Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

NOTAS PARA UM BALANÇO DO SEXTO CONGRESSO DO PC CUBANO

Concessões ao “mercado” e ajustes no regime

19 Apr 2011   |   comentários

O Congresso parece ter significado um êxito político relativo para Raul e sua equipe ao aprovar sem maiores debates (como era esperado) o plano econômico dos “Alinhamentos”, votar algumas mudanças políticas para impor sua aplicação e conseguir uma composição favorável na cúpula do PC para o bloco dos militares e tecnocratas no qual se apoia.

Ainda que o congresso tenha sido aberto com um grande desfile militar, simbolizando o peso crescente das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), historicamente dirigidas por Raul, em seu desenrolar e resoluções se impuseram os argumentos da ala tecnocrática – os que “entendem de economia” –, e a presença, no encerramento, de Fidel – que não terá cargos formais na direção – confirmou o seu aval a esses planos. Como resultado, o programa econômico obteve uma maior legitimidade, necessária para poder avançar em medidas antipopulares como os cortes no emprego estatal, na saúde ou na educação, ao mesmo tempo em que obteve melhores condições para disciplinar as diversas alas da burocracia. Sobre estas bases a equipe dirigente busca enfrentar a situação de aguda crise nacional derivada do impacto da crise capitalista internacional sobre una economia muito debilitada pela nefasta direção e parasitismo burocráticos, a deterioração do consenso social em que se apoia o regime diante das penúrias das massas, agravadas pela decomposição da ossificada estrutura política do bonapartismo castrista que se depara com o problema de uma “sucessão” em relativo curto prazo.

O plano econômico

A versão final dos “Alinhamentos da Política Econômica e Social” aprovada no congresso merecerá uma análise mais detalhada (fizemos um primeiro exame no LVO nº 401).

Em seu informe de abertura Raul declarou que “O incremento do setor não estatal da economia, longe de significar uma suposta privatização da propriedade social, como afirmam alguns teóricos, está destinado a se converter num fator facilitador para a construção do socialismo em Cuba, já que permitirá ao Estado se concentrar na elevação da eficiência dos meios fundamentais de produção, propriedade de todo o povo, e desvencilhar-se da administração de atividades não estratégicas para o país”. Ou seja, se abrirão maiores espaços para a iniciativa privada e o investimento estrangeiro. Como parte desta política Raul anunciou que “está em fase avançada as normativas jurídicas asociadas à compra e venda de moradia e de automóveis, a modificação do Decreto lei 259 para ampliar os limites de terra ociosa a entregar em usufruto àqueles produtores agropecuários com resultados destacados, assim como a outorga de créditos aos trabalhadores por conta própria e à população em geral”.

Como está na resolução sobre os “Alinhamentos”:: “A política econômica do Partido se corresponderá ao princípio de que apenas o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da Revolução, e que na atualização do modelo econômico primará a planificação, a qual levará em conta as tendências do mercado. Estes princípios devem ser harmonizados com a maior autonomia das empresas estatais e o desenvolvimento de outras formas de gestão. O modelo reconhecerá e promoverá, além da empresa estatal socialista – forma principal na economia nacional –, as modalidades de investimento estrangeiro, cooperativas, pequenos agricultores, usufrutuários, arrendatários, trabalhadores por conta própria e outras formas que possam surgir para contribuir na elevação da eficiência.”

A palavra “socialismo” tem aqui o mesmo valor que na boca dos dirigentes restauracionistas chineses dos anos 1980 em adiante. Falar de levar em conta as tendências do mercado e incorporar outras formas de propriedade e produção não estatais, onde a palavra “outras” pode terminar incorporando a empresa privada, é abrir as portas para uma “economia mista” sob a forma inicial de um suposto “socialismo de mercado” como transição... ao capitalismo.

Em consonância com este rumo o congresso ratificou a campanha contra o “igualitarismo”, pelo incremento da produtividade do trabalho, assim como, em nome de acabar com as “empresas inchadas”, o plano de quase um milhão e meio de demissões no Estado, que mesmo tenso sido postergadas seriam aplicadas nos próximos cinco anos “sempre pressa, mas sem pausa”, ampliando e flexibilizando ao mesmo tempo o emprego no setor não estatal.

A resolução citada afirma que “Na política econômica está presente o conceito de que o socialismo significa igualdade de direitos e de oportunidades para todos os cidadãos, não igualitarismo, e se ratifica o princípio de que na sociedade socialista cubana ninguém ficará desamparado”. Porém esta definição de socialismo não tem nada de marxista – “a igualdade de oportunidades” é um conceito burguês – e se busca atender os interesses da burocracia privilegiada e dos “novos ricos” que estão se formando. Ninguém ficar desamparado tampouco é socialismo, mas apenas assistencialismo estatal, tal como existe em qualquer sociedade burguesa em relação aos pobres e indigentes.

