Sexta 19 de Abril de 2024

Movimento Operário

MARXISMO E MOVIMENTO OPERÁRIO

Carta aos trabalhadores da Superintendência de Assistência Social (SAS) sobre meu retorno ao trabalho

29 May 2013   |   comentários

NOVA SEÇÃO DO JORNAL PALAVRA OPERÁRIA
MARXISMO E MOVIMENTO OPERÁRIO

Inauguramos nesta edição do Jornal Palavra Operária uma nova seção dedicada à formação teórica dos trabalhadores e dos militantes que atuam diretamente no movimento operário, partindo de recuperar as ferramentas teóricas do marxismo e resgatar a tradição dos revolucionários. Muitas das concepções que hoje guiam nossa atuação no movimento operário e nos sindicatos dizem respeito a sínteses da experiência viva da classe operária em fusão com o marxismo revolucionário. Os métodos de organização e democracia operária nos sindicatos, o programa de independência de classe e unidade das fileiras operárias que foram fragmentadas por décadas de ataques neoliberais, a denúncia e combate à burocracia sindical e demais agentes da burguesia no movimento operário, a análise marxista da exploração capitalista, o conteúdo internacionalista da luta de classes, são todas premissas necessárias para uma intervenção revolucionária no movimento operário e sindical. Resgatando os fundamentos destas idéias é que queremos inaugurar esta seção criando um espaço para expressar lições que buscamos tirar de nossa intervenção a partir de distintas categorias e agrupações que impulsionamos junto a trabalhadores independentes em especial como minoria na direção do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp), que consideramos que podem ser debates que contribuam à vanguarda operária e estudantil de nosso país.

O tema que escolhemos para inaugurar a seção é um aspecto importante do programa dos revolucionários em relação à luta contra a burocratização dos dirigentes sindicais mesmo nos sindicatos considerados combativos e classistas. Pois se por um lado partimos da necessidade vital que a classe operária tem de varrer dos sindicatos a burocracia sindical traidora e patronal, que infesta a ampla maioria das organizações operárias em “tempos de paz” (ou seja, na ausência de revolução ou ascenso operário), por outro lado também consideramos que no interior dos próprios sindicatos que realmente defendem os trabalhadores é necessário lutar por uma prática política – e por isso também um programa – que combata as pressões materiais que levam à burocratização dos dirigentes sindicais. Como minoria da diretoria do Sintusp e como minoria na CSP-Conlutas, encaramos a luta contra a burocratização dos sindicatos como uma das tarefas prioritárias dos trabalhadores classistas e revolucionários hoje, indissociável de todas as demais. Por isso, reproduzimos abaixo trechos da carta de Marcello “Pablito”, diretor do Sintusp e dirigente da LER-QI, sobre seu retorno ao trabalho após 2 anos como diretor liberado e os fundamentos desta decisão política.

Carta aos trabalhadores da Superintendência de Assistência Social (SAS) sobre meu retorno ao trabalho

Em 2008 ingressei como auxiliar de cozinha na SAS (ex-COSEAS). Ao longo destes anos trabalhei em vários restaurantes desta unidade e, como membro da CIPA no Restaurante Central, pude conhecer mais de perto as péssimas condições de trabalho, o assédio moral e o ritmo alucinante ao qual estão submetidos os trabalhadores e trabalhadoras dos Restaurantes da USP. Também por sempre ter atuado ao lado da classe trabalhadora, na USP não foi diferente e rapidamente me somei às lutas encabeçadas por trabalhadores, estudantes e professores da Universidade, atuando junto ao Sindicato dos Trabalhadores da USP, do qual hoje sou Diretor. Como já sabemos, na SAS a resposta às nossas reivindicações mais mínimas se dão através de distintas formas de represálias, tais como a transferência arbitrária, advertências etc. No meu caso, se somava uma clara perseguição política e atitude anti-sindical, e foi desta forma que fui obrigado a deixar o Restaurante Central para trabalhar na Escola de Enfermagem e Faculdade de Saúde Pública, onde, apesar do esforço contrário de minhas chefias imediatas, fiz amigos e companheiros de trabalho e de luta.

