Sábado 20 de Abril de 2024

Internacional

A Venezuela após o referendo

Chávez busca pactuar com a burguesia opositora

10 Sep 2004   |   comentários

O referendo de 15/08 foi um importante triunfo político para Chávez e uma derrota política séria para a oposição nucleada na “Coordenação Democrática” (é a terceira derrota em suas tentativas de retirar Chávez: a primeira foi o golpe de abril de 2002, a segunda o lockout patronal e petroleiro de dezembro do mesmo ano e janeiro de 2003). Significou também um revés nas pretensões do governo de Bush com relação à Venezuela.

A importante mobilização de massas, refletida nas ruas nas semanas anteriores e no comparecimento massivo às urnas, garantiu a derrota da oposição direitista. Porém, como advertimos em nossa declaração ante o referendo, quando chamávamos o “Não, crítico” (um Não ao imperialismo e à reação, que não era um Sim a Chávez), uma vez ratificado na presidência, Chávez, fortalecido pelo respaldo de 5 milhões de votos e pelo reconhecimento de seu triunfo pelo imperialismo, utiliza essa relegitimação no cargo de chefe do Estado para abrir uma negociação com a burguesia opositora e parte de seus dirigentes políticos, exortando-os a que o reconheçam como chefe do governo e aceitem a mão que ele estende, pois “neste país e neste projeto cabemos todos” .

O reconhecimento do imperialismo e a conciliação com a Fedecámaras [1]

A OEA e o Centro Carter reconheceram os resultados horas depois de que o Conselho Nacional Eleitoral os divulgou ’ ainda que Gaviria na última hora tenha deixado escapar alguma crítica- exortando a oposição a reconhecê-los. O governo Bush disse através de um porta-voz que reconhece os resultados, ainda que com reservas. Um semanário venezuelano atribui a John Maisto, ex-embaixador em Caracas e conselheiro de Condoleezza Rice, o reconhecimento de que o governo “tem respeitado nossos interesses... é assim que temos convivido com Chávez, e seguiremos convivendo com ele...” . São mostras de que o imperialismo estadunidense, em meio ao atoleiro do Iraque, às vésperas das eleições presidenciais, e após ter seus intentos de derrubar Chávez derrotados, resigna-se a conviver com este e busca uma negociação.

Chávez declarou que “com Clinton podíamos nos entender, podíamos debater... os ministros de cada país discutiam os problemas bilaterais, sem maiores contratempos” , reiterando o pedido de semana antes: “tomara que possam ser melhoradas as relações com o governo dos EUA” ; numa mensagem a uma possível administração democrata na Casa Branca.

Enquanto isso, o governo e a cúpula empresarial da Fedecámaras entregam-se a um jogo de diálogo e pressão. Ante os chamados de Chávez aos empresários, Albius Muñoz (que após retirar Juan Fernández ’ líder do lockout e residente agora em Miami - da presidência do organismo disse que se dedicaria mais a “seu papel económico” ) respondeu pedindo ao governo “um clima amigável para investir” , ainda que logo relativizou essa abertura afirmando que “não se pode chamar ao diálogo e ao mesmo tempo desqualificar a oposição, o governo não pode decidir quem é a oposição...” . Tobias Nóbrega, ministro de Finanças, declarou que “comemora a disposição dos empresários a assumir uma posição menos ativa no cenário político [ainda que] não tem nada pautado pelo momento com a Fedecámaras, porque esta, como membro da coordenação opositora, é um fator político que será considerado no momento oportuno...” , assim como que “a filosofia do governo é recolher as expectativas do setor a partir da base” , pressionando a cúpula empresarial para que se distancie da coordenação de oposição e abrindo um caminho em direção aos empresários mais abertos ao diálogo.

“Revolução na revolução” , com Cisneros e Venancham [2]?

Nas últimas semanas antes do referendo, enquanto prometia nos discursos de campanha a “revolução na revolução” e o “ aprofundamento do processo” às massas que o apóiam, o Presidente fez vários atos públicos com grupos de empresários, assumindo importantes compromissos com eles. A Assembléia Nacional aprovou a eliminação do imposto aos ativos empresariais, levantaram-se planos como um Fundo de Garantia de 52 milhões de dólares para os empresários que necessitem de empréstimos dos bancos privados, ou a devolução de impostos aos exportadores. Estas são “pontes” que o governo estende aos empresários nacionais, mas não só a eles. Na inauguração da Plataforma Deltana (de exploração de gás), entregue à multinacional ianque Chevron-Texaco, Chávez se referiu aos Estados Unidos como “sócio e aliado estratégico” e chamou a “aplaudir esta empresa, porque demonstra que confia no projeto levado adiante no país".

