em habitações distantes do atual posto de trabalho, fazendo da troca de moradias uma necessidade antiga dos trabalhadores cubanos. A moradia como parte das empresas nacionalizadas, portanto, é um direito vinculado ao posto de trabalho do trabalhador cubano, pelo tempo que este ocupasse o posto de trabalho, e não uma propriedade privada do mesmo. A medida em que a revolução criou condições para o pleno emprego, o direito à moradia, em tese, deveria ter sido plenamente conquistado. Entretanto, a planificação burocrática da economia cubana, o embargo imposto pelos EUA à economia cubana, e as recentes crises ocorridas com a queda da URSS e a partir de 2008, impediram que esta conquista fosse garantida à totalidade dos trabalhadores cubanos. Agora, a burocracia busca pela direita, oferecer uma saída pró-capitalista ao problema da habitação autorizando sua apropriação privada por parte de seus moradores.

O retorno da propriedade privada em Cuba?

A mídia burguesa recebeu as notícias das últimas medidas como “o retorno da propriedade privada em Cuba”. Entretanto a burguesia ainda é muito mais cautelosa do que setores da esquerda como a LIT/PSTU, ao definir se Cuba se restaurou ou não o capitalismo, pois “desde os primeiros dias da revolução de 1959, que levou Cuba ao comunismo, o Estado monopoliza mais de 90 por cento da atividade econômica e emprega uma força de trabalho equivalente a isso” (Folha de SP, 01/08/2011). Para sermos mais precisos, segundo o Órgão Nacional de Estatística de Cuba (ONE), em Cuba existem 12.462 empresas, sob distintos regimes de propriedade, entre elas temos basicamente os seguintes tipos: Empresas Nacionalizadas 100% estatais, Empresas Nacionalizadas Cooperativas (com uso-fruto coletivo não estatal), Empresas Mistas ou Autônomas (joint-ventures entre o estado e o capital estrangeiro). Desta forma, a maior parcela da economia segue nacionalizada, são 73,07% que seguem controladas pelo Estado, somando entre elas cooperativas de trabalhadores e empresas diretamente estatais, onde se emprega 60,95% da força de trabalho.

Se por um lado já existem concessões do usufruto da terra em grande parte aos camponeses, o que favorece o desenvolvimento de tendências pró-mercado, sua propriedade e fiscalização continuam sendo estatais, sendo impossível o desenvolvimento de grandes detentores de terras por não haver e ser proibida a propriedade privada e direito à herança dos meios de produção. Diferentemente das novas mudanças sobre a apropriação privada da habitação em que os cidadãos residem, a apropriação privada dos meios de produção permanece proibida e sob controle do Estado. Por mais que as novas medidas de habitação são um passo que favorece e alimenta as pressões restauracionistas em Cuba, não podemos dizer que seja um salto de qualidade por permanecerem os meios de produção nacionalizados. Cuba segue sendo um estado operário, porém deformado e em franca decomposição.

A constituição de 1936 da URSS legalizou a existência da propriedade privada e estimulava a sua formação em solo soviético, como parte destas reformas constitucionais. O artigo 7 estipulava a formação de cooperativas e atribuía como propriedade pessoal do camponês kholkoz uma parcela do meio de produção no campo “Além da renda básica do empreendimento do kolkhoz, cada familiar numa fazenda coletiva tem para seu uso pessoal uma pequena porção de terra anexada à residência e, como sua propriedade pessoal, um estabelecimento secundário na porção de terra, uma residência, criação, aves domésticas e implementos agrícolas secundários de acordo com os estatutos do artel agrícola”. Já o Artigo 10 estipulava que a habitação e os bens de uso pessoal são parte de propriedade pessoal dos cidadãos soviéticos, legalizando também o direito à herança “O direito dos cidadãos à sua propriedade pessoal das rendas do trabalho e suas poupanças, de suas residências e subsidiária economia familiar, dos móveis e utensílios de sua residência e artigos de uso pessoal e conveniência, assim como o direito de herança da propriedade pessoal dos cidadãos, é protegido por lei”. Para que essa aprovação fosse possível, o stalinismo teve que massacrar toda a velha guarda ex-bolchevique nos "processos de moscou". Mesmo assim, o trotskismo não deixou de reconhecer o Estado como operário, pois as bases sociais da revolução não permitiram que a mudança no regime se aplicasse na prática, o que evitou foi o curso dos acontecimentos que forçou a burocracia a retroceder. Em Cuba, apesar das enormes diferenças com a URSS e do imenso salto no processo de restauração capitalista que está sendo preparado, este ainda não foi levado a cabo. Em Cuba ainda falta os trabalhadores darem a última cartada contra a burocracia, para que haja uma virada na correlação de forças decisiva, ou então a burocracia dobrar a força dos trabalhadores através da violência sistemática, fato que na URSS e na China isso se deu através de guerras civis e massacres sucessivos.

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