Raul Castro reconheceu que “a caderneta de abastecimento e sua eliminação foi, sem dúvida, o assunto que provocou mais intervenções dos participantes no debate e é lógico que tenha sido assim, pois duas gerações de cubanos passaram suas vidas sob esse sistema de racionamento que, apesar de seu nocivo caráter igualitarista, garantiu durante décadas a todos os cidadãos o acesso a alimentos básicos e a preços irrisórios, altamente subsidiados”. Para os dirigentes a insuficiente caderneta de racionamento que ao menos garantia a cada cubano uma cota de alimentos básicos é o supremo mal por seu “nocivo caráter igualitarista”, “desestímulo ao trabalho” e “geração de várias ilegalidades”, e por isso deve deixar de ser um direito universal para ser gradualmente substituída pela compra no mercado a preços “realistas” dos bens de consumo.

Além disso, se ratificou a outorga de maior autonomia às empresas estatais e mais poder aos gerentes e às instâncias governamentais intermediárias (“descentralização”) para aplicar um plano cujo sujeito seriam os “quadros” e os “chefes” das empresas, isto é, os gerentes “socialistas” e não os trabalhadores, já que “O modelo excessivamente centralizado que caracteriza atualmente nossa economia deverá transitar, com ordem e disciplina e com a participação dos trabalhadores, para um sistema descentralizado no qual primará a planificação como marca socialista de direção, porém não ignorará as tendências presentes no mercado, o que contribuirá para a flexibilidade e permanente atualização do plano”.

Estimula tendências sociais reacionárias

Se no social propõe-se incrementar a pressão sobre os trabalhadores em nome da produtividade do trabalho e o corte de “gratuidades indevidas” no acesso aos serviços sociais e outros direitos, no plano tomado em seu conjunto estimula-se uma maior diferenciação social, favorecendo os setores privilegiados (as camadas altas da burocracia e os “novos ricos” ligados a ela, os camponeses com acesso a melhores terras, os artesãos, os comerciantes e outros setores autônomos ou ligados ao turismo e os que recebem ajuda em moedas estrangeiras de familiares fora do país,etc.), com o que não poderá fortalecer outra coisa senão o pólo social restauracionista e agravar a desmoralização em setores populares e da juventude que padecem todo tipo de carências enquanto campeia a corrupção, a prepotência dos “quadros” e um novo “consumismo” da burocracia privilegiada.

O plano político e as mudanças no aparato

Neste âmbito, neste congresso ficou evidente o propósito de reafirmar o regime bonapartista de “partido único” mesmo que ajustando seus mecanismos políticos às necessidades do bloco dirigente.

O novo birô político de apenas 15 membros manteve o predomínio dos dirigentes “históricos” e entre eles, ao lado de Raul e seu vice Machado (formado no serviço secreto), há seis altos chefes militares. Os três “novos” são a dirigente do PC de Havana (Mercedes Lopez) e os principais responsáveis pelo plano econômico (Marino Murillo e Ado Izquierdo). O Comitê Central de cem membros foi renovado em grande número (saíram 59 membros) incorporando-se mulheres e afrocubanos, mas em seu interior há duas dezenas de generais. O congresso não pode resolver a formação de uma nova camada de dirigentes que represente a “geração histórica”, problema que fica pendente para a Conferência Nacional do PCC no próximo ano e que, segundo Raul, somente poderá ser resolvido gradualmente, afirmando que “hoje nos deparamos com as consequências de não contar com uma reserva de substitutos devidamente preparados, com suficiente experiência e maturidade para assumir as novas e complexas tarefas de direção no Partido, no Estado e no Governo, questão que devemos solucionar paulatinamente ao longo do quinquênio”. Entretanto, é possível que acima da “falta de preparação” se esteja refletindo desconfiança em relação aos candidatos da “segunda geração” e discrepâncias com alguns setores da burocracia que esperavam ascender na escala partidária.

Fica claro o problema de como preservar um poder de arbitragem entre as diversas tendências da burocracia, desta com as massas, quando a base social do regime está evidentemente muito erodida e, em última instância, entre o que resta das relações de propriedade não capitalistas surgidas da revolução e a adaptação crescente ao mercado capitalista internacional em momentos em que o dilema político se concentra na inevitável “sucessão”.

Alguns flagelos para a burocracia partidária

Raul se lançou contra a ineficiência e o burocratismo falando em “separar as funções” do partido, enquanto “vanguarda organizada da nação cubana e força dirigente superior da sociedade e do Estado”, mas subordinando à “eficiência” do Estado, colocando limites à duração nos cargos (medida que Fidel aderiu e que estaria contra os atuais dirigentes) etc. Uma iniciativa importante foi a criação de uma “Comissão Permanente para a Implementação e Desenvolvimento” do plano econômico dos “Alinhamentos” como entidade fiscalizadora de sua aplicação pelos diversos ministérios e instâncias.

