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Nacional

31/03/2011: 47 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964

Basta de impunidade e proteção aos criminosos que seguem no poder

24 Mar 2011   |   comentários

Uma data para recuperar a memória histórica e preparar a luta pela abertura dos arquivos da época, apuração dos crimes da ditadura e punição dos responsáveis militares e civis

Em 31 de março de 1964 foi perpetrado um golpe militar pelas Forças Armadas, em aliança com empresários, partidos burgueses, igreja católica, Opus Dei (seita do governador Alckmin) e Tradição, Família e Propriedade (TFP, herdeira dos setores fascistas, integralistas), contando com a divisão e confusão da classe média e a não resistência da classe trabalhadora – por responsabilidade direta da ação política do “partidão” [1], principal direção do proletariado, que pregava a “conciliação com a burguesia ‘nacional’ e democrata e militares patriotas”.

A partir desse ano o regime militar instalou um clima de terror, objetivando derrotar fisicamente as lutas operárias e estudantis, principalmente a possibilidade de que se consolidasse uma aliança operário-estudantil que avançasse para posições revolucionárias e independentes que tivesse como eixo central e ordenador a luta pela derrubada da ditadura. Vieram os “anos de chumbo”, com repressão a qualquer manifestação social, prisões, tortura, assassinatos e desaparecimentos. Os empresários se colocaram ativamente ao lado desse regime de terror, cedendo informações dos seus empregados para os serviços de inteligência e repressão, ajudando a prisão de ativistas sindicais e políticos, financiando os novos órgãos de repressão política (Oban, DOI-CODI), ao mesmo tempo em que os militares endividavam o país para bancar negócios para esses capitalistas elevarem seus lucros [2].

Lei da Anistia configura a transição e a impunidade dos militares e torturadores

Em 1979, o regime militar em crise enfrenta as grandes lutas operárias e um crescente movimento democrático pela anistia, liberdade aos presos políticos e volta dos exilados. A Lei da Anistia, aprovada em agosto de 1979, foi resultado de um grande pacto negociado pelo governo Fiqueiredo com a Arena, o MDB, a Igreja católica, os empresários, intelectuais, personalidades e partidos de esquerda, tendo à frente o PCB. Os militares e os políticos do regime militar sabiam que o regime estava tremendo, daí precisavam negociar uma transição que impedisse a queda revolucionária da ditadura e as consequências desse processo. Era necessário garantir a impunidade dos membros do regime militar, limitando as liberdades democráticas, com o objetivo final de impedir um processo revolucionário que atingisse o estado e as forças armadas. A Lei da Anistia serviu para selar a transição negociada e garantir a impunidade aos militares, policiais e civis responsáveis pelo terror da ditadura.

Diferente dos demais países latino-americanos, o Brasil certamente é o recordista de impunidade aos criminosos da ditadura. Não há um preso sequer. Os processos são proibidos pela Lei da Anistia. O Supremo Tribunal Federal acoberta esse pacto e atua como instituição garantidora da impunidade do regime militar. “De acordo com o jurista Fábio Konder Comparato, a interpretação do STF afrontou a Constituição, segundo a qual crimes de tortura não podem ser objeto de graça ou anistia, uma vez que são crimes de lesa-humanidade.” [3]

Não se trata de minúcias técnicas e jurídicas mas de uma determinação clara de impedir que o pacto de 1979 voe pelos ares, pois todos sabem que se os arquivos forem abertos os crimes e os criminosos serão conhecidos. E, ao contrário do que disse o chefe do Exército, a grande maioria desses criminosos está viva, muitos deles nas forças armadas, nos órgãos estatais, no Congresso, nas assembléias legislativas, nos executivos estaduais, municipais e, claro, no executivo nacional. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, continua em sua função de avalista da transição, homem civil do regime militar que passou por todos os governos até hoje e se mantém como a muralha da impunidade dos criminosos da ditadura. As polícias, em todos os estados, mantém sua prerrogativa conquistada nos tempos da ditadura: mãos livres para reprimir, prender ilegalmente, violentar, torturar, matar e desaparecer. E tudo isso em nome da “democracia”!

A transição pactuada, no Brasil, foi um presente inestimável para todos os envolvidos com o regime militar. Por isso até hoje esse pacto se mantém, e o próprio PT, no governo, atua como guardião dessa vergonha nacional. Depois de FHC, Lula garantiu que os arquivos da ditadura não podem ser públicos. Dilma Rousseff, por mais que verta palavras ao vento, perseverá na sustentação do vergonhoso pacto. Que espetacular capacidade de curvar-se diante dos “senhores” têm demonstrado os “progressistas” brasileiros, principalmente os dirigentes e intelectuais próximos ao PT, ao PCdoB e ao hoje minúsculo PCB!