Quando em 2010 fui eleito pelos trabalhadores da USP para junto à Chapa 1 – Sempre na Luta / Um Sindicato para fazer a diferença na luta de classes integrar a Diretoria do Sintusp, fui votado para compor a Executiva da Diretoria. Portanto, passei a ser o que chamamos de diretor liberado, me afastando do trabalho na Escola de Enfermagem. Em nosso estatuto, definimos que “O mandato dos membros da Diretoria Colegiada Plena será de 3 (três) anos, baseando-se no principio da rotatividade, em que todo dirigente deve voltar ao seu posto de trabalho. Os membros que estiveram liberados poderão ser reeleitos, porém no mandato seguinte não poderão integrar a diretoria executiva permanentemente, salvo exceções avaliadas pela diretoria e referendadas por uma Assembleia da categoria”. Legalmente há a disposição permitindo que, dentre a Diretoria Colegiada Plena haja 7 diretores liberados, ou seja, diretores eleitos que estarão afastados do seu local de trabalho e cumprirão a sua mesma carga horária ganhando o mesmo salário que antes, só que diretamente no Sindicato. Durante os últimos dois anos eu fui um dos diretores liberados do Sintusp, e desde o começo deste ano decidi retornar ao meu local de trabalho, e esta carta que escrevo é uma forma de fundamentar esta decisão e abrir um debate na categoria e no próprio Sindicato.

A burocracia sindical e a questão dos privilégios materiais

Em primeiro lugar é preciso dizer que na USP temos um Sindicato que tem uma história de luta combativa e classista, um sindicato que busca defender os trabalhadores contra todos os patrões, os governos e suas instituições estatais, e que, inclusive, busca romper com a pressão “corporativista” e defender os interesses da maioria da população oprimida e explorada. Mas o movimento sindical brasileiro é muito mais amplo, e a maioria dos sindicatos é dirigida pelo que chamamos de “burocracia sindical”, ou seja, gente que entrou nos organismos dos sindicatos para obter privilégios materiais defendendo o interesse dos patrões, assim como temos visto na CUT, Força Sindical, CTB e outras centrais sindicais governistas! Às vezes essas direções sindicais têm um discurso que parece em nossa defesa. Pelo fato de que em nosso país uma grande camada da classe operária deposita ainda muita confiança e esperança no ex-presidente Lula e em seu governo, acaba-se deixando de ver que muitas dessas direções sindicais ligadas ao governo foram e continuam sendo colaboradores da implementação de ataques e retiradas de direitos dos trabalhadores.

Em um país como o Brasil, o peso dessas direções sindicais se expressa também no fato de que daí saíram grandes figuras políticas nacionais, que foram fazer “carreira” política – viraram políticos patronais, defensores da burguesia e do Estado capitalista –, como o próprio ex-presidente Lula, mas também Paulinho da Força (Sindical), Vicentinho, Gushiken, Berzoini. Estas figuras estiveram a serviço do que chamamos de “política de colaboração de classes”, ou seja, de dizer para os trabalhadores que é necessário haver uma “parceria” entre operários e patrões para melhorar a competitividade e o crescimento do país. Obviamente, nesta “colaboração” a classe dominante (composta pelos empresários, banqueiros e demais capitalistas) são os únicos beneficiados, à custa da exploração dos trabalhadores. Em troca destes acordos, o governo assegura aos sindicatos arrecadações milionárias através do repasse do Imposto Sindical, um imposto que arrecada milhões de reais a partir do desconto obrigatório de um dia de trabalho de todos os trabalhadores. Só para ter uma ideia, no ano passado as cinco centrais sindicais do país receberam R$ 141,7 milhões em repasses do imposto sindical.

Tudo isso nos ajuda a entender por que nestes sindicatos traidores muitos dirigentes sindicais se mantêm tanto tempo agarrados aos aparatos sindicais sem retornar ao trabalho e aproveitando dos seus cargos nos sindicatos para promover os seus interesses e privilégios particulares. Por isso, a luta da classe trabalhadora como um todo passa por superar estas direções traidoras e lutar para retomar o conjunto dos sindicatos como uma ferramenta de luta dos trabalhadores. O Sintusp, ao contrário de todos estes sindicatos e centrais sindicais, é em primeiro lugar um sindicato que luta contra a exploração capitalista e por isso é um Sindicato anti-governista, ou seja, que se coloca contrário a este governo que mantém a sociedade como ela é a serviço dos interesses dos patrões e empresários. Por defender estas posições o Sintusp é um sindicato enormemente atacado através da ofensiva repressiva da Reitoria e do governo do Estado com processos administrativos, criminais a todos os seus diretores e inclusive a demissão politica de Brandão.

