Quinta 28 de Março de 2024

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Deputado federal cabo Daciolo: um Bolsonaro dentro do PSOL?

22 Dec 2014 | O cabo Daciolo, líder do motim dos bombeiros do Rio em 2011 e 2012, foi eleito deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro com quase 50 mil votos. Ele nem tomou posse e já está envolvido em numerosas polêmicas por suas posições de direita, defendendo o indefensável deputado Bolsonaro e a entrega de ministérios aos militares e definindo, como os pastores reacionários, que “seu mandato é de Deus”. Só os ingênuos se chocam com as afirmações deste militar, defensor da assassina PM do Rio. É inacreditável a cara de pau de dirigentes e deputados do PSOL que declararam à imprensa estar “chocados”, “surpresos”. As posições de Daciolo são e sempre foram reacionárias, bastava ouvir seus discursos naquele motim e em diversos assuntos.   |   comentários

Além de debater as posições reacionárias deste deputado eleito pelo PSOL e o que elas chocam com seu partido, esta ocasião é também uma oportunidade para discutir que tipo de partido “amplo” está sendo construído pelo PSOL nacionalmente e em sua cabeceira de praia mais avançada, o Rio de Janeiro.

Eleitoralmente forte, porém completamente reacionário

Ao contrário de seu partido e todos os setores minimamente progressistas do país, Daciolo, com a desculpa de não “fazer campanha contra o deputado Bolsonaro”, desmascara seu acordo e defesa dos militares tutelando o país, dos crimes da ditadura e dos seus defensores civis e militares, cujo grande representante é o reacionário Bolsonaro. É disso que se trata, e não de “fundamentalismo religioso”, como os dirigentes e parlamentares do PSOL querem fazer passar!

Daciolo foi mais longe, contradizendo toda tradição internacional, inclusive burguesa, se posicionando contrário a que um civil comande o Ministério da Defesa. Ele está engajado em campanha para que a alta cúpula das Forças Armadas “recupere” o espaço perdido com a “redemocratização”. Na semana em que a Comissão Nacional da Verdade apresentou relatório comprovando crimes da ditadura militar e o desaparecimento de centenas de militantes de esquerda, o cabo Daciolo surge como o patrocinador de uma campanha em defesa dos militares e da sua intromissão direta dos militares (indiretamente estão sempre “dando ordens” no governo). É espantoso que seja um deputado do PSOL o “criador” desta campanha reacionária! (Para uma crítica a esta comissão, ver aqui).

Frente a estes posicionamentos a Executiva do PSOL do Rio de Janeiro emitiu comunicado onde reafirma algumas posições do partido, fala como as posições de Daciolo são inadmissíveis e o convida para uma “conversa”. Daciolo já se pronunciou contrário a conversar, afinal como ele postou no facebook, o “poder emanaria de Deus e não do povo”, e o mandato dele pertenceria a Deus e aos militares e não ao PSOL.

O que fará o PSOL? Expulsará o deputado Daciolo? Às vésperas das sonhadas eleições para prefeito do Rio, onde o PSOL pode dispor dos fortes nomes do deputado estadual Marcelo Freixo ou do ex-candidato Tarcísio Motta, o que fará o partido? Abrirá mão dos votos da conservadora base eleitoral de Daciolo?

A encruzilhada eleitoral e estratégica do PSOL

O PSOL está frente a uma encruzilhada eleitoral e estratégica. Eleitoralmente não pode deixar de tomar ações contra Daciolo já que quanto mais aparecerem seus posicionamentos reacionários como sendo do PSOL o partido poderá sofrer um desgaste em seu eleitorado principal: a juventude, as classes médias, e setores do proletariado que se identificam com as classes médias (o “progressismo carioca”).

Por outro lado, expulsar ou sancionar o insubordinado militar pode alijar eleitoralmente o partido das dezenas de milhares de policiais e bombeiros, um cabedal de votos que um partido eleitoreiro não quer abrir mão, custe isto ideologicamente o que custar.

Fingir que não é com ele também não parece ser uma solução viável. Daciolo tem como prioridade em seu mandato questões dos militares, e nelas se chocará com a maioria das bases progressistas do PSOL. Também deve vir à tona diferenças do Daciolo como a legalização das drogas, o direito ao aborto, combate à homofobia e a violência policial que mata mais que em guerra. Como o PSOL engolirá que em cada aspecto de seus eixos políticos apareça um “Bolsonaro” dentro de casa, com o deputado Daciolo votando com os conservadores, direitistas e reacionários?

