Sábado 20 de Abril de 2024

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As mobilizações contra a guerra na Grã Bretanha e a crise do governo de Tony Blair

05 Mar 2003   |   comentários

Em 15 de fevereiro dois milhões de pessoas saíram às ruas de Londres para manifestar-se contra a guerra, no que foi uma jornada histórica de protesto, porém não foi só Londres que se viu tomada de plaquetas e consignas com o “NÃO À GUERRA!” , 30 mil manifestantes se fizeram presentes em Belfast, Irlanda, e em Glasgow, na Escócia, os protestos reuniram mais de 100 mil pessoas. Foi uma comunhão de marchas sem precedentes na sua magnitude e amplitude; a imprensa indica que “pelo menos uma pessoa entre cada uma das 1,25 milhões de casas participou na marcha” (The Guardian, 18 de fevereiro de 2003).

Nas últimas semanas milhares de estudantes secundaristas, cujas idades oscilam entre os 11 e os 16, anos se organizaram espontaneamente e saíram às ruas de várias cidades do país para dizer NÃO à guerra. No dia 8 de março dez mil pessoas encheram as ruas de Manchester com pla-quetas contra a guerra. Porém, estaríamos equivocados se limitássemos o movimento às manifestações. Estamos na presença de um movimento de massas de uma magnitude jamais vista neste país. Em março de 1990 vimos, durante o governo de Margaret Thatcher, a rebelião contra o poll tax ’ que era um imposto para cada cidadão maior de 18 anos, e ao não se tratar de um imposto progressivo afetava as famílias de baixa renda, os estudantes e os desempregados [1]. O movimento contra o poll-tax surgiu em 1987 e foi se desenvolvendo e ampliando na Escócia e no interior da Inglaterra, até que estourou com os riots na praça Trafalgar Square em março de 1990 e resultaram na derrota da “dama de ferro” . Foi uma campanha que agrupou os desempregados, os estudantes e as pessoas de baixa renda, porém foi um protesto mais limitado que o presente movimento de massas contra a guerra.

As mobilizações contra a guerra não caíram do céu. O movimento contra a guerra começou a emergir depois de 11 de setembro, durante a guerra contra o Afeganistão, e representa uma resposta à política de Bush de redesenhar o mundo, como afirma Juan Chingo na revista Estratégia Internacional nº19: “Esta [a política de Bush] apresenta características neoimperiais em importantes áreas como o Oriente Médio e tem uma matriz unilateral, ainda que não descarte a cobertura ”˜multilateral”™, com o objetivo de assegurar-se estrategicamente consideráveis vantagens geopolíticas na disputa com as principais potencias imperialistas competidoras” [2]. Estas contradições estão agu-dizando-se dia a dia como demonstra o desenvolvimento do conflito no Iraque.

A Coalizão Stop the War é um coletivo que se formou em 21 de setembro de 2001 durante um ato público em Londres que contou com a presença de 2.000 pessoas, e suas consignas são: Não à guerra, Não à contra-ofensiva (escalada) racista e Pela defesa das liberdades civis. Stop the War agrupa organizações de esquerda, grupos pelo desarmamento nuclear [3] grupos pacifistas, associações e coletivos da comunidade muçulmana, centros de estudantes, regionais sindicais, sedes do partido trabalhista, centros comunitários, coletivos de autogestão, coletivos de distintas comunidades étnicas, e conta com o apoio de intelectuais, personalidades do mundo da cultura, sindicalistas e alguns deputados. Este coletivo tem confluído também com ativistas do movimento contra a globalização, ainda que seja muito mais amplo.
Depois das marchas durante os bombardeios ao Afeganistão comitês contra a guerra começaram a ser criados em locais de trabalho, universidades, escolas, regionais sindicais e centros comunitários de todo o país; além disso, estes centros servem de ponto de referência para quem queira participar nas mobilizações contra a guerra ou queira formar um comitê em seu local de trabalho ou universidade.