O “descolamento” dos dirigentes com relação à base é uma pressão material a ser combatida

Mas ainda que sejamos um Sindicato combativo, o Sintusp também está sujeito às pressões de “burocratização” de seus dirigentes sindicais, ou seja, a pressão de que mesmo levantando um programa de unidade dos trabalhadores e atuando nas lutas, nossos dirigentes sindicais, em especial os que estão liberados, se “descolem” da base dos trabalhadores, e acabem por se acomodar nesta condição. Em primeiro lugar, ao contrário da “colaboração de classes” levada adiante pelos sindicalistas burocráticos e traidores, nós defendemos a plena “independência de classe” do Sintusp (e de todos os sindicatos) em relação ao Estado e suas instituições (leis antioperárias, antipopulares e discriminatórias, justiça, órgãos de repressão, partidos patronais, governos, parlamento etc.), por isso somos historicamente contrários à cobrança do Imposto Sindical e mantemos as atividades do Sintusp exclusivamente a partir da filiação voluntária dos trabalhadores. Esta é uma premissa fundamental contra a burocratização de um Sindicato.

Ao mesmo tempo, exigimos a mais ampla democracia operária nos Sindicatos, por isso além da Diretoria do Sindicato organizamos o Conselho Diretor de Base com diretores eleitos por unidades e organizamos o Comando de Greve com delegados eleitos em meio a processos de luta. As assembléias e as reuniões de unidade são soberanas e devem ser os espaços máximos de deliberação democrática dos trabalhadores. Mesmo com estes exemplos que consideramos que são mecanismos avançados de democracia operária, consideramos que é possível avançar principalmente no que diz respeito a organização daqueles trabalhadores que não estão representados por Sindicatos (os temporários e informais) e até mesmo os que estão representados por Sindicatos burocráticos mas buscam referência em outros Sindicatos combativos (como foi o caso do Sintusp em relação às lutas de trabalhadores terceirizados, em especial nossas colegas da limpeza). Hoje o Sintusp possibilita que qualquer trabalhador terceirizado se filie ao nosso Sindicato, mesmo que do ponto de vista da “legalidade burguesa” não os representemos, bem como em nosso estatuto defendemos a incorporação de todos os terceirizados sem necessidade de concurso público, com a garantia de condições dignas de trabalho e salários para todos.

A estas premissas fundamentais deve se combinar medidas que impeçam que os dirigentes sindicais liberados se acomodem em uma posição que por si só lhes traz um privilégio: não trabalhar, não sofrer a pressão e o assédio das chefias, nem o sofrimento das condições extenuantes de trabalho.

O dirigente sindical liberado não está trabalhando em sua unidade, e por isso mesmo possui uma margem de atuação mais ampla para cumprir diversas tarefas em defesa das lutas e da organização dos trabalhadores, nesse sentido a “liberação” tem um papel positivo durante um período determinado. Mas o fato de não estar submetido à exploração da sua força de trabalho o coloca em condição de privilégio neste terreno algo que, ao se perpetuar no tempo, pode levar a uma condição de acomodação e diferenciação com os outros trabalhadores. Por isso, a condição de dirigente liberado no Sindicato deve partir do principio da “rotatividade”, como está em nosso estatuto. Também porque o problema da burocratização não diz respeito à índole individual ou ao “bom senso” dos dirigentes sindicais, mas tem sua origem nas pressões materiais concretas (não trabalhar do ponto de vista da “exploração capitalista”) que dão a estes uma condição privilegiada em relação aos trabalhadores. Muitos companheiros talvez achem essa uma visão exagerada do problema, mas aqui vale a pena recordar a velha lição deixada por Karl Marx, de que “é a existência que determina a consciência”. Não ver esse problema em toda a sua dimensão material mais profunda e concreta contribuiu para que grande parte dos próprios sindicatos dirigidos por setores da esquerda acabasse desenvolvendo diversos elementos de degeneração burocrática.

