Quarta 24 de Abril de 2024

Movimento Operário

Argentina

Bruckman e Zanon: dois grandes exemplos para a classe operária brasileira

11 May 2003   |   comentários

Triunfo na Cerâmicas Zanon

Ao mesmo tempo em que o regime burguês argentino se preparava para as eleições presidenciais como manobra para recuperar alguma legitimidade, tentou atacar diretamente a vanguarda nos dois grandes bastiões da resistência operária. Em menos de quinze dias, às vésperas das eleições, foram realizadas as duas mais ousadas tentativas de desalojar as fábricas ocupadas produzindo sob controle operário. A burguesia procura liquidar as tendências revolucionárias que se desenvolveram após as jornadas de 19 e 20 de dezembro de 2001, ou deixá-las pelo menos reduzidas a sua mínima expressão. Não tem conseguido.

Em Zanon, maior símbolo da força que a classe operária argentina ainda possui, o governo provincial (estadual) teve que retroceder. Em Bruckman as forças policiais conseguiram recuperar a fábrica ’ mas a situação política criada, com a mobilização de milhares e milhares em frente à fábrica reivindicando a devolução aos trabalhadores, pode converter-se numa derrota política para o regime ao aumentar o nível de polarização social.

Grande Façanha Operária e Popular em defesa de Zanon

Os operários ceramistas de Zanon, fábrica tomada e posta em produção pelos trabalhadores faz um ano e meio, conseguiram derrotar a terceira tentativa de despejo. A cerâmica não só é a maior fábrica da província ’ Neuquen, no sul da Argentina ’ como se converteu num emblema das fábricas ocupadas nesse país e já é conhecida internacionalmente. Apenas por isso já seria um exemplo a seguir.

Porém, o 8 de abril foi uma jornada histórica em Neuquen. “Com o respaldo de diferentes organizações sociais e cidadãos comuns, que se traduziu numa multitudinária convocatória nas portas da fábrica, os ceramistas que ocuparam e puseram em produção a Zanon não permitiram que o interventor designado pelo juiz portenho Germán Páez Castañeda tomasse possessão de seu cargo” . Assim descreveu o diário oficialista La Mañana del Sur do dia seguinte.

Nesse dia a justiça havia autorizado os síndicos (interventores) a tomar possessão da fábrica “inclusive com auxílio da força pública” , o que significava a possibilidade de um despejo violento. Quase 3000 pessoas se congregaram na Cerâmica Zanon, como um grande escudo humano, para enfrentar junto aos ceramistas o intento de despejo.

O governo não se animou a dispor da polícia para a ação que a justiça man-datava. Diante isso, às 14 hs, os inter-ventores derrotados se retiraram e a tensão deu lugar à alegria.

Na ação de 8 de abril, planejada com outros grêmios e movimentos de desocupados, se viu a capacidade da classe operária quando se autodetermina e supera a barreira que lhe impõem as direções burocráticas.

Nos dias prévios a província estava convulsionada pelo tema. É que pela primeira vez era uma juíza de Neuquen, que ordenava o despejo. Com isso, abriu-se o debate na sociedade neu-quina: Devia prevalecer o direito à propriedade privada da patronal de Zanon ou o direito aos trabalhadores para poder comer e viver em um país destroçado pela desocupação?

A patronal, a justiça e o governo se faziam bloco na defesa dos interesses capitalistas, e propagandeavam isso por rádio, TV e jornais. Porém os ceramistas foram ampliando dia a dia seu apoio operário e popular, e conseguiram até o respaldo do bispo Melani.

A jornada do 8 de abril foi histórica não só porque se derrotou de forma contundente uma nova tentativa de despejo, mas porque foi um grande pronunciamento popular, baseado numa paralisação ativa de docentes e funcionários estatais, que defendeu o questionamento ao direito burguês iniciado pelos ceramistas: um enfrentamento político com o governo e sua justiça (e se fosse o caso, com sua polícia). Se reprimissem poderia desatar-se um grande levante popular. Uma mostra de que, nos protagonistas desta façanha, seguem vivas as jornadas revolucionarias de dezembro de 2001.

Assim triunfaram

Os ceramistas não esperaram saber dia e hora do intento de “toma de possessão” dos síndicos para preparar a defesa da fábrica. Não houve improvisação nem ingenuidade da parte dos operários de Zanon. Além da habitual guarda ceramista, reforçada há algum tempo com um grupo de companheiros do MTD, no III Encontro de Fábricas Ocupadas que se realizou em Rosário no dia 15 de março foi lançado o alerta e depois o ex-Supermercado Tigre convocou um ato de apoio a Zanon. Por sua vez na Comissão Nacional de defesa das Fábricas Ocupadas que funciona na sede das Madres da Plaza de Mayo se preparou uma grande jornada e caravana para o sábado, 29 de março, a Neuquen. Viajaram 17 Madres da Plaza de Mayo encabeçadas por Hebe de Bonafini e numerosas personalidades; a imprensa noticiou que houve 1500 pessoas naquela jornada em Zanon.