O movimento é heterogêneo, há quem ainda tenha confiança nos mecanismos diplomáticos das Nações Unidas, porém existe outro setor que tem uma atitude anti-imperialista e questiona o governo, a política dos Estados Unidos e dos grandes monopólios, os quais vê como a verdadeira causa que gera guerras como estas. Apesar desta heterogeneidade, é um movimento progressivo de conjunto, que pode fazer mudar a correlação de forças dos governos europeus.

Além das campanhas de agitação e reuniões nos locais de trabalho e universidades, alguns comitês do movimento ’ em especial da juventude ’ realizam protestos de ação direta contra bases militares, e como muitas destas bases ficam em lugares afastados das grandes cidades os estudantes alugam micros para dirigir-se a elas e nas reuniões de organização se realizam coletas para poder custear o aluguel dos ónibus.

Diante da iminência da guerra, a coalizão contra a guerra tem lançado uma ofensiva e, sob o chamado de Unidos para parar esta guerra, se tem feito um chamado conjunto com vários sindicatos britânicos propondo a paralisação do trabalho no caso de inicio da guerra e uma mobilização no mesmo dia, às 6 da tarde, na Parliament Square, em frente ao Parlamento. Também foi convocada uma marcha nacional a partir da estação de metro Embarkment até o Hyde Park, para o primeiro sábado depois do início da guerra.

O grande exemplo dos trabalhadores italianos

Tony Blair não é o único que enfrenta problemas. Na Itália, trabalhadores e ativistas dos sindicatos têm expressado sua oposição à guerra com exemplos de ações diretas. Ativistas italianos dizem: “m 21 de fevereiro começaram a entrar munições e armamentos em Camp Darby, uma enorme base militar norte-americana perto da cidade de Pisa. Dali os trens se dirigem aos portos italianos para serem enviados por barco à Turquia e ao Iraque. A Coordenadora Italiana do Fórum Social Europeu fez um chamado para atos de desobediência civil para frear os ”˜trens da morte”™. No dia seguinte, centenas de manifestantes começaram a deter ou diminuir a marcha dos trens” (Workers Power, Nº 273, março 2003).

Estas ações para deter os trens que transportam munições se repetiram em várias cidades italianas; o consulado britânico na cidade de Torino foi ocupado por ativistas; os portuários têm ameaçado paralisar o tráfego dos barcos. Vários sindicatos italianos, entre eles CGIL, FIOM e Cobas, têm chamado à greve no caso de que comece a guerra, porém para evitar que o governo de Silvio Berlusconi quebre as pernas dos trabalhadores é necessário o chamado a uma greve geral.

A Confederação de Sindicatos Europeus convocou para sexta-feira, 14 de março, uma greve dos trabalhadores europeus por 15 minutos em oposição à guerra. Como expressa uma nota do jornal Il Manifesto, de 7 de março, ao tocar as 12 badaladas do meio-dia de 14 de março todos os trabalhadores e trabalhadoras, de Lisboa a Praga, de Roma a Atenas, de Londres a Oslo, deixarão de trabalhar por quinze minutos e cruzarão os braços em nome da paz. Estas ações não bastam para deter uma guerra; estamos presenciando profundas disputas interimperialistas; Bush e Blair estão disputando o controle da região e uma paralisação simbólica de 15 minutos não os deterá. Não se trata de uma ”˜guerra a mais”™, por isso, para deter o aventureirismo de Bush, não bastam as ações pequenas, é necessário que desenvolvamos o movimento de massas em ações decisivas, que quebrem seus planos, detenham esta guerra e imponha uma derrota ao imperialismo e suas perspectivas de guerra.

O movimento de massas contra a guerra e a crise no Partido Trabalhista fazem balançar o governo de Blair

A ofensiva belicista de Bush e de Blair tem gerado não um alinhamento da população européia como pretendiam e sim sua contrapartida, um massivo movimento popular contra a guerra, um movimento que parece se mostrar difícil de parar, e que neste momento é uma ameaça à permanência mo poder do primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair.

Os primeiros-ministros da Itália e da Espanha estão numa situação distinta, já que os partidos da oposição são parte do movimento contra a guerra, como o PSOE na Espanha ou Refundazione na Itália, e Blair tem a oposição em suas próprias fileiras.

Os problemas que afrontam Blair, tanto em sua política diplomática exterior nas Nações Unidas como a falta de apoio em seu país, tem precipitado uma crise política não vivida por um primeiro-ministro neste país desde a segunda guerra mundial. “Nenhum primeiro-ministro britânico, desde a Segunda Guerra Mundial, enfrentou tal gama de problemas tão sufocantes como Tony Blair esta semana. Sua aposta maior é a guerra com o Iraque, com todas as potenciais repercussões para o Oriente Médio. Porém, pode ser que haja conseqüências sérias para as Nações Unidas, a União Européia e a relação transatlântica” (The Guardian, 11 de março, 2003).

Contudo, o que deveríamos agregar é que nos últimos cinqüenta anos tampouco as brechas interimperialistas foram tão grandes. Blair está sendo bombardeado, por um lado, pelo projeto de Bush de controlar o Oriente Médio e, pelo outro, por uma União Européia (inexistente há 50 anos) que quer impor suas próprias condições.
O conflito com o Iraque atua como um catalisador que deixa à flor da pele os profundos problemas contidos desde de que assumiu Tony Blair como chefe do Partido Trabalhista, em junho de 1994, despertando uma série de críticas por seu passado de advogado educado em uma ”˜public school”™ (escolas privadas seletivas às quais só chegam os filhos de classe alta, dos ricos e da nobreza) e em Oxford, assim como por seu discurso modernizador. Desde sua nomeação era claro que não iria servir aos interesses dos trabalhadores. Blair dissipou toda duúvida sobre suas intenções eliminando a cláusula 4 da constituição do partido trabalhista, que defendia a propriedade nacionalizada. Dali em diante o que se viu foi uma seqüência de privatizações, cortes nos orçamentos da saúde e da educação e a instalação de cotas universitárias, em nível nacional. Em escala internacional tem apoiado uma invasão militar atrás da outra: Kosovo, Afeganistão e agora Iraque.

Até o momento, Blair póde fazer tudo isto e inclusive ser reeleito sem encontrar oposição contando com o aval dos sindicatos. Os fatos das últimas semanas parecem transformar suas ”˜vitórias”™ em um contra-golpe que está ameaçando seu poder no governo. A crise que está atravessando o partido trabalhista só tem comparação com a crise de 1931, quando o então primeiro-ministro trabalhista Ramsay McDonald [4] formou um novo governo de unidade nacional com os conservadores depois que o seu gabinete ’ com a exceção de dois ministros - renunciou frente à política de McDonald de corte salarial dos trabalhadores e dos subsídios por desemprego, como forma de enfrentar a crise económica [5]. A semelhança com a crise de 1931 radica no fato de que para governar Blair se apóia no Partido Conservador, porque enfrenta a possibilidade de renúncia de figuras importantes de seu gabinete. Outra crise similar afrontada por um governo trabalhista foi em 1974, quando o governo trabalhista de James Callaghan perdeu as eleições depois da onda de lutas do setor público e as disputas sindicais dos trabalhadores industriais, que ficaram conhecidas como o ”˜inverno do descontentamento”™, permitindo assim a subida de Thatcher ao poder.

As massivas mobilizações de 15 de fevereiro têm colocado uma enorme pressão sobre os deputados trabalhistas e os próprios sindicalistas, que exigem de Blair que se atenha sob o mandato das Nações Unidas. Se não o faz, existem ameaças de renúncias por parte de membros de seu gabinete e deputados de distintas regiões de país. Na primeira semana de março 121 deputados, na maior rebelião parlamentar dos últimos 100 anos, votaram contra a moção do governo de ir à guerra, e se Blair ganhou a votação foi contando com o voto dos conservadores.

Os sindicatos, que contribuem com suas cotas de filiação ao Partido Trabalhista advertiram Blair que se embarcar na guerra com o Iraque sem contar com a segunda resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas lhe tirarão seu apoio. Esta advertência foi apresentada por um setor de líderes sindicais da TUC, que por sua vez tratam de diferenciar-se do setor de dirigentes sindicais ”˜de esquerda”™ que junto aos deputados do Camping Group (ala de esquerda do Trabalhismo) estão pressionando para que se chame uma conferencia especial do Partido Trabalhista, instância contemplada nos estatutos do mesmo.
É muito difícil prever o destino político de Blair. Os acontecimentos estão se desenvolvendo com ritmos políticos muito agitados. Blair e seus ministros estão se jogando pela segunda resolução, porém esta alternativa parece cada vez mais longínqua, e se os Estados Unidos decidem ir à guerra sem essa segunda resolução e Blair o acompanha, isto significa que terá seus dias contados.

Esta crise apresenta um problema, porque o grande movimento de massas pode ser desviado com uma ”˜mudança de regime”™ do Partido Trabalhista. Muitos dos opositores de Blair esclarecem inclusive que não querem derrotar Blair, mas sim que este se discipline aos mandatos das Nações Unidas.

Não permitamos que a imensa energia liberada pelas massas neste movimento contra a guerra seja derrotada com uma mudança de figura dentro do trabalhismo. Estas mobilizações demonstram o enorme potencial que guardam, e se empalmarem com uma crise do governo e divisões interimperialistas apresentariam possibilidades para intervir com uma estratégia operária independente que lute por uma estratégia operária.

[1Sob este imposto, por exemplo, ao Duke de Westminster, o maior proprietário em Londres, corresponderia pagar um de 417 libras esterlinas ao ano, enquanto seu chofer e sua empregada teriam que pagar a mesma soma. A um cozinheiro de escola com cinco filhos corresponderia pagar um imposto de 594 libras (Poll Tax Rebellion, Danny Burns, AK Press, Londres).

[2Ofensiva guerrerista de Bush: Uma tentativa de redefinir a hegemonia imperialista. Estratégia Internacional n° 19, janeiro de 2003.

[3O CND (Campanha pelo Desarmamento Nuclear) tem participado ativamente.,

[4Ramsay McDonald (1866-1938), duas vezes primeiro-ministro da Inglaterra, em 1924 e em 1929. McDonald respondeu à crise capitalista de 1931 liderando a minoria da direita do Partido Trabalhista em uma coalizão com os Conservadores sobre as bases de uma política económica que significou o empo-brecimento da classe operária, o que produziu a ruptura do Partido Trabalhista. Em 1929, estando exilado na Turquia, Trotsky solicitou ao governo de McDonald um visto para entrar na Inglaterra com o objetivo de assistir a uma conferência do Inde-pendent Labour Party, solicitação que foi rechaçada por McDonald.

[5Na primavera de 1931, aos operários industriais, aos trabalhadores agrícolas, têxteis e aos ceramistas queriam impor um corte salarial; os ferroviários haviam sofrido um corte de salários e a Confe-deração Nacional de Associações de Empregadores pedia a redução de salário dos empregados municipais e dos subsídios por desemprego... Em agosto [1931] estourou uma aguda crise financeira. Além da depressão do comércio havia uma crise de confiança na libra e as reservas de ouro se estavam esgotando. Ao fim, chegou a última traição: o governo trabalhista havia resignado e Ramsay McDonald havia desertado para o outro bando (Britain in the Ninteteen Thirties, Branson N. and Heinemann M., Panther Books, Great Britain, 1971).

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