O PSOL, por ser um “partido amplo”, de “novo tipo”, sem “centralismo”, onde os “indivíduos” estariam acima do partido (seu programa, ideologia, prática, decisões coletivas, estatuto), na verdade sempre permitiu esse “direito” de “opinar” e “fazer valer sua opinião” apenas aos seus parlamentares e figuras públicas, já que os “indivíduos” (militantes de base e seus “apoiadores”) não têm voz nem poder algum nesse tipo de partido eleitoreiro, que renega a força política da classe trabalhadora. O controle e o poder burocrático só pode estar nas mãos dos dirigentes e dos “parlamentares”, com as bases servindo apenas como “massa” para “ganhar votos”.

Quem não se lembra da “puxadora de votos” Heloisa Helena fazendo campanha contra o direito ao aborto junto com setores reacionários da Igreja e dos parlamentares, contrariando até mesmo as “decisões coletivas” do partido? Quem não se lembra, em outubro passado, do deputado estadual Marcelo Freixo e do federal Jean Wyllys atuando como “cabos eleitorais” de Dilma Rousseff no segundo turno, quando o partido havia aprovado uma resolução oportunista “contra Aécio” mas não abertamente de defesa de Dilma? Freixo e Wyllys fizeram o que bem entenderam. Jean Wyllys, em 2013, disse que “foram os orixás” que lhe deram o mandato, não foram os “votos do povo” . Ou seja, Wyllys pode “misturar” religião e política sem que signifique “fundamentalismo religioso”?

Esses poucos exemplos demonstram que para o PSOL os parlamentares e os “puxadores de votos” têm “mais direitos” do que os militantes “normais”. Em troca de votos a direção (com a conivência “crítica” das correntes de esquerda) do partido está disposta a “aceitar” muita coisa. Por que, agora, o PSOL forçará um “centralismo” somente ao reacionário bombeiro Daciolo? Se as posições forem contrárias às do partido mas a figura pública ajudar eleitoralmente pode falar o que quiser e não tem “centralismo”?

Aí reside parte da questão. Como o PSOL veio a ter um Bolsonaro?

Partidos para as eleições e partidos para a luta da classe trabalhadores e todos oprimidos

O PSOL trilha em território nacional o mesmo caminho de muitos partidos mundo à fora. Frente a crise de “mediações” tradicionais que passaram para o lado do neoliberalismo ou se tornaram aplicadores dos planos capitalistas com verniz “progressista”, surge um partido “amplo”, de “novo tipo” que busca ocupar este espaço eleitoral. A falência do PT do Rio de Janeiro é um dos fatores que explica a força maior do PSOL no estado do que no restante do país.

Atraente eleitoralmente, todo tipo de gente procura o PSOL para se candidatar, não só Daciolo, mas também sionistas que centravam sua campanha em criticar o próprio PSOL por ser pró-palestina. E valendo mais alguns votinhos (ou milhares, no caso de Daciolo) o PSOL costuma aceitar, com poucas críticas, estas figuras. Este oportunismo deslavado não é algo nacional nem novo.

No Estado Espanhol temos o Podemos que não se define como sendo “nem de esquerda nem de direita”. O crescimento eleitoral meteórico deste partido está pressionando a esquerda em todo o mundo, levando até intelectuais do “radical” PSTU brasileiro a defender estas novas formações, rasgando todas posições teóricas que dizem defender. Outro exemplo atual vem da Grécia com o Syriza com grandes chances de se tornar governo em poucos meses. Este partido “novo” é crítico aos planos de austeridade mas não da União Européia e está fazendo todo tipo de esforço para se mostrar como bons, e necessários, administradores do capitalismo grego. São novos reformistas que defendem a utopia reacionária de reformar o imperialismo europeu e não derrota-lo, hipotecando inclusive posições elementares como o não pagamento das dívidas para se mostrarem mais palatáveis aos olhos da burguesia que eles querem convencer e não combater.

Em menor escala vimos antes do surgimento desses partidos a frente eleitoral RESPECT no Reino Unido e o Riffondazione Comunista Italiano crescerem vertigionosamente até explodirem em dezenas de pedaços.

