Quinta 18 de Abril de 2024

Partido

DEBATE COM A ESQUERDA

As lutas, tal como as guerras, são radicais quando os objetivos são radicais

24 Nov 2011   |   comentários

A luta dos estudantes da USP como toda grande luta não é homogênea. Isto é ainda mais verdadeiro no movimento estudantil. A universidade e o movimento estudantil são policlassistas, tende a se dividir em distintos interesses de classe: com a burguesia ou com o proletariado e os pobres urbanos. Estes pólos onde nossa própria sociedade se estrutura (mesmo que não abertamente sempre, ou senão estaríamos em situações muito mais agudas da luta de classes) ficam marcados no discurso da mídia reacionária mais consciente. É preciso que também fiquem gravadas na vanguarda e sirvam para sua orientação prática.

O movimento estudantil da USP sofre uma óbvia pressão oriunda tanto de sua composição social como do senso comum em largar sua radicalidade e palavras de ordem contra a polícia seja na universidade, e muito mais as que são voltadas contra a polícia nos bairros e favelas, em nome de discutir autonomia, outra segurança, drogas. Não somos contrários a nenhuma destas discussões e lutamos contra a interferência do Estado nos corpos, pela legalização e não criminalização de todas as drogas. No entanto, estas discussões aparecem neste conflito como um desvio da luta contra a polícia, um desvio também de constituir um movimento estudantil que seja tribuno de quem está fora da universidade.

Nós da Liga Estratégia Revolucionária junto aos companheiros independentes da Juventude às Ruas e dezenas de outros estudantes independentes que temos atuado neste conflito e em solidariedade ao mesmo em universidades do interior de São Paulo e em todo o país, nos orgulhamos de levantar claramente esta estratégia rotulada de “presa em 1968” por Reinaldo Azevedo da Veja. Queremos lutar na universidade não só pelos direitos dos estudantes mas pelos interesses dos trabalhadores e do povo que está fora dela.

O ódio que a mídia nutriu contra o movimento combativo na USP não foi por seus métodos de ocupação e greve mas, antes de mais nada, pelo desafio que ele colocou ao senso comum de aceitação incontestável da polícia como representação da “lei e da ordem” social. O ódio é porque ele esteve na contra corrente, desafiou a lei e desafiou a aceitação da polícia, a denunciou, disse abertamente que a polícia está aí para manter a ordem da propriedade privada, dos lucros capitalistas, da exploração de uma minoria parasita contra a maioria produtora, uma classe dominante que precisa impor “paz social” para seguir lucrando e se preparando para jogar os custos da crise capitalista mundial nas costas dos que trabalham. Para isso, como temos visto na Grécia, Egito, Chile e até mesmo Estados Unidos, a polícia é o instrumento da “paz”, isto é, da violência estatal contra os que se rebelam e lutam.