Abaixo a lei da Comissão Nacional de Verdade. Apuração verdadeira.

Nas últimas semanas vimos retornar o debate sobre os crimes da ditadura, porque está para entrar em regime de aprovação do Projeto de Lei nº 7.376/2010, que cria a Comissão Nacional de Verdade. Os militares, querendo guardar seu couro (e ouro), saíram gritando contra essa lei afirmando que “provocará tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão”. Eles consideram os crimes da ditadura como “fatos superados”. E como se mantém no poder e nas instituições do Estado (principalmente forças armadas e polícias), sacam à luz a ousadia de ameaçar o legítimo direito de apurar os crimes avisando que isso provocará “tensões e sérias desavenças”. [4] Tortura é crime imprescritível. Nem as conhecidas torturas de antes nem as atuais que vigem nas delegacias e viaturas policiais são “fatos superados”. Mortes e desaparecimentos de presos custodiados pelo Estado são crimes perpetrados por todos os responsáveis pelas instituições envolvidas, que seguem vivos, livres e impunes. [5]

A Comissão Nacional de Verdade, vendida pelo governo, petistas e “progressistas” como um “avanço nos direitos humanos”, não permite apurar a verdade para que se possa apurar os crimes da ditadura. Essa lei, que Lula empurrou com a barriga e será votada agora, não significa qualquer ameaça ao pacto de transição ou à Lei da Anistia, determinando que as atividades da Comissão não terá qualquer consequência jurídica ou processual [6], ou seja, não permitirá aos ex-presos políticos ou familiares dos mortos e desaparecidos a utilização dos seus “resultados” para impetrar processos contra os agentes da repressão e seus mandantes militares, políticos e civis. A Comissão assegurará o pacto de impunidade, pois seria resultado de consenso entre a Secretaria de Direitos Humanos do governo federal (ministro Paulo Vanucchi) e o Ministério da Defesa (e forças armadas). [7] O próprio tucano e ex-ministro da Justiça José Gregori (governo FHC) explica que “a comissão terá um papel histórico, não judicial ou de polícia. ‘Ela não terá validade judicante. Não terá poder para prender ou para processar.’” José Genoíno, ex-guerrilheiro, envolvido nos escândalos do mensalão, agraciado com medalhas do Exército que o torturou, não esconde que o governo petista se manterá submisso aos militares e agentes da ditadura, não permitindo apuração e punição aos torturadores e agentes do regime militar: “Mexer no texto [da lei] é provocar um enxame de abelhas”. [8]

Abertura dos arquivos da ditadura. Apuração, julgamento e punição aos criminosos do regime militar

Os movimentos de direitos humanos devem romper esse cerco militar-civil. Não podemos mais aceitar o silêncio, a mentira, a impunidade para os que perpetraram crimes hediondos contra trabalhadores, jovens, intelectuais, homens e mulheres que lutaram contra as atrocidades do regime militar. Não se pode falar de democracia quando os torturadores e agentes da ditadura seguem livres enquanto 383 mortos e desaparecidos continuam sem memória e sem enterros dignos. [9]

Este 31 de março deve servir para que os ativistas e organizações de direitos humanos, as organizações da esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais recoloquem na ordem do dia a preparação de um movimento nacional contra essa farsesca Comissão Nacional da Verdade, pela abertura irrestrita dos arquivos da ditadura militar, pela constituição de uma verdadeira Comissão Nacional de Memória e Verdade, independente do governo e dos militares e órgãos repressivos, pois somente assim poderemos assumir uma tarefa que não é para o passado, mas para o presente e principalmente o futuro da luta dos trabalhadores, da juventude e do povo brasileiro contra a violência, a tortura e os assassinatos que marcam o caráter da polícia em todos os estados, pela dissolução de todos os atuais organismos de vigilância aos movimentos sociais e organizações operárias que são extensão e continuidade dos órgãos criados pelo regime militar. [10]

Convidamos todos os que não aceitam esse estado de coisas e que lutam pela verdade e justiça para no dia 1º de Abril nos juntarmos num Ato pela revogação da Lei da Anistia, por uma Comissão Nacional de Memória e Verdade independente, pela apuração, julgamento e punição de todos os envolvidos em crimes do regime militar e pela reabilitação de todos os lutadores contra o golpe militar de 1964 e a ditadura brasileira.