O que há em comum entre o PSOL e todos esses partidos?

A construção de partidos ou frentes que têm como perspectiva exclusiva o peso nas eleições. Frente à possibilidade de eleger mais deputados, o partido marxista SWP, que impulsionava o RESPECT, engolia posições reacionárias de lideranças burguesas islâmicas e do famoso sindicalista Galloway. Até que estes alijaram o SWP do RESPECT e o partido posteriormente, também por outros motivos, entrou em profunda crise.

Esta é a mesma atitude do PSOL frente a Heloísa Helena, Freixo ou Daciolo. “Se me ajuda a eleger parlamentares, que mal tem?” Afinal,com mais parlamentares o PSOL ganhará mais espaço no Congresso, “poder” de negociação com o governo e os partidos (e empresários?), além, óbvio, de mais dinheiro do fundo partidário e “doações eleitorais” de empresas, como fez Luciana Genro este ano. Igual a qualquer partido do regime político brasileiro!

Com esta estratégia burguesa de partido “do regime” o PSOL vem se construindo. As críticas das correntes de esquerda se resumem aos “excessos” de desvios “à direita”, pois todos compartilham a mesma estratégia de partido. Se for muito absurda as posições dos auxiliares eleitorais, publicam uma nota crítica, e a vida segue, as eleições chegam... O mesmo processo vimos no PT nos anos 1980 e mais aceleradamente da década de 90 em diante.

Esta máxima contamina boa parte da esquerda mundial. Não fica restrita aos que impulsionam estes partidos eleitorais e “amplos”. O PSOL reproduz rigorosamente essa estratégia de “partidos amplos”, que não são “nem de esquerda nem de direita”, onde caberiam “todos” que falem em uma “nova política”. A experiência de vida já mostrou que de “nova política” não há nada, e que não é possível “não tomar partido” a favor ou contra as classes sociais fundamentais (burguesia e classe trabalhadora).

Essa estratégia de partido reformista burguês contamina até mesmo correntes que se dizem trotskistas. Em plenária do mandato de Daciolo estavam presentes além de diversos militares a ex-trotskista Janira Rocha (do PSOL) e o presidente do PSTU-RJ, Cyro Garcia. A ex-deputada Janira – envolvida em acusações na Assembleia Legislativa –, além de rasgados elogios ao cabo Daciolo foi a responsável em “dirigir” a oração de bênção à eleição do deputado. Cyro Garcia, neste ato, lamentou que o cabo Daciolo não tenha se filiado e candidato pelo seu partido, o PSTU, dizendo que “disputou Daciolo com o PSOL até o último momento”. O que tem a dizer o PSTU agora? Ainda é uma pena que ele não tenha ido para o PSTU? Ou a direção do PSTU também se adapta ao “eleitoralismo” que permite “querer” e “lutar” para ter em suas fileiras um reacionário como Daciolo, desde que “traga votos”, deixando de lado o programa, a ideologia e a tradição revolucionária?

Esta crise eleitoral e estratégica que se abre no PSOL frente a como lidar com Daciolo escancara os limites da construção de partidos que têm como norte as eleições, que renegam a independência política da classe trabalhadora – que deve se configurar em “partido próprio” da classe, sem burgueses, sem militares, sem religiosos, sem reformistas, sem oportunistas e carreiristas. O PSOL renega os partidos operários revolucionários que atuam nas eleições como um momento importante para a agitação revolucionária e para conquistar “postos” parlamentares subjugados às lutas e programa da classe operária e dos oprimidos, como o objetivo construir uma força militante na classe trabalhadora para que esta combata o capitalismo e seja porta-voz e força motora da luta contra todas as opressões e não só de seus interesses econômicos.

Os militantes do PSOL que questionam a “amplitude” de seus filiados e de seus deputados, devem avançar a questionar a estreiteza estratégica de seu partido que a cada novo sucesso eleitoral se mostra em forma cada vez mais aguda e mais distante de qualquer perspectiva anticapitalista séria.

Para superar este limites podemos nos apoiar nas experiências de nosso grupo irmão, o PTS argentino, na frente eleitoral FIT, e aprender com os exemplos históricos do marxismo e sua teoria e prática de construção de partidos de independência de classe e para a revolução socialista – combater e eliminar o estado capitalista – e não para “ganhar espaços” no regime capitalista.

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