Naquele dia “num fato inédito na história recente da classe operária argentina, os ceramistas numa grande rodada com todas as organizações presentes, abriram o debate para que todo o mundo opinasse sobre o conflito, aportasse suas idéias e propusesse medidas para seguir adiante” .

Quando se confirmou que seria no dia 8 a apresentação dos síndicos para tomar possessão do cargo se definiu convocar à paralisação ativa como havia proposto a CTA, e concentrar-se desde cedo na porta da Cerâmica Zanon. O governo, a justiça e a patronal estavam cada vez mais isolados, os ceramistas ampliavam cada vez mais seu leque de solidariedade. Primeira lição: prepararam com antecedência a defesa da fábrica.

O governo sentiu o golpe, e por isso às 13 hs do mesmo dia, com a impressionante demonstração de força e apoio popular o governador em pessoa declarou:

“Não vamos efetuar nenhum despejo que ponha em perigo a vida das pessoas” e opinou que Zanon “não é um fato judicial, e sim um fato ”˜político”™” .

A tentativa de desalojar os trabalhadores havia sido derrotada, o governo pela primeira vez falava em preservar todos os postos de trabalho. A rua havia desequilibrado a balança...

Por sua vez, na Capital Federal, convocado pela Comissão Nacional em defesa das fábricas ocupadas, realizou-se um importante ato frente à Casa de Neuquen.

Segunda lição: apelaram a múltiplas medidas para defender sua gestão operária e só confiaram em suas próprias forças e nas de seus aliados.

Frente única operária

Desde sempre os ceramistas buscaram a unidade. Por isso fundaram faz mais de dois anos a Coordenadora de Alto Valle, um organismo de coordenação de toda a região baseado na democracia operária. Mas nem os ceramistas nem a Coordenadora tiveram uma atitude estreita de unir-se apenas com quem mais coincidem. Ante a crise política que envolveu o governador e mantendo uma política independente frente ao estado lograram ampliar a frente para reclamar “que se vaya Sobisch” e “que se vayan todos” e algo similar se deu ante a guerra imperialista no Iraque com três marchas unitárias. Na reunião de balanço que se realizou na sede do sindicato judicial ficou claro que o enorme operativo solidário era uma grande conquista, cujo mérito era dos ceramistas que haviam sabido forjar essa unidade. Uma vez mais demonstraram seu espírito amplo, o mesmo que os levou a incorporar desocupados de cinco movimentos distintos para que entrassem a trabalhar na fábrica. Terceira lição: a luta pela frente única operária é a única garantia de ampliar a base de apoio, sem ter que rebaixar o programa ou a proposta pela qual se luta.

No ato que se fez após o triunfo dos trabalhadores e de todos os que os apoiaram, o principal dirigente dos ceramistas de Zanon e dirigente nacional do PTS, Raul Godoy, falou: “Esta fábrica tem que ser posta a serviço da comunidade porque é o justo, é o que cabe... Estamos realmente orgulhosos de todos os operários de Zanon que decidiram em assembléia resistir, não dar um passo atrás. Creio que o que começamos a colher hoje é o trabalho de um ano e meio, indo sala por sala, casa por casa. Não há fábrica que ande bem quando metade da população vive abaixo da linha da pobreza. É impossível. Nós não nos esquecemos disso nunca, como nunca nos esqueceremos o que foi a ação de hoje... Isso é trabalho, esforço. Começamos a colher parte desses frutos. Eu quero, companheiros, que levemos o compromisso daqui, tomar o compromisso de cada operário de Zanon, de cada docente que agarrou a mochila e repartiu panfletos ou recolheu assinaturas em solidariedade. A partir de hoje esta página que viramos temos que ir por mais, temos que ir pela solução definitiva, nós temos um projeto e um plano...”

Esse plano de que fala Godoy é um plano de luta e de saída operário para a crise. Os operários de Zanon e as forças que os apóiam lançaram uma campanha na população de Neuquen que se propõe chegar a 50.000 assinaturas para respaldar sua proposta de estatização sob seu controle da fábrica de cerâmica. Um projeto de lei de expropriação-estatização foi apresentado na legislatura. Exigem que assim a fábrica seja posta a serviço de um plano de obras públicas para a comunidade e dar trabalho genuíno a milhares de desocupados.

Que Zanon passe às mãos do estado e seja administrada diretamente pelos trabalhadores prestando contas de forma permanente à comunidade. A fábrica, como dizem os companheiros, é do povo e tem que ser posta a serviço da comunidade.