[1O Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922, era conhecido como “partidão”, justamente porque englobava desde os principais organizações operárias até a classe média e mesmo alas das Forças Armadas. Em 1961 houve uma ruptura que resultou na criação do PCdoB (hoje no governo e na gerência dos negócios capitalistas, junto com os militares e agentes da ditadura, ou seja, seguindo a mesma política de conciliação de classes do velho partidão) e diversas correntes, a maioria delas combatendo o pacifismo do partidão, porém encaminhando-se para a estratégia da guerrilha (urbana ou rural), influenciadas pelo foquismo e guerrilheirismo da etapa, cujos grandes inspiradores foram a Revolução Chinesa e a Cubana. Essas correntes foram, depois do golpe militar, massacradas pelas prisões ilegais, torturas, mortes e desaparecimentos. Em 1979 o PCB, dentro do MDB, se colocou na linha de frente do pacto de transição da ditadura militar, negociando junto com os militares, o MDB, a Arena (de José Sarney), a Igreja e empresários (incluindo a mídia) a Lei da Anistia que resultou na “lei da impunidade” dos militares e civis responsáveis pelos bárbaros crimes da ditadura, chegando ao absurdo de igular os torturados aos torturadores. O principal deputado do partidão responsável pelo pacto com os militares e empresários era Roberto Freire, que em 1992 funda o PPS, transformando-se em neoliberal e aliado de primeira hora dos tucanos. Coerente com sua trajetória traidora, abandonou o Pernambuco e agora vive em São Paulo, no ninho quente do tucanato.

[2A própria Folha de S. Paulo agora reconhece que os veículos da Folha da Tarde (do grupo Folha) eram cedidos à polícia civil e aos órgãos do Exército para ações contra os militantes de esquerda. Diversas empresas no ABC mandavam seus chefes de departamento pessoal e de segurança a reuniões com os órgãos de inteligência do Exército e da polícia para mapear os ativistas das fábricas, passar informações e preparar prisões que depois terminavam em torturas, mortes e desaparecimentos. A Operação Bandeirante (Oban) era constituída de policiais civis, militares e agentes do Exército, funcionando como um órgão paralelo de repressão, cujo financiamento era garantido pelos empresários. O objetivo central era dizimar as organizações de esquerda e a militância operária, principalmente, e estudantil.

[3“A OAB junto com outras entidades e juristas solicitaram ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma revisão da Lei de Anistia. Em 28 de abril de 2010, por 7 votos a 2 o STF foi contra a revisão desta lei. O STF decidiu que os crimes cometidos por agentes públicos à época podem ser considerados crimes conexos às infrações políticas. Dessa forma, o Tribunal julgou ser impossível processar os agentes de Estado nos crimes contra opositores do regime militar.” www.torturanuncamais-rj.org.br. Acesso em 16/03/2011.

[4Forças Armadas resistem à Comissão da Verdade. O Globo. 9/03/2011.

[5Maurício Lopes Lima, promovido a tenente-coronel da reserva, era capitão quando chefiava a equipe de interrogatório da Oban e do DOI-CODI que prendeu e torturou Dilma Roussef, em 1970. Mesmo sendo acusado pelo Ministério Público Federal por 6 mortes e desaparecimentos e tortura de mais 20 pessoas, vive boa vida nas lindas praias de Guarujá, livre e impune como centenas de criminosos do regime militar.

[6“Art. 3º [...] Inciso V – [...] apuração de violação de direitos humanos, observadas as disposições das Leis nos 6.683, de 28 de agosto de 1979, 9.140, de 1995, e 10.559, de 13 de novembro de 2002; Art. 4º [...] § 4o As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório.” Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2010/msg%20229-100512.htm

[7“4. O ministro da Defesa, falando por si e pelas três Forças, reitera seu compromisso de trabalhar pela aprovação, no Congresso Nacional, da íntegra do texto do Projeto de Lei nº 7.376/2010, que decorreu de trabalho por ele desenvolvido;
5. Há um entendimento perfeito entre os ministros da Defesa, da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos no encaminhamento da matéria, com a qual as Forças Armadas estão em absoluta consonância;” Nota de esclarecimento: Comissão Nacional da Verdade. Ministério da Defesa.www.oglobo.com.br. 9/03/2011.

[8Aprovação do PL 7.376/2010 que cria a Comissão Nacional da Verdade deve ficar para o governo Dilma. www.ecodebate.com.br. 15/11/2010.

[9Dados do Centro de Documentação Eremias Delizoicov e da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos.http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos.php?m=2. Acesso em 16/03/2011.

[10“A ditadura e as suas conseqüências destruidoras não atingiram somente os opositores do regime imposto, atingiu todos nós. A sociedade brasileira hoje é marcada pelas formas nefastas de autoritarismos. Até hoje o Estado ainda pratica tortura, desaparecimento e mortes. O alvo principal é a população pobre.” Doutora Joana D’Arc Fernandes Ferraz e professora adjunta da UFF. http://www.torturanuncamais-rj.org.br

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