Por todas estas questões, e como parte da luta que venho travando em defesa de sindicatos sem burocratas, patrões e governos, foi que decidi junto com os companheiros Claudionor Brandão, Diana Assunção e Domenico Colacicco, que partilham das mesmas idéias e integram comigo a ala de minoria na Diretoria do Sintusp e a LER-QI (uma corrente política que luta pelo fim do capitalismo e da exploração dos trabalhadores), retornar ao trabalho na SAS como auxiliar de cozinha. Reivindico as resoluções do Congresso Estatutário do Sintusp que definiram que um diretor liberado pode ser reeleito mas não pode compor novamente a Executiva no segundo mandato, e considero que o Estatuto deveria avançar para definir o limite de dois mandatos para reeleição na Diretoria do Sindicato, também como forma de renovação dos órgãos dirigentes. Para além disso, considero ser necessário avançar para a rotatividade entre os próprios dirigentes liberados dentro do mandato de 3 anos, como parte deste combate permanente à burocratização.

Em virtude da ofensiva repressiva da Reitoria, alguns companheiros de trabalho e do próprio Sindicato argumentaram que com meu retorno ao trabalho estaria mais exposto ao assédio moral das chefias que tentariam se aproveitar do processo administrativo que já sofremos para tentar avançar em minha futura demissão. No entanto, é necessário esclarecer em primeiro lugar que, este é um risco que se coloca não apenas a mim, mas a qualquer lutador estando ou não na diretoria do sindicato. A resposta ao assédio, e à ofensiva repressiva da reitoria (e dos patrões) não poderá ser combatida nos apoiando apenas na suposta estabilidade constitucional dos dirigentes sindicais (o que significaria crer que a patronal seria “pacífica” com lutadores e sindicalistas combativos, classistas e revolucionários), uma vez que, em casos anteriores, mesmo com a suposta estabilidade de dirigente sindical Brandão foi arbitrariamente demitido, o que deve servir para entendermos que a defesa dos lutadores e a verdadeira força dos sindicatos devem partir em primeiro lugar da organização e a união dos trabalhadores a partir de seu local de trabalho e que a força de nossa classe não reside individualmente nos dirigentes sindicais ou ainda em quantos dirigentes sindicais temos liberados.

A partir desta decisão, venho tomando medidas desde o ano passado para retornar ao trabalho, uma vez que já havia cumprido 2 anos de mandato afastado do trabalho. Finalmente, a partir de reunião realizada no dia 10/04/2013 com a Superintendência da SAS ficou acordado retomar minhas atividades no Restaurante da Física. Apesar de ter enviado ofício à Reitoria solicitando meu retorno ao trabalho já há algum tempo, somente esta semana tive a notícia de que foi publicado no Diário Oficial do dia 23/05, despacho da reitoria em que determina meu retorno a partir de 10/05, o que somente fui notificado no dia 29/05 pelo Departamento de Pessoal da SAS. Neste mesmo dia a Diretoria da Divisão de Alimentação da SAS me informou que, ao contrário do que havia sido acordado anteriormente onde ficou definido que cumpriria minha jornada das 7h às 16h, deverei cumprir o horário das 11h às 20h. Assim, retomarei minhas atividades no Restaurante da Física a partir do dia 03/06 no referido horário e protocolei uma notificação de ambas questões junto à Superintendência para esclarecimentos posteriores.

Reafirmo aqui que esta decisão não é uma posição individual, é o resultado prático de um programa e de uma prática que nós da LER-QI viemos levando adiante como minoria da Diretoria do Sintusp. É em respeito aos meus companheiros de trabalho que, acompanharam em grande medida esta trajetória, e no intuito de contribuir e pôr em prática as ideias que defendemos para contribuir na formação de uma vanguarda classista e combativa, bem como abrir este debate com os companheiros do “Coletivo Piqueteiros e Lutadores” que compõem majoritariamente a Diretoria do Sintusp, que venho por meio desta carta expor publicamente aos meus companheiros de trabalho os motivos pelos quais decidi retornar ao trabalho, enquanto sigo na diretoria do Sintusp e na luta dos trabalhadores.

Volto ao trabalho para fortalecer nosso sindicato e para estar ao lado dos meus companheiros da SAS consciente de que somente no interior da classe trabalhadora poderemos encontrar as forças e motivações elevadas para seguir lutando contra a exploração e opressão capitalista, confiante de que, lado a lado, seremos ainda mais fortes e imbatíveis no objetivo de construir uma sociedade sem explorados nem exploradores, sem opressão, guerras e catástrofes.

Marcello “Pablito” – Trabalhador da SAS e membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da USP

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