A luta de Zanon mostra, em pequena escala ainda, qual é a potencialidade da classe operária. Um punhado de operários industriais pode demonstrar que as fábricas podem ser arrancadas do capital, da sede de acumulação de lucros dos patrões.

Que uma fábrica assim pode ser posta a serviço do povo por seus trabalhadores e, então, pode conquistar o apoio de outros trabalhadores e setores do povo. Isto é política e está certo que seja assim. É uma perspectiva política que permite pensar em uma sociedade sem exploradores nem explorados.

A batalha por Bruckman

Poucos dias depois do enorme triunfo em Zanon, um novo ataque foi desferido contra um dos setores mais avançados da vanguarda que se consolidou a partir das jornadas revolucionárias de 2001. Desta vez o alvo era Bruckman e, ao contrário de Zanon, não havia qualquer documento público que avisasse previamente da ordem de desalojar. Com uma substituição de juízes na calada da noite, uma nova ordem judicial secreta e um impressionante operativo policial Bruckman acordou no dia 21 de abril invadida pela forças repressoras do regime, em plena semana santa. Com cerca de 450 policiais contra uma resistência de quatro ou cinco companheiros que faziam a guarda da fábrica, conseguiu-se desalojar os trabalhadores. Imediatamente foi organizada uma ampla rede de solidariedade e em poucas horas já havia milhares de pessoas se manifestando na porta da fábrica pela devolução desta aos trabalhadores.

A brutal repressão aos mais de 7.000 manifestantes que aí estavam no dia 21, por parte da polícia federal, instituição que assassinou quase uma dezena de companheiros nos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, foi repudiada pela maioria da população.

Após a repressão, as 2500 pessoas que marcharam até as delegacias para liberar os detidos eram saudadas massivamente das varandas com panelaços. Os manifestantes responderam com o grito de “que se vayan todos” e as panelas soavam ainda mais forte. O espírito de dezembro segue vivo na capital argentina e na mostra de dignidade das operárias e operários de Bruckman, exemplo de uma classe que não se resigna a viver de joelhos.

Pelo contrário, os gases e balas de borracha sobre humildes trabalhadoras que defendem sua fonte de trabalho num país arruinado pelo desemprego e pela miséria, as mais de 120 prisões, as dezenas de feridos, a caça e perseguições de até 30 quadras da fábrica, tudo isso é uma expressão eloqüente da podridão do regime político e social imperante.

Ainda que o governo de Duhalde tenha optado por não ceder à mobilização e por pagar o elevado custo político da repressão ’ o presidente argentino estava mais preocupado em responder à pressão pela direita vinda do giro de parte da população a apoiar Menem e Lopez Murphy ’, respondendo duramente à pressão das mobilizações de rua para evitar a imagem de debilidade que lhe estava sendo atribuída pelo pólo bonapartista do regime.

Esta repressão selvagem não conseguirá, porém, derrotar a causa de Bruckman, nem toda a resistência operária e popular aos planos imperialistas deste regime corrupto e repressivo. Pelo contrário dará um impulso adiante à resistência. Demonstrada a valentia e vontade estratégica das operárias e dos operários de Bruckman de lutar até as últimas conseqüências por seus postos de trabalho, o conflito passou a uma nova situação simbolizada no acampamento, isto é, uma “greve” ou luta prolongada em que a estratégia é sustentar as forças e o moral dos operários até uma situação mais favorável para a retomada da fábrica.

Por tudo isso é essencial toda mostra de solidariedade internacional. A vitória das operárias de Bruckman é uma vitória de todos os trabalhadores. É preciso organizar um grande fundo de greve internacional que não permita que por fome os trabalhadores de Bruckman se vejam obrigados a aceitar uma derrota por desgaste.

A frente única dos trabalhadores e do povo que se expressou nos quatro dias de conflito deve aprofundar-se. “A Batalha por Bruckman” , como chamaram alguns jornais a jornada de 21 de abril, deve continuar com um plano de luta. Os mais recentes combates da classe trabalhadora argentina em Zanon e em Bruckman demonstram uma vez mais que nas condições de decadência imperialista, a classe operária é a única que defende as forças produtivas contra a política parasitária da burguesia. Nós de ER-QI conjuntamente com nossa organização irmã na Argentina, o PTS, que esteve com as operárias e operários de Bruckman desde o começo de sua luta e pós todas as suas forças para desenvolver o movimento das fábricas sob controle operário cujo primeiro emblema foi Zanon, chamamos todas as organizações comprometidas a seguir a seu lado, porque neles vive o 19 e 20 de dezembro argentinos e a possibilidade de refundar um movimento operário internacional sobre bases classistas e revolucionárias.

Essas matérias foram produzidas a partir da colaboração de companheiros do PTS – Partido de Trabajadores por el Socialismo, da Argentina, que vem tendo um papel destacado na luta das fábricas ocupadas sob controle operário.

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