Isso sob a lógica de “reduzir substancialmente a nomenclatura dos cargos de direção (...) e garantir aos dirigentes ministeriais e empresariais prerrogativas para nomear, substituir e aplicar medidas disciplinares aos chefes subordinados, assessorados pelas respectivas comissões de quadros, nas quais o Partido está representado e opina, mas estão presididas por dirigentes administrativos que é quem decide”, ou seja, agilizar as estruturas de direção reforçando a autoridade dos quadros.

Também se permitiria um papel de “crítica” aos meios oficiais da imprensa, TV e rádio para pressionar a implementação das medidas e colocar barreiras aos abusos e ineficiências da baixa burocracia de empresas e unidades administrativas.

Em suma, como escreveu Guillermo Almeyra em seu artigo “La apertura do VI Congresso do PC cubano”, de 17/04, trata-se de “medidas de aparato para tornar mais eficiente o aparato”, exercendo pressão sobre seus setores mais resistentes a adaptar-se ao plano, diante dos quais Raul exigiu cumprir o “denominador comum em nossa conduta: ordem, disciplina e exigência”.

Uma mão estendida à Igreja

No informe de Raul, foi chamativo o espaço ocupado pelo tema da religião e das relações com a Igreja, convocando abrir passagem no PC aos “crentes”, elogiando a Igreja Católica e seu “trabalho humanitário”.

Raul defendeu que “se faz necessário continuar eliminando qualquer preconceito que impeça irmanar na virtude e na defesa da Revolução todas e todos os cubanos, crentes ou não” (...) “Os representantes desta Igreja manifestaram seus pontos de vista, não sempre coincidentes com os nossos, mas construtivos. Essa é, ao menos, nossa apreciação depois de longas conversas com o Cardeal Jaime Ortega e o presidente da Conferência Episcopal Monsenhor Dionisio Garcia. Com esta ação estamos favorecendo o mais precioso legado de nossa história e do processo revolucionário: a unidade da nação.”

Ricardo Alarcon interpretou como “um tipo de chamado à unidade nacional” e que o processo de diálogo “que se abriu com a Igreja Católica cumpria um objetivo histórico da Revolução cubana: a unidade nacional”; num congresso em que “um ambiente de grande consenso patriótico, de ampla união nacional vai contribuir, por isso, para a convergência patriótica se fortaleça (...)”

Com isso se ratifica a hierarquia católica como interlocutora e mediadora com o imperialismo, como “oposição tolerada” com quem, apesar das diferenças, se tem três grandes áreas de convergências: o apoio do clero aos “Alinhamentos” (pressionando por mais avanços), o interesse deste clero na “reconciliação” com os imigrados e o importante papel que o aparato e a influência da Igreja pode desempenhar no controle do descontentamento social, pressionando pela “abertura” e a “democracia”. Além disso, está implícita a busca de um entendimento com setores dos imigrados, com quem o clero pode atuar como “ponte” para um “reencontro” e a “unidade nacional”.

Isso significa que Raul pode conceder uma determinada “abertura”? É possível que ao mesmo tempo que fortaleça o bonapartismo burocrático, colocando mais ênfase no papel dos militares, continue jogando com alguns resquícios de tolerância às vozes críticas como forma de neutralizar os setores reticentes da burocracia.

Entretanto, os “excluídos” de qualquer possível “abrandamento” formal do regime são os trabalhadores. Nem sequer um gesto que pudesse ser interpretado como concessões para a atividade sindical e política dos trabalhadores por fora do rígido enquadramento das “organizações de massas” do regime – sindicatos, PCC, UJC, FMC, CDRs – nem uma abertura de direitos políticos e liberdades democráticas para as massas.

Rumo a um “socialismo de mercado”?

Em suma, o conclave do PC aprovou um plano de cinco anos que se se consolida em sua implementação, implicaria numa maior descentralização e autonomia das empresas estatais e ampliação do setor privado. Os apelos ao socialismo não ocultam que em resposta à crise do “modelo cubano”, isto é, diante da encruzilhada que a desastrosa dominação burocrática gerou na economia de transição cubana, a burocracia está avançando numa “via cubana” gradual – ou por etapas – de restauração capitalista ao mesmo tempo em que preserva o monopólio político através do partido chamado “comunista”, como forma de garantir seus interesses, negociar diante da pressão imperialista e, em última instância, reciclar-se como uma nova classe proprietária.

Contra os planos restauracionistas da burocracia e a contra-revolução imperialista que combina o bloqueio com exigências de “abertura econômica e política”, a única alternativa é aplicar o programa de revolução política para Cuba, que entre outras tarefas inclua a conquista de plenas liberdades de organização sindical e legalidade para os partidos políticos que defendam a revolução, a revisão de todas as medidas econômicas em prol dos interesses dos trabalhadores e do povo, a adoção de um plano democrático centralizado, a abolição das benesses e privilégios da burocracia e sua expulsão do poder político para que seja substituída por uma verdadeira democracia operária revolucionária baseada nas organizações democráticas de luta que as massas criem. Apenas assim, e guiando-se pela luta de classes internacional contra o capitalismo imperialista, se assegurará o futuro da revolução cubana.

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