O desenvolvimento e massificação do sentimento anti-polícia gerado na USP vai, em perspectiva, contra os interesses dos capitalistas e da “ordem social burguesa”, e ajudaria todos aqueles que estão calados pela violência policial e pela domesticação que sofreu até mesmo a esquerda anti-governista no país, que ao invés de lutar pela dissolução dos órgãos de repressão passou a defender a “reforma da polícia”, contribuindo na prática para que o povo continue “confiando” na polícia e na ordem burguesa. Marcelo Freixo (PSOL-RJ) tem uma posição dúbia sobre as UPPs e clara pela reforma da polícia. O PSTU se opõe às UPPs mas defende formar uma “nova polícia democrática”, porém para não “perder diálogo com as massas” recusa-se a combater as UPPs, seja na USP ou em qualquer lugar do país, e daí estão contra a PM na USP mas aceitam a polícia para “proteger a população”. [1] Estes dois partidos tratam a polícia como um elemento “tático” e o “estado de direito” como “estratégico” seja como concepção estratégica definida, como no caso do PSOL, ou como força de sua prática política centrista, PSTU, que apesar de defender a revolução socialista em seu programa, se adapta às instituições da democracia burguesa em sua estratégia. Nesta perceptiva, as massas devem defender o “estado de direito” e se necessário, “reformar” os aspectos “táticos”. Isso é o contrário das determinações reais sobre o papel da polícia. O papel da polícia é atuar em toda e qualquer situação para cumprir militarmente a “política” (decisão de governo), passando por cima do “estado de direito” (que é tático para a burguesia) para cumprir sempre sua missão estratégica preservar a ordem e a idéia de polícia (estratégica). Como diz um estudioso das forças armadas e das estratégias militares burguesas: “a idéia de polícia, presente na mente das pessoas, modifica, por ela mesma, os comportamentos no interior da sociedade, induzindo-os à auto-regulamentação; isto, por sua vez, torna-se o arrimo da ordem pública e do respeito às leis nas sociedades que existem sob a égide do Estado de Direito. Portanto, esta situação impõe à polícia uma prioridade de extrema importância, superior a todas as demais: a de preservar a confiança do público na ideia de polícia”. [2] Preservando a ideia de polícia nas massas estes partidos, com seus programas de “reforma da polícia” ou “fundação de uma nova polícia”, terminam atuando como forças funcionais da estratégia do estado burguês de preservar a ordem social vigente, denotando o desvio estratégico destes partidos, seja consciente (PSOL) ou não (PSTU).

Ao não encarar a questão da polícia em termos estratégicos o PSTU esquece-se de que, como ensinava Clausewitz, grande teórico burguês da guerra muito utilizado por Lênin e Trotsky, a “massa” (opinião pública incluída) deve ser vista como força “física” (força numérica) mas principalmente como força “moral” (ânimo, disposição para lutar, coragem, coesão como grupo ou coletivo). A “massa”, depois de três décadas de neoliberalismo e derrotas, é cada vez maior (força numérica) porém cada vez menos coesa, corajosa e disposta a lutar, cada vez mais individualista, conformista, passiva e pacifista. Ou seja, contraditoriamente a massa tem mais força numérica porém menor força de combate, pois sua “moral” é cada vez mais a moral do inimigo (defesa da ordem, da polícia, da lei, da paz social, do “estado de coisas”). Ao correr atrás das “massas” sem considerar o fator “moral” – elemento essencial e preponderante para os que pensam em termos estratégicos, de combate, guerra – o PSTU se adapta a esta moral das massas, daí rompe com o programa revolucionário de dissolução da polícia e dos órgãos de repressão para assumir um programa “de diálogo com as massas”, propondo reformar a polícia para democratizá-la como “protetora da comunidade”. Este é o motivo estratégico de sua posição política contrária a iniciar a luta contra a polícia na USP.

O PSTU nos criticou furiosamente tentando apresentar-se como portadores de uma “grande política” contra os prentensos “taticistas” que só pensam nos “métodos” e não têm “grandes objetivos”. A lógica deste partido, nesta questão, diferente da questão da moral para o combate que reivindicamos acima, é do pior de Clausewitz, e portanto não é marxista. Para Clausewitz a política é, no plano interno do estado, “conciliação de interesses”, moderação dos conflitos, e no plano externo guerra nacional entre estados. Para os marxistas política é luta de classes, e como tal o elemento preponderante e dominante, acima mesmo da economia e das relações entre estados. Ao ser clausewitziano e não marxista na compreensão da política o PSTU terminou naturalmente no campo dos “moderados”, buscando por todos os meios “conciliar” os interesses. Consequentemente, acabou sendo raivosamente combatente do que este partido (e a imprensa burguesa) denominou como os “radicais” e “minoritários” (dirigidos pela LER-QI, dizia) que buscavam ligar a demanda do Fora PM à luta contra o projeto de Rodas e dos tucanos para a universidade, e para isso “politizaram”, ou seja, levaram ao campo de combate (luta de classes) os interesses inconciliáveis.