Nos últimos dias, já ratificado, concretizou melhor esse chamado “aos empresários, ao setor empreendedor venezuelano, a fazer uma aliança estratégica com o Estado, para enfrentar os obstáculos de agora e os que se apresentem no futuro, como deve ser” . Reconhecendo que “todo mundo sabe que me reuni com Cisneros [3], porém essa foi, digamos, a mais emblemática, eu tenho mantido outras reuniões...” , inclusive com representantes de Venamcham.

O Presidente aproveita a crise na oposição para meter uma cunha entre os setores “duros” e os mais “dialogantes” , também entre os políticos da oposição. Diz o presidente em entrevista à CNN, “eu passei estes 6 anos estendendo pontes aos dirigentes da oposição...” buscando conversar com “interlocutores válidos” da “oposição séria” e avançar na “unidade nacional” .

Chávez se acomoda melhor em seu papel de árbitro da nação

Já dissemos, “ as massas conseguem a vitória e Chávez a administra... para conciliar” . Depois do referendo, Chávez se ergue com mais autoridade como o “homem forte” capaz de governar o país, a que todas as classes e setores sociais devem reconhecer e com o qual os empresários, as transnacionais e o imperialismo devem negociar.

Enquanto abre canais de negociação com a direita empresarial e o imperialismo, sustenta-se no apoio de massas demonstrado no referendo, com discursos sobre o “aprofundamento do processo” , que “há que iniciar as mudanças estruturais” , “que não se pode deixar intacta a base económica do capitalismo, do neoliberalismo” , e que “deixaremos a vida nesse intento” , numa tentativa de reforçar seu peso entre as massas e conter os setores mais ativos ou críticos. Conta a seu favor com a melhoria da situação económica, com os fortes ingressos provenientes da renda petroleira que lhe permitem ampliar o gasto público, financiando os planos sociais em grande escala (como a Missão Bairro Adentro), e fazer algumas concessões aos setores populares que esperam uma melhoria de sua dura situação.

Até que ponto Chávez terá êxito em estabilizar de maneira duradoura sua situação está por ver-se. Sua política de conciliar com a oposição direitista, os empresários e o imperialismo só permite que estes recuperem força política para seguir pressionando e ganhar no “diálogo” o que não puderam conquistar com o golpe, o lockout nem o referendo. Ademais, alcançar acordos firmes com a direita e Washington significa frustrar as expectativas das massas operárias e populares que vivem um nível de politização e mobilização importante e que seguramente pressionarão pela satisfação de suas demandas.

Pela organização e mobilização independente dos trabalhadores

A derrota definitiva da reação burguesa só poderá ser obtida mediante a mobilização e está intimamente ligada à satisfação das demandas operárias e populares. Não há razão alguma para postergar a luta por salário, emprego, terra, moradia e contra os latifundiários, empresários e os interesses imperialistas que afundam o país, enquanto o governo negocia com estes e lhes faz concessões de todo tipo.

É necessária a realização de encontros e congressos regionais e nacionais de trabalhadores, nos quais debater um posição operária ante a situação nacional, para discutir como ir até o final na luta contra a oligarquia e o imperialismo, pelas demandas fundamentais dos trabalhadores e do povo humilde e por um Plano Nacional de Luta para impor essas demandas.

Os trotskistas estivemos junto às massas, contra o golpe de abril e o lockout patronal, e nesta ocasião chamamos a votar criticamente NÃO no referendo, sem dar em nenhum momento apoio político a Chávez e lutando por uma política operária independente. Hoje este combate é ainda mais urgente, para reagrupar a vanguarda em torno a uma alternativa de classe, politicamente independente do chavismo, quer dizer, uma oposição operária revolucionária, que tenha como base um programa de luta conseqüente contra a reação e pelas demandas dos trabalhadores venezuelanos, contra o imperialismo e a burguesia venezuelana em seu conjunto. É nesta luta que se poderá sentar as bases de um genuíno partido revolucionário dos trabalhadores, socialista e internacionalista.

Mario López é membro da JIR –Juventud de Izquierda Revolucionaria, da Venezuela.

[1Federação de Câmaras empresariais e afins, é a principal cúpula empresarial do país.

[2Câmara de comércio e negócios entre a Venezuela e os Estados Unidos

[3Um dos mais destacados burgueses do país, com negócios na América Latina e nos EUA, dono da Venevisión, uma das principais redes televisoras opositoras, e amigo pessoal de Bush pai.

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