Sexta 19 de Abril de 2024

Movimento Operário

Argentina

Bruckman: triunfo operário

14 Nov 2003   |   comentários

A Legislatura de Buenos Aires finalmente votou a expropriação da fábrica têxtil Brukman. Este triunfo, com os limites que assinalaremos mais abaixo, corres-ponde inteiramente à luta das operárias de Brukman e de quem as apoiaram. É importante que toda a vanguarda operária e popular tire lições desta luta tenaz, cujo resultado se estende para além das próprias operárias de Brukman. Acontece que o imenso apoio e solidariedade às trabalhadoras, que ultrapassou as fronteiras e percorreu vários países, desatou antagonicamente uma quantidade de inimigos que cruzou transversalmente os pilares fundamentais do Estado, a saber: a polícia (cujo empenho repressivo custou ao Estado um milhão e quinhentos mil pesos para manter uma guarda armada permanente durante 6 meses na porta da fábrica); a justiça em todos os seus fóruns e finalmente os políticos e funcionários dos partidos majoritários. Mas o que define este triunfo como uma vitória contra a corrente é que paralelamente à persistente resistência de seis meses se desenvolveu na cidade e em nível nacional um contexto no qual primou o apaziguamento dos setores populares que depositaram suas aspirações no novo governo de Kirchner. Muito diferente dos tempos anteriores, onde a grande maioria da população se incediava contra os políticos do regime e esgrimia a ação direta para concretizar seus objetivos.

Justamente Brukman foi o emblema e componente operário daquele processo aberto no 19 e 20 de dezembro de 2001, com seu programa de unidade de empregados e desempregados e de ocupação das fábricas fechadas pela patronal, postas em produção, exigindo a estatização sob gestão operária, o que explica a negativa enfática da justiça e dos políticos em reconhecer os direitos das operárias. Numa tentativa de apagar todo sinal que mantenha a imagem latente daquele convulsionado processo, o governo da cidade de Buenos Aires e do país pressionaram para que as operária baixassem os braços e aceitassem um micro-emprendimento (um galpão municipal com máquinas em desuso “cedidas” pela patronal). Mas a tenacidade das operárias conseguiu superar as armadilhas. Num país com porcentagens alarmantes de desemprego a causa Brukman e a luta pela fonte de trabalho nivelou a queda de braço que com astúcia e luta as operárias ganharam. A Carpa (acampamento) de resistência deu conta destas mudanças operadas na situação do país e se transformou em uma escola de aprendizagem política para a luta. Não estamos, então, diante de um avanço de caráter corporativo. Ao contrário, em vista dos atores e fatores que estiveram em jogo, estamos perante um triunfo de caráter político.

Uma luta exemplar

A massiva vigília da Semana Santa, cuja cobertura na mídia permitiu que o país inteiro seguisse os acontecimentos, foi uma magnífica amostra do que seria um plano de luta que, mesmo que com seus altos e baixos, persistiu na ação e na lógica das trabalhadoras de Brukman. Várias imagens ficaram na história desta luta: a coragem e a valentia para retirar as barreiras e enfrentar a salvagem repressão do 21 de abril; os maquinazos solidários com os inundados de Santa Fé ou o ato unitário do Primeiro de Maio nas portas da fábrica, cujo encerramento na Plaza de Mayo esteve a cargo das operárias. São todos uma pequena mostra das diversas iniciativas de luta empreendidas junto ao Fundo de Greve, que ultrapassou as fronteiras e permitiu manter o movimento, evitando quebrar a luta pela fome.

As ações comuns com diferentes organizações piqueteiras foram parte de uma unidade selada na luta mas também de uma perspectiva estratégica. Também devemos destacar a fraternidade estabelecida com os movimentos feministas e o compromisso, por sua condição de serem duplamente oprimidas, com os direitos da mulher. Também não é casual que em vistas do processo revolucionário na Bolívia, as organizações da comunidade boliviana tenham apelado às trabalhadoras de Brukman como plataforma para organizar as massivas mobilizações da comunidade em Buenos Aires. O critério com o qual se levaram adiante todas as iniciativas foi de uma clara amplitude, questão indispensável para reconquistar a fábrica: começando pela conformação unitária da comissão de advogados integrada pelo CEPRODH [1], advogadas do Polo Obrero, CUBA y CCC; as massivas reuniões de apoio que contaram com a participação das organizações políticas, sociais e de direitos humanos. A presença constante dos operários ceramistas de Zanon, o chamado às personalidades como Miguel Bonasso e Luiz Zamora e aos diferentes movimentos de fábricas recuperadas, que levou a que no último mês se fizessem presente Luis Caro, presidente do Movimento Nacional de Fábricas Recuperadas, incorporando-se à comissão de advogados.

A lei de expropriação: os limites do triunfo

Devemos analisar seriamente os alcances da lei. Além dos limites que vínhamos denunciando nas demais expropriações (o caráter temporário da concessão do imóvel e a falta de subsídios não reintegráveis por parte do Estado, etc), agrega-se um nefasto Artigo 8, pelo qual a cooperativa deveria aceitar a entrada dos ex-trabalhadores na fábrica, em iguais condições. Isto significa uma tentativa para que retornem os pelegos, agentes pagos da patronal que figuram como ex-trabalhadores, que boicotaram abertamente a luta das operárias, chegando a se enfrentar fisicamente com elas nos desalojamentos e nas tentativas de reingressar à fábrica, protegidos pela polícia de Giacommino; os que são denunciantes na causa e que podem terminar processando os companheiros que estiveram desde o princípio na luta; os que têm aparecido na imprensa junto ao apoderado da patronal Jaime Muscat.

Como corretamente denunciaram os legisladores da esquerda na sessão, e com especial ênfase o deputado Altamira, estamos frente a uma ingerência sem precedentes do Estado patronal. A reivindicação que faz o Artigo 8 para estes fura-greves é uma clara tentativa de diluir e degradar a combatividade e independência das trabalhadoras de Brukman. Não pode escapar da análise que esta manobra é também uma derivação da política cooperativista orquestrada pelo governo de Kirchner e de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, cujo conteúdo foi esboçado no encontro de Rosário organizado pelo MNER de Murúa. Estamos então perante um operativo de cooptação e controle do fenómeno de ocupação de fábricas que proliferou nos últimos dois anos.

O papel de Luis Caro, que se fez presente só a partir do conflito de 23 de setembro com a iminente quebra da empresa, após um ano e meio de luta, foi divisionista, ao evitar o reconhecimento do persistente trabalho da comissão de advogadas, dizendo que a luta empreendida havia sido em vão.

Apostamos que as trabalhadoras de Brukman, fortalecidas pelo reingresso à fábrica, saberão enfrentar esta nova manobra reacionária do Estado e seus políticos, continuando o caminho de luta empreendido.

Nosso orgulho

Desde o Partido de Trabajadores por el Socialismo, PTS [2], apoiamos e colaboramos com as fábricas ocupadas, reivindicando a estatização sob controle operário não somente por ser a mais concreta e efetiva saída para a vida material dos trabalhadores que ocupam as fábricas, mas porque esta reivindicação aponta para que os trabalhadores não arquem com os custos das empresas falidas auto-explorando-se. Apostamos em uma perspectiva que resolva as necessidades sociais, combinando reivindicações como o plano de obras públicas e a distribuição das horas de trabalho para unir numa mesma luta os empregados e os desempregados, combatendo a anarquia do país burguês. A chave é mostrar a necessidade da planificação económica controlada pelos trabalhadores num sentido claramente anticapitalista, de luta pelo poder para os trabalhadores. É também uma via para que setores de trabalhadores se reconheçam como classe, conscientemente, e encarem a luta de forma independente do Estado e dos partidos patronais. Esta estratégia não implica negar a possibilidade de ter que aceitar, pela relação de força em determinado momento, a figura da cooperativa tal qual aconselhamos as trabalhadoras de Brukman em outubro de 2002 quando se abriram à variante legal de cooperativa e entre outros pontos exigiram a expropriação definitiva do imóvel e das máquinas, além de subsídios à produção. É por apelar à luta independente que Brukman e Zanon são hoje fábricas reconhecidas nacional e internacionalmente.

Por tudo isto, seguindo o caminho de independência dos trabalhadores, impulsionamos um Congresso Nacional e Unitário de todas as fábricas recuperadas onde os trabalhadores puderam discutir democraticamente que passos devemos dar para avançar. Um encontro com as bases de trabalhadores que dirigem as fábricas, e dirigido pelos trabalhadores, independente dos funcionários e políticos do Estado.

O PTS se aproximou da fábrica Brukman no importante dia 21 de dezembro de 2001. Nossa opção e decisão de colaborar para que setores da classe operária avancem na sua independência do Estado e dos partidos patronais é clara e contundente. Nestes mais de 6 meses desde o desalojamento temos priorizado, sem hesitar e respeitando sempre a decisão dos trabalhadores, a luta pela recuperação da fábrica: fomentamos e militamos pelo fundo de greve, participamos absolutamente de todas as ações levadas à frente. Estamos orgulhosos de haver contribuído com nossas modestas forças para escrever uma página na história das lutas operárias do nosso país.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos.

[2PTS: Partido irmão de nossa organização e integrante da Fração Trotskista-Estratégia Internacional.

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