Como sabem os marxistas, diante de grandes interesses antagonistas a força (combate, métodos radicais, guerra) será o elemento decisivo, portanto os “métodos” devem ser “de guerra”, proporcionais aos “grandes objetivos e interesses”. Para os moderados, que atuaram movidos por pequenos objetivos (reformar a PM, pressionar e negociar um “novo convênio” com a reitoria), a sua forma de guerra só poderia ser diplomática, negociadora, com o objetivo de conciliar os interesses e evitar tudo que pudesse parecer a uma “guerra violenta”. Daí seu “horror” à ocupação da diretoria da FFLCH e depois da reitoria, e agora o “horror” diante das prisões e inquéritos contra os 73 estudantes e trabalhadores. Esse “horror” atuou como “pânico”, deixando este partido prostrado como “acusador” dos radicais e “seus métodos violentos”. Esperamos que saiam desse estado de pânico para atuar de maneira principista em defesa dos 73 presos, incorporando toda sua força militante na campanha nacional e internacional que já está em curso.

Ao contrário da campanha do PSTU e da imprensa burguesa de nos taxar pejorativamente de “radicais” e “taticistas”, buscamos atuar como estrategistas, marxistas que utilizam a teoria clausewitziana de que “a política engendra a guerra” e “define seu caráter”, compreendendo que a guerra é cada vez mais guerreira (violenta), comprometida, quanto mais política (grandes objetivos e interesses inconciliáveis). O PSTU, em sua visão taticista e mesquinha (de pequena política), via apenas “as massas” atrasadas, e então escolheu adaptar-se ao senso comum. Nós, ao contrário, enxergamos as massas, sua debilidade moral mas acima de tudo vimos que nascia uma pequena vanguarda estudantil dotada de um sentimento (moral) antipolícia, e então nos determinamos para atuar como vanguarda consciente, revolucionária, para que esse movimento avançasse, se ampliasse e se amplificasse na perspectiva de constituir uma forte vanguarda de jovens conscientes do papel da polícia e da necessidade de combatê-la e dissolvê-la. Se hoje esse movimento é minoritário e parece inócuo aos olhos medíocres, o que nos move é a perspectiva estratégica de que no futuro próximo, diante da crise capitalista mundial, como temos visto em diversos países da Europa, os estados e governos capitalistas lançarão toda sua fúria contra a classe trabalhadora e o povo pobre, para descarregar o peso da crise nas costas das massas, e para isso usará a polícia como “cão de guarda do capital” e força de destruição. Nesse momento as massas se mobilizarão e buscarão uma direção consciente, revolucionária. Nos preparamos, hoje, para ser parte e oferecer às massas, no futuro, essa vanguarda consciente. Aqui se encontra a justificativa para tamanho ódio da corja reacionária da revista Veja, do Estadão, de Rodas, Alckmin e Cia. contra nós, pois eles sabem que somos pequenos mas nossos objetivos são enormes e estratégicos.

No caso preciso da USP ficou claro que o reitor e o governo não podem conciliar sobre a presença da PM na universidade, o que impõe a uma vanguarda consciente (revolucionária) decidir por um combate guerreiro capaz de vencer, de impor “a nossa vontade” ao inimigo, o objetivo final da guerra segundo Clausewitz. Em termos de Antonio Gramsci, “se a guerra está dirigida por uma pequena política será uma guerra medíocre” porque “só uma grande política pode impulsionar uma grande guerra” .[3] Assim nos movemos nesse rico processo, como radicais que desejam mudar pela raiz mas também como estrategistas que se preparam para dirigir combates decisivos entre as classes.

[1] André Augusto e Iuri Tonelo. “Quem ‘precisa de polícia’? Um debate estratégico com o PSTU sobre a polícia e o Estado burguês”. www.ler-qi.org
[2] Tiago Cerqueira Campos. Doutorando em Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ). Grupo de Estudos Estratégicos. “A teoria do uso da força em Clausewitz e Bittner: uma unidade teórica fundamental dos estudos estratégicos”. 2008. http://www.abed-defesa.org/page4/page8/page9/page3/files/TiagoCampos.pdf
[3] Fernando Rosso (Córdoba, Argentina). “Restauración, relato y ‘fuerza moral’ (leyendo desde Clausewitz al
kirchnerismo)”. http://elviolentooficio.